A Igreja como recebedora e mediadora da salvação - Estudo Bíblico

Declaração conjunta Católica Romana-Evangélica Luterana - Porto Alegre - 1998

15/01/1995

4. A Igreja como recebedora e mediadora da salvação

Oração de abertura 

Senhor Jesus Cristo,
tu estás presente em tua Igreja
e realizas as obras de Deus nela
através do poder do Espírito Santo.
Na comunidade da Igreja
nos fazes tomar parte em tua vida no Batismo.
Na comunidade da Igreja
tu te concedes na Eucaristia
e nos salvas do poder do pecado e da morte.
Tua Igreja vive no poder infinito de teu amor,
em tua palavra e teus sacramentos;
unicamente por esta razão ela permanece firme e jamais cairá.
Agradecemos-te por isso e te pedimos
que nos faças reconhecer de modo cada vez mais claro
quanto terreno comum há entre nós.
Amém. 

Introdução 

O espírito de nossa época é muitas vezes um grande desafio até para a idéia da Igreja. Hoje, até mesmo muitos cristãos comprometidos sentem-se tentados a ver a Igreja em primeiro lugar e antes de mais nada como uma instituição, ignorando a natureza da Igreja: ela recebe vida e salvação do Senhor e transmite essa vida e salvação aos crentes em fidelidade a ele e sua comissão, na pregação da Palavra de Deus e na administração dos sacramentos.

A crítica atual da Igreja é um desafio para ambos os lados repensarem inteiramente o tema da Igreja e reexaminarem contrastes confessionais nesta esfera. O ponto de partida para tal exame comum poderia ser a confissão central da Comunhão Luterana, a Confessio Augustana, e os documentos do II Concílio Vaticano. 

O artigo 7 da Confessio Augustana diz: Ensina-se também que sempre haverá e permanecerá uma única Igreja cristã, que é a congregação de todos os crentes, entre os quais o Evangelho é pregado puramente e os santos sacramentos são administrados de acordo com o Evangelho (CA 7, Livro de Concórdia, p. 31). 

Em 1530 isso expressava o que é comum a ambas as Igrejas. O Segundo Concílio Vaticano, reiterando a importância dos sacramentos (Sacrosanctum Concilium, capítulos 2 e 3), também colocou ênfase renovada no uso das Escrituras e na pregação (ibid., 24, 35, 51s.). 

O fato de a Igreja Luterana ser representada exclusivamente como a Igreja da palavra e a Igreja Católica como a Igreja dos sacramentos constitui uma caricatura. Problemas surgem entre nós apenas quando a Igreja é vista não só como a recebedora, mas também como a mediadora da salvação. O Vaticano II referiu-se à Igreja como o sacramento da salvação. Será que nossos caminhos se separam aqui? 

Passagem bíblica (1 Co 11.23-25) 

Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão, e, tendo dado graças, o partiu e disse: 'Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim.' Por semelhante modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: 'Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim'. 

Explicação 

De acordo com o relato de Atos, o apóstolo Paulo fundou a congregação de Corinto em sua segunda viagem missionária. Mesmo depois de deixar Corinto, ele permaneceu pessoalmente ligado a essa congregação, em especial quando, em anos subsequentes, irromperam conflitos que atingiam a área central e ameaçavam até mesmo a ordem correta do culto. Em sua carta aos Coríntios, Paulo deixa claro quão fortemente suas decisões eram determinadas por Cristo, o Senhor crucificado e ressurreto. O apóstolo não prega em seu próprio nome, mas entrega ou transmite fielmente o que ele próprio recebeu. 

Portanto, receber e transmitir são para Paulo — bem como para os demais apóstolos -- elementos fundamentais em toda a pregação. O indivíduo não dispõe do conteúdo da fé, assim como a fé não é uma realização humana: ... sabendo, primeiramente, isto, que nenhuma profecia da Escritura provém de particular elucidação, porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana, entretanto homens e mulheres falaram da parte de Deus movidos pelo Espírito Santo (2 Pe 1,20s.). 

Paulo dá a si mesmo um lugar nessa corrente de receber e transmitir ao instruir os coríntios sobre como deveriam celebrar corretamente a Ceia do Senhor. A fé sempre requer uma lealdade incondicional à sua fonte, e essa fonte normativa não é outra coisa do que a proclamação do Senhor, que fora transmitida, palavra por palavra, a partir de Jerusalém nas jovens congregações desde os dias do milagre de Pentecostes, mesmo antes dos primeiros registros por escrito. 

Assim, o acontecimento de Cristo define totalmente o que constitui o elemento central da pregação na Igreja. Por outro lado, a própria Igreja toma parte da realidade da revelação divina que encerra dentro de si como um tesouro inestimável. A pregação entre os gentios tem lugar através dos apóstolos, e a fé que ela produz é a fé da Igreja. Assim, a Igreja como recebedora da salvação é também sua mediadora e guardiã. 

