Entrevista - “Precisamos falar com o coração e com a realidade das pessoas”
Por Tobias Mathies - tobiasmathies@terra.com.br
A organização da sociedade moderna vem trazendo mudanças profundas na vida das pessoas. A partir deste enfoque, o padre João Batista Libânio trabalhou com um grupo misto de padres e pastores o tema: “As Lógicas das Cidades”, nos dias 24 e 25 de outubro, no Lar Rodeio 12. Para Libânio as pessoas no mundo moderno estão ficando mais sensíveis, tem mais chance de aproximação. “Precisamos falar com o coração e com a realidade das pessoas”. Confira, abaixo, a entrevista na íntegra:
Tobias Mathies: O seminário “As lógicas da cidade” que o senhor orientou em Rodeio 12 para luteranos e católicos teve caráter ecumênico. O movimento ecumênico tem futuro?
Padre Libânio: Não só o movimento ecumênico tem futuro, mas ele é necessário para as igrejas cristãs. Porque se eu dissesse que o movimento ecumênico não tem futuro eu teria que dizer que as igrejas cristãs estão traindo a sua vocação, isto seria uma informação muito grave. Então, eu tenho que dizer que pertence a natureza própria da fé cristã ser ecumênica. E, portanto, o esforço das igrejas que querem dialogar entre si não é uma concessão que uma igreja faz a outra, nem é, também, um modismo democrático porque se fala muito de diálogo hoje, mas é uma exigência do próprio Jesus que na oração sacerdotal pediu ao Pai que todos nós fossemos um só. Então esta vontade de Jesus só será realizada por nós, quando realmente nos colocarmos em atitude de quem está aberto a ouvir as outras igrejas, a deixar-se questionar por elas, a modificar a nossa própria posição naquilo que outros vão mostrar a nossa insuficiência e vice-versa, nós oferecemos o melhor do que nós temos para ajudar as outras igrejas crescerem também.
TM: Por que o título do seminário chama a atenção para a cidade? Isto exclui a parte rural?
PL: Não exclui, mas as estatísticas já estão mostrando que o Brasil é 80 % urbano. Então, evidentemente, que nós temos que nos preocupar com esta grande parte do Brasil. Segundo, mesmo os 20 % que pertencem a parte rural são muito influenciados pelas cidades. Então, podemos dizer que a cultura urbana atinge, hoje, praticamente todo o país. Hoje, refletir sobre a cultura urbana e como a fé cristã, a religião, as nossas dimensões religiosas influenciam na organização urbana é importante para quem mora na cidade, mas também para quem vive no campo e é influenciado pela cultura da cidade.
TM: A mensagem cristã tem lugar na cidade?
PL: Eu faria uma pequena distinção logo de início, evidentemente, que há mensagens religiosas que estão sendo muito valorizadas porque elas trazem consolo, prometem que as pessoas melhorem a sua vida, inclusive econômica. Então, há toda uma forma de religião que está tendo um sucesso enorme por isso a gente fala da explosão do fenômeno religioso. Mas eu tenho a impressão que a fé cristã tende a ir mais longe e mais fundo no problema. Nós não viemos aqui para consolar sem motivo as pessoas. Nós viemos aqui para anunciar o mistério do Senhor que salva e leva as pessoas a uma plenitude de felicidade. Mas uma plenitude de felicidade que tem um caminho, é assim que nós queremos ajudar as pessoas a serem felizes. A felicidade para nós passa pelo mistério fundamental da nossa fé que é a paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Ora, se o cristianismo não tivesse futuro nenhum nas cidades quer dizer, então, que as cidades estariam entregues a si mesmas, e que seria muito difícil as pessoas encontrarem uma luz que as iluminasse nas horas mais difíceis das suas vidas. Porque por mais felizes que nós sejamos, por mais prazer e bens que nós procuremos, todos os seres humanos passam por momentos muito difíceis de dor e sofrimento, seja na sua vida pessoal, seja por causa de outros como morte de pai, filho, etc... Todos nós conhecemos estas experiências, mas todos nós nos aproximamos para o mistério da morte. E, o cristianismo, junto com o judaísmo, são as duas religiões que podem propor uma solução que vai para além da morte. Como temos, com muita simplicidade, a chave interpretativa de toda a história, seria uma falta de amor à humanidade se nós guardássemos para nós esta chave e não às oferecêssemos adiante. Mas não nos cabe obrigar as pessoas a aceita-las, mas nos cabe oferecer esta chave interpretativa da história humana, a partir da morte e ressurreição de Jesus.
