Este foi o lema da IECLB faz vários anos. Na ocasião a direção da igreja lançou um concurso para o cartaz de divulgação da igreja, e lembro que cheguei a ver o cartaz que a Karin Rosenbaum criou sobre o tema. O cartaz mostra cenas da vida do povo em torno de formas geométricas brancas vazias. A artista quis dizer que havia uma certa dificuldade em nossa igreja de saber dizer quem somos e a que viemos. E sugere através do cartaz olhar para vida das pessoas e suas necessidades em busca de uma resposta.
Aqui na Grande São Paulo somos uma igreja com história e que se multiplicou ao longo de mais de cem anos. De algum tempo para cá surgiram, porém, uma série de dúvidas sobre o futuro de nossa igreja em São Paulo. Lideranças andam preocupadas com a continuidade dos trabalhos nas paróquias. Pesam as dificuldades, sobretudo as financeiras. Buscam-se sob pressão soluções imediatas para resolver ou, pelo menos, aliviar a problemática.
O mal estar tem, sem dúvida, diversas causas. Faz parte uma certa mania de ver as coisas mais negativas como são, mas é preciso reconhecer que há algum fundamento nos questionamentos. O que estaria acontecendo?
Sem pretensão de esgotar a questão queremos apontar uma mudança que está se processando nas últimas décadas e que gera profundas transformações na vida da igreja. Estamos falando do esgotamento de um modo tradicional de vida o que traz consigo o paulatino desaparecimento de uma série de certezas do mundo arcaico sobre a vida familiar, as relações sociais com lugar certo para todos e, sobretudo, a religião como espaço garantido no universo tradicional.
Definitivamente as pessoas estão passando ou já passaram a se relacionar de uma forma diferente com a religião e a igreja. Era algo natural e um tanto automático ser membro da igreja por considerar que ela era essencial para o bom funcionamento da vida. Esta naturalidade já não existe mais. As pessoas passaram a avaliar a cada instante, de que forma relacionar-se com a religião em suas buscas por sentido. Esta mudança está ocorrendo na sociedade em geral e foge totalmente do nosso controle e da nossa responsabilidade.
Em nossas comunidades o efeito mais imediato é que a geração mais jovem (menos de 50 anos) é bastante rara em nosso cadastro de membros. O mesmo não ocorre tanto na participação em programas das comunidades. Na parte das atividades uma consequência foi a melhoria do atendimento. Como as pessoas aceitam cada vez menos serem membros passivos da comunidade, estas investiram ao longo de décadas na melhoria das atividades e na atenção dada aos membros. Onde 60 anos atrás um pastor tinha que dar conta do recado temos hoje 3,4 ou 5. Não duvido que melhoramos bastante em termos de qualidade.
Um efeito colateral deste desenvolvimento é de exigir cada vez mais de menos pessoas que aceitam responsabilizar-se por sua comunidade. Isto está acontecendo há anos, mas nem sempre significa que as nossas igrejas vivem vazias. Ao contrário, muitas vezes a participação até é bem razoável, mas é nas lideranças que se instala um sentimento de stress e que algo negativo e ameaçador estaria acontecendo.
Este caldo pesado muitas vezes impede um aprofundamento maior sobre o caminho a escolher. As pessoas baixam a cabeça por terem medo do futuro. Tocam o barco enquanto dá, sem procurar saber para onde a viagem vai. Por consequência encontramos com alguma frequência um ambiente forçado e pesado. É necessário levantar a cabeça e separar o que foge do nosso controle daquilo que está ao nosso alcance. Vamos enxergar para longe. Como será a nossa igreja em São Paulo daqui a 15 ou 20 anos? Como viver a herança da reforma num mundo em transformação?
Temos em nossas 9 paróquias uma diversidade de tentativas de responder a estes desafios. Esta pluralidade é em si algo positivo e está de acordo com os valores tipicamente protestantes. Não somos a não seremos uma igreja “formatada” de um único jeito só. Mas precisamos nos aprofundar mais e em conjunto sobre conteúdos e formas de ser igreja. A igreja do futuro será gestada em equipe ou não será. Eis o nosso desafio coletivo nos próximos anos.
Sem esta reflexão continuará ocorrendo o que já sentimos hoje: Que cada vez menos pessoas carregam um peso cada vez maior, e isto em todos os níveis: no trabalho voluntário, na participação nas programações e na responsabilidade financeira. Um desenvolvimento que por si só levaria a desmotivação das lideranças e a uma necessidade de fundamentar, a qualquer custo, o ônus maior com que estes teriam que arcar. Sem uma reflexão maior haverá um sério risco de “alugar” sem critério a reflexão de outros que de uma certa forma foram bem sucedidos em suas igrejas. Resta a dúvida se os nossos membros aceitariam isto.
A saída poderia ser de ir lá às origens de nossa confissão luterana. Temos uma herança muito rica que pode nos nortear. Quem assistiu o filme “Lutero” viu quão belo e relevante foram as descobertas dele. Ele nunca se interessou em fazer funcionar a igreja enquanto instituição. O olhar dele sempre era amplo para além das amarras institucionais. Ele tinha uma única e grande preocupação: Como fazer chegar aos corações das pessoas a certeza que Deus é um Deus gracioso e generoso que nos ama acima de todas as medidas? A ideia de Igreja era muito ampla no sentido de uma presença libertadora da fé em todas as dimensões da vida. Fazia as pessoas levantarem a cabeça e enfrentar quem somente queria fazê-las pagar.
Uma igreja que terá futuro em São Paulo terá que insistir de forma firme no desenvolvimento do espaço da comunidade marcado pela gratuidade e generosidade e movido pela gratidão, e ela terá que abrir-se cada vez mais à noção de que a presença da igreja se dá na sociedade como um todo. Se a igreja é percebida como um lugar de relevância para além do grupinho dos membros, abrir-se-ão também possibilidades de partilhar o ônus. As lideranças seriam aquelas que conduzem a comunidade sem serem constantemente constrangidas de terem que “bancar” comunidade. Esta sim, ganhará sua razão de ser no serviço a todas as pessoas.
Há, sem dúvida, perspectivas brilhantes para nossa Igreja aqui em São Paulo, só resta abraçá-las!
P. Guilherme Nordmann