Importância ecumênica 

Hoje em dia não se pode acentuar o suficiente que a Igreja não é simplesmente todos os cristãos enquanto indivíduos se organizando como uma entidade social — ela não é uma espécie de macroorganização para a qual qualquer indivíduo cristão pudesse definir seu relacionamento como lhe aprouver e praticar de acordo com os seus próprios padrões. Que a Igreja realmente tenha sido estabelecida por Deus é fundamental tanto para a compreensão católica de Igreja quanto para a luterana. A proclamação da palavra e celebração dos sacramentos foram confiadas permanentemente à Igreja até o dia em que sua peregrinação terrena seja completada. Assim, está claro para ambas as igrejas que a salvação jamais pode ser efetuada por seres humanos ou estar à disposição deles, mas que ela só pode ser experimentada e comunicada a indivíduos na atividade da Igreja. 

Trecho do estudo católico romano-luterano Igreja e justificação 

Tanto os luteranos quanto os católicos entendem a Igreja como a assembleia dos fiéis ou santos que vive da palavra e dos sacramentos de Deus. Assim vista, a Igreja é o fruto da atividade salvadora de Deus, a comunidade da verdade, da vida e do amor divinos. Cristo, que age cru sua palavra e sacramento salvadores, confronta-se com a Igreja, que é a recebedora da atividade dele próprio e do Espírito Santo. A presença de Cristo marca a Igreja como o lugar onde a salvação acontece. O dom da salvação, entretanto, toma-se a tarefa e missão da Igreja como comunidade que recebe a salvação. Assim, a Igreja é levada por seu Senhor ao ministério de mediar a salvação. Isto se aplica à associação e apoio dentro da própria congregação dos fiéis, mas também particularmente à confrontação com o mundo, em especial com todas as pessoas que ainda não creem e ainda não pertencem à assembleia dos fiéis (n° 117). 

Porque ... a Igreja vive o Evangelho e é levada ao serviço da ... mediação do Evangelho, o discurso católico sobre a Igreja como 'sacramento' pode ser descrito em termos de seu propósito: como corpo de Cristo e koinonia do Espírito Santo, a Igreja é o sinal e instrumento da graça de Deus, um instrumento que, por si, nada pode fazer (n° 119). No pensamento católico o conceito de 'sacramento' é constantemente aplicado à Igreja de modo analógico. A Igreja não é 'sacramento' no mesmo sentido como o são os sacramentos do Batismo e da Eucaristia. (Assim, o termo 'sacramento' é sempre colocado entre aspas quando se refere à Igreja.) ... Aplica-se, antes, o conceito de sacramento à Igreja para auxiliar a reflexão teológica, pois ele aclara a conexão interna existente entre estrutura exterior visível e realidade espiritual oculta (n° 123). 

A teologia luterana aponta 'sacramento' deve ser distinguido o termo 'sacramento' ao Batismo deve contradizer o fato de que pecadora (n° 129).
Há concordância entre luteranos e católicos de que a Igreja é para o fato de que chamar a Igreja de claramente da maneira como se aplica e à Ceia do Senhor (n° 128) e não a Igreja é ao mesmo tempo santa e instrumento e sinal da salvação e, neste sentido, 'sacramento' da salvação. Certamente as reservas são levadas a sério por ambos os lados, e é preciso buscar uma linguagem teológica que seja não-ambígua (n° 134). 

Meditação: receber — mediar 

A importância especial de Maria no acontecimento da salvação é atualmente objeto de uma atenção renovada tanto por parte de luteranos quanto de católicos. Um importante e recente exemplo é o livro intitulado Maria, die Mutter unseres Herrn : eine evangelische Handreichung (Maria, a mãe de nosso Senhor : um subsídio evangélico). 

Maria não é apenas católica; ela também é luterana. Os luteranos se esquecem disto com facilidade. As Igrejas cuja base de fé é a Sagrada Escritura não podem ignorar o fato de que a mãe de Jesus é mencionada várias vezes em diversas conexões no Novo Testamento. 

Os luteranos confessam no Credo Apostólico: ... concebido pelo Espírito Santo, nascido da virgem Maria. A concepção de Maria é um milagre da criação que a graça de Deus operou nela e que unicamente Deus pode realizar. E Maria diz sim a Ele: Aqui está a serva do Senhor; que se cumpra em mim conforme a tua palavra (Lc 1,38). Isto é fé em sua forma mais pura. Precisamente neste sentido o Vaticano II enfatiza que os Santos Padres julgam que Deus não se serviu de Maria como de instrumento meramente passivo (LG 56). Em seu assentimento à maternidade ela está dizendo sim a Deus, e esse sim dela é o assentimento da mãe àquela criança singular. Tanto a sua fé quanto o milagre operado nela são graça. Porque Maria aceita na fé que deve trazer o Filho de Deus ao mundo, ela é exemplo daquela fé que espera tudo de Deus e nada de si mesma. 

