Sínodo Vale do Itajaí



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ID: 21

O Pão Nosso de Cada Dia

 

 

Introdução


“Dona Maria, dona Maria...” a Sra. tem um pãozinho para me dar? Não, não temos mais pão em casa, acabamos de comer. O menino vai embora. O filho de 22 anos, que freqüenta a Juventude Evangélica, de longe ouviu a conversa e diz à mãe: mãe, como é que a senhora foi dizer a este menino que não temos pão, se acabamos de comer o Frühstück e sobrou pão na mesa? Mãe, este menino pediu comida, pão! E, se ele pediu pão é porque estava com fome. Ele não pediu dinheiro para gastar em outras coisas, mas pão, e pão não se nega a ninguém.


A mãe vai, arruma pão e manda a empregada levar na casa do menino, que não morava longe dali. A empregada volta e diz à dona Maria: “a mãe do menino agradece muito pelo pão. Seu marido não havia ganho o pagamento, não tinham dinheiro para comprar pão e ela não podia fazer, porque estava com o braço engessado”.


Milhões de crianças brasileiras vivem em miséria absoluta e dia a dia, vezes sem fim, em vão clamam: dona Maria... ou mãe, to com fome ou ué, ué, ué... E, por receberem tanto quanto nada muitas morrem.


O que isto tem a haver comigo? Contigo? Conosco? Com os cristãos que oram “o pão nosso de cada dia nos dá hoje”?

 

o pedido a deus

Diante de Deus sempre somos mendigos, isto Lutero já reconheceu. No Pai Nosso, porém, dirigimo-nos a Deus como mendigos exigentes, que se atrevem a pedir de modo imperativo: o pão nosso de cada dia dá-nos hoje. O nosso pedido é quase uma exigência. Filhos exigindo do Pai que os sustente, que se preocupe com eles. Que é isto? Arrogância, egoísmo, comodidade? Não. Uma vez, é o conhecimento de Deus como doador e o reconhecimento de nossa condição humana, de nossa limitação, que não podemos subsistir sem que Deus nos sustente (Sl 104.27ss; 145.15s). Outra vez, demonstra a nossa intimidade com o Pai, a grande liberdade dos filhos para com Ele.


Pedindo por pão, pedimos que Deus nos dê o mais elementar para a vida. Sim, nem isto conseguimos por nós mesmos. Isto revela a nossa extrema dependência de Deus. Pedimos tão insistente e atrevidamente por pão a Deus, porque estamos cientes de que, se a sua graça não nos sustentar, morreremos.

 

a resposta de deus

Deus sabe do que temos necessidade, mesmo antes de lhe pedirmos algo (Mt 6.8). Nesta sua providência divina, Deus criou a terra (= ADAMÁ) e a deu ao Homem (= ADAM), para que a sujeite, tirando dela o seu sustento. Empregando a sua força de trabalho e capacidade, o homem fez com que esta terra que Deus lhe deu, lhe sirva, lhe dê o pão de cada dia. Através do trabalho a terra nos serve; mas não é o trabalho que produz o alimento, não é o trabalho que faz o grão crescer e sim o poder de fertilidade que Deus dá à terra, abençoando assim, o nosso trabalho.


Deus deu a terra à humanidade. O que a terra dá, o seu fruto, consequentemente, é dirigido à humanidade. A terra produz frutos para que as criaturas se fartem. Jesus até nos livra da preocupação quanto ao que haveremos de comer e vestir, assegurando-nos que, se Deus dá alimento aos pássaros e vestes para as flores, muito mais o dará a seus filhos (Mt. 6.25ss).