TM: Hoje quais são as dificuldades e as oportunidades de evangelização na cidade?
PL: As principais dificuldades de evangelizar não vêm tanto da cidade, mas sim dos nossos hábitos evangelizadores. Como nós estamos habituados a evangelizar dentro de uma cultura cristã, seja evangélica nas regiões evangélicas, seja católica nas regiões católicas, então o processo de evangelização era automático através da tradição e da cultura. A cidade desfez este tecido cultural. Então nós precisamos evangelizar pela raiz, mas não estamos habituados a trabalhar desta maneira, mas precisamos encontrar uma maneira de propor aquilo que é fundamental na fé cristã, e não mais aquele aparato enorme cultural que era importante para aquela época, mas como a cultura moderna é plural e diversificada, o cristianismo teve que buscar aquilo que é mais importante, essencial e fundamental. Então é ao mesmo tempo uma dificuldade, mas também uma chance porque conhecendo melhor o cristianismo nós podemos oferecer algo substancial, isto é, a própria fé, para a pessoa. E as pessoas vão ficar livres de muitos elementos secundários da fé. Precisamos tirar os entulhos da fé tradicional para permanecermos fieis nesta realidade. Outra coisa importante, também, que é uma nova chance do mundo moderno é que as pessoas são mais sensíveis, tem a afetividade mais aberta, nós podemos nos aproximar destas pessoas. Uma dificuldade é esta aproximação ser de maneira muito intelectual. O que precisamos é falar ao coração e a experiência destas pessoas. Se nós conseguimos fazer a passagem do doutrinal para o existencial, então, teremos chance de doutrinar melhor a sociedade urbana.
TM: Nós podemos dizer que as igrejas católica e luterana estão procurando uma nova maneira de evangelizar na cidade?
PL: Sim, este seminário deu uma pequena mostra do anseio destas igrejas. Tanto o lado mais iluminado, mais aberto da igreja católica e de semelhante forma o lado luterano que está mais aberto ao diálogo. As nossas igrejas são grandes e por isso existem todos os tipos de pessoas, alguns são totalmente fechados ao diálogo, precisamos reconhecer isto, tanto em nível de padres e pastores como no lado dos fieis. Então nós temos que começar a trabalhar com as pessoas que estão abertas e acredito que temos pessoas suficientes para fazer um excelente trabalho e uma grande caminhada.
TM: Qual o perfil do evangelizador cristão na cidade?
PL: Como a cidade é plural e apresenta elementos diferentes o evangelizador precisa ter uma capacidade de análise muito grande para perceber quais são os movimentos que estão na cidade. Se ele não percebe qual é o real da cidade ele não pode evangelizar. Agora perceber a realidade da cidade não é tão simples. Não basta olhar os carros andando pela rua. Ele vai precisar descobrir as lógicas da cidade. Depois que se conhece a realidade vem o segundo passo, é preciso discernir nesta lógica, o que favorece o evangelho. A partir de então, vou entrar neste canal e vou reforçar esta linha. Vou perceber que há outros elementos que impedem, então vou perguntar como posso oferecer e modificar estes elementos. Analisando, discernindo, captando os pontos positivos e trabalhando os elementos contrários de uma maneira diferente eu poderei ser um bom evangelizador. Para resumir precisa ser uma pessoa que tem uma clareza da sua própria identidade, que esteja aberto aos diferentes e portanto tenha uma atitude de diálogo.