E a respeito dessa criança é verdade que um só é nosso Mediador segundo as palavras do Apóstolo: 'Porque um só é Deus, mas também um só mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus, que se entregou para redenção de todos (1Tim 2,5-6). Todavia a materna missão de Maria a favor dos homens de modo algum obscurece nem diminui esta mediação única de Cristo, mas até ostenta sua potência (LG 60). ... a única mediação do Redentor não exclui, mas suscita nas criaturas uma variegada cooperação que participa de uma única fonte (LG 62).

(Fontes: Maria, die Mutter unseres Herrn : eine evangelische Handreichung, 1991, pp. 10, 14s., 111-113, acrescido de citações de Lumen Gentium, do Vaticano II). 

Perguntas para a discussão 

— O que você associa com a palavra Igreja? Que imagem vem à sua mente quando você pensa na Igreja? 

— Como sua imagem pessoal da Igreja se relaciona com a afirmação de Jesus Cristo de que a Igreja está onde as pessoas ouvem a palavra de Deus e recebem os sacramentos? O que teria de acontecer para que a Igreja cumprisse melhor essa missão hoje? 

— Uma pergunta para o parceiro luterano: explique claramente a seu parceiro católico o que a palavra significa para você. Como a reverência pela palavra se expressa em sua vida/na vida de sua Igreja? Uma pergunta para o parceiro católico: explique claramente a seu parceiro luterano o que o Sacramento da Eucaristia significa para você. Como isso se expressa em sua vida/na vida de sua Igreja? 

— Anteriormente palavra e sacramentos tinham um significado diferente na Igreja Luterana e na Católica. Como o status diferente de palavra e sacramento entre católicos e luteranos deveria ser avaliado a partir de uma perspectiva moderna? Que problemas já foram resolvidos? Onde ainda existem dificuldades?

— Que preocupação está por trás do ensinamento do Vaticano II que descreve a Igreja como que o sacramento, i. é como o sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano (LG 1)? — Onde se situam as reservas dos luteranos referentes à descrição da Igreja como sacramento? Como as reservas luteranas se relacionam com a doutrina da justificação? Até que ponto essas reservas são acolhidas do lado católico? 

Oração de encerramento 

Triúno Deus,
nós somos teus,
e a alegria toda é tua.
Tua palavra a criou,
tua palavra e teus sacramentos lhe dão vida.
Este é o milagre do teu amor.
Confessamos juntos
que tu nos chamas como testemunhas tuas
e que é tua vontade
que a Igreja esteja consciente de sua missão
e exerça esse ministério com toda a sua força
para que o mundo creia.
Louvamos-te com todos os anjos
como o Deus uno e vivo e verdadeiro
na comunhão de teus santos
e daqueles que foram tornados perfeitos.
Amém.

Estudos Bíblicos:

Estudo 1 - Justificação e Igreja

Estudo 2 - Jesus Cristo como único fundamento da Igreja

Estudo 3 - A Igreja do Deus Triúno

Estudo 4 - A Igreja como recebedora e mediadora da salvação

Estudo 5 - A missão e comunhão da Igreja

Veja mais:

Doutrina da Justificação por Graça e Fé

Apresentação — Pastor Huberto Kirchheim

Apresentação — Dom Ivo Lorscheiter

Declaração conjunta sobre a doutrina da justificação 

Declaração conjunta da Federação Luterana Mundial e da Igreja Católica Romana sobre a doutrina da justificação — Dom Aloísio  Lorscheider 

Doutrina da justificação — no limiar de um acordo ecumênico? - Pastor Dr. Gottfried Brakemeier 

A doutrina da justificação por graça e fé em Martim Lutero - Pastor Dr. Silfredo B. Dalferth 

A Comissão Mista Nacional Católico-Luterana — Pastor Bertholdo Weber 

Seminário Teológico Luterano-Católico sobre a Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação — Parecer — Pastor Huberto Kirchheim e Dom Ivo Lorscheiter 


 


Âmbito: IECLB / Organismo: Igreja Católica Apostólica Romana - ICAR
Testamento: Novo / Livro: Coríntios I / Capitulo: 11 / Versículo Inicial: 23 / Versículo Final: 25
Título da publicação: Doutrina da Justificação por Graça e Fé / Editora: EDIPUCRS e CEBI / Ano: 1998
Natureza do Texto: Educação
Perfil do Texto: Estudo Bíblico
ID: 20512
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