Apesar da terra ser destinada à humanidade, para que a sirva de mantimento, grande parte da humanidade não tem o suficiente para comer. Porque há muitos ricos de celeiros cheios, há muitos pobres de barriga vazia. A terra não é mais da humanidade, a quem ela cabe por herança, mas de poucos, que em sua cobiça e ganância dela se apossaram. Ninguém, porém, tem direito de se apossar individualmente de algo que, por herança é de todos.


o que é pão

A palavra “pão”, à princípio, designa o alimento necessário para a vida. Daquilo que todo ser humano indispensavelmente necessita para subsistir (Pv 30.8; Sl 136.25). Tanto no Antigo como no Novo Testamento a palavra pão adquiriu este sentido lato de alimento, porque o pão era a principal comida do pobre. Se no Pai Nosso pedimos por pão, então, a priori, pedimos por aquilo que é elementar e indispensável para continuarmos a viver. Esta nossa necessidade humana é conhecida e atendida por Deus: Ex. Ele nos deu a terra para dominá-la e ela nos servirá de mantimento (Gn 1), Deus enviou maná e codornizes ao seu povo no deserto (Ex 16). Jesus também se preocupou com a fome das pessoas. Ex. multiplicou os pães; após ter ressuscitado a filho de Jairo, logo ordena que lhe dêem de comer (Lc 8.55).


Sobretudo no Novo Testamento o pão muitas vezes era, ao mesmo tempo entendido como alimento diário e banquete de salvação. As refeições de Jesus, quer com seus discípulos, quer com os publicanos, eram também uma antecipação do festim escatológico (Lc 14.15; 6.21; 22.30; Mt 8.11). A comunhão do pão era símbolo do Reino de Deus. Jesus era o anfitrião que servia os seus com as primícias do Reino. Os que estavam à mesa com Jesus tinham diante de si pão, o alimento que sustenta a vida terrena e o Pão da Vida que dá a vida eterna.


Estes são os principais sentidos bíblicos dado ao pão. Nós, hoje, no entanto, não precisamos ficar apenas restritos a estes entendimentos. À luz do Evangelho e diante de nossas situações podemos, de forma enriquecedora, interpretar a palavra pão para nossos dias. Podemos até verificar que a própria oração do Pai Nosso foi enriquecida nas comunidades primitivas, por isto há diferenças na versão do Pai Nosso transmitida por Mateus e Lucas.


Lutero, em sua época, já interpretou este “pão” de forma abrangente. Ele diz: “Quando pedes o pão de cada dia, pedes tudo o que é necessário para que se tenha e saboreie o pão cotidiano, e, por outro lado, também pedes que seja eliminado tudo o que o impede”... “à vida não pertence apenas que o corpo tenha alimento, vestuário e outras coisas necessárias, mas também, que seja de tranqü/ilidade e paz o nosso relacionamento com as pessoas com as quais vivemos e lidamos em diário comércio e trato e toda a sorte de atividade; em suma, tudo o que se refere às relações domésticas e vizinhais, ou civis e políticas”. Aí, numa longa lista Lutero enumera tudo o que está ligado à palavra “pão”: comida, bebida, vestimenta, casa e lar, campos, vizinhos fiéis, bons amigos, saúde, sucesso no trabalho, bons governantes, convívio em paz, que Deus nos preserve de temporais, incêndios, veneno, guerra, terra de carestia... (Catecismo Maior). Com isto, Lutero abriu um horizonte sócio-econômico e político tão vasto, que após 500 anos ainda é atual. Assim, se o governo decide o valor do Salário Mínimo; o Banco Central pela taxa de juros; o G-8 por uma política econômica; a Conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas; tudo isto implica em termos mais ou menos pão, em termos vida em abundância ou vida miserável.


Orando pelo “Pão de cada dia” temos que ter em mente que Deus abençoe tudo o que favorece o nosso sustento e que Deus elimine tudo o que nos impede de vivermos uma vida digna, que Deus afaste tudo que impede a chegada do pão à mesa de milhões. Sim, somente a Deus, o Criador, o Todo Poderoso, o Senhor sobre tudo e todos, posso externar este amplo e complexo pedido. Que através do pão – do sustento diário – Deus nos dê vida abundante aqui na terra, e através do Pão da Vida – Jesus – nos dê vida eterna nos céus.


O pão também é símbolo da graça divina, e como tal, é tido como algo sagrado doado por Deus, que não pode ser desperdiçado. O homem bíblico tinha plena ciência donde lhe vinha o pão de cada dia. Ele era dádiva divina. Por isso, as grandes festas em agradecimento à colheita tinham tanto destaque na vida do povo. Hoje em dia os cultos de ação de graça, em nossas comunidades, estão minguando, nas refeições as orações de agradecimento estão desaparecendo. Isto é um sinal notório de que o homem hodierno se sente auto-suficiente. Por quê agradecer, se tudo que consegui foi com o meu suor e trabalho? Só o trabalho, no entanto, não garante o pão, o trabalho não é tudo no pão. O trabalho apenas transforma, por si jamais gera ou cria algo. Entendendo ser o pão uma conquista exclusiva sua, o homem está deixando de agradecer a Deus. Lutero muito bem se expressou quando disse:

“Ore como se todo trabalho fosse inútil.

Trabalhe como se toda a oração fosse em vão”.


Com todo o afinco devemos nos dedicar ao trabalho, e com toda a confiança temos que nos entregar à oração, sabendo que tanto a oração quanto o trabalho devem fazer parte da nossa vida para que tenhamos o pão de cada dia.

o pão que satisfaz integralmente

Através do pão, da comida, da bebida, vestimenta, casa, terra, amigos, saúde, dinheiro, liberdade, etc., a criatura humana satisfaz suas necessidades elementares. Mesmo tendo todas estas necessidades supridas, o ser humano, porém, continua com fome, com sede. Quem só vive de pão está sempre insatisfeito. Nesta busca por satisfação, muita gente gasta o seu suor naquilo que não satisfaz, gasta seu dinheiro em pão falso. O próprio povo de Israel que, no deserto, recebeu sustento diário (Ex 16), mais tarde descobre que “não é só de pão que vive o homem, mas de tudo o que procede da boca de Deus, disso viverá o homem” (Dt 8.3).


Para a sua satisfação plena o homem necessita de mais: de aceitação, de compreensão, amor, carinho, confiança, paz, perdão, fé, salvação. Para nos satisfazer integralmente, Deus não só nos dá o pão de cada dia, mas em Jesus Cristo, nos dá o Pão da Vida. Jesus Cristo é o Pão da Vida (Jo 6.35), que dá vida à vida, que dá conteúdo, razão, objetivo ao nosso existir. Quem se alimenta e vive desse pão tem vida abundante aqui na terra e eterna nos céus. Esse Pão da Vida, nos dá a certeza de um futuro com fartura que não se precisa garantir com economias do presente, mas que é presente de Deus nos dado através da fé. Para manter a vida Deus nos dá tanto o pão diário quanto o Pão da Vida, pois sabe, sem eles morreremos.

 

o pão é de todos

Quando oramos “o pão nosso de cada dia nos dá hoje”, pedimos sustento para quantas pessoas? Para mim, para minha família, para os vizinhos, para toda a Comunidade, para toda a humanidade?


Na história que relatamos no início a “dona Maria” obviamente pedia no Pai Nosso pelo pão nosso, mas este “nosso”, a princípio, certamente só abrangia o seu círculo familiar. Para seu filho o pão “nosso” também incluía a este menino. Quantas pessoas abrange o nosso pedido do “pão nosso” de cada dia nos dá hoje?


Muitas vezes agimos como se só tivéssemos pedido pelo nosso pão, isto é, pela nossa parte individual, e não pelo pão nosso. Se dois terços da humanidade não tem o sustento diário e necessário à vida, então é sinal visível de que o pão não é mais “nosso”, de todos, mas de alguns que dele se apossaram.


Deus deu a terra à humanidade e os frutos que ela produz são mantimentos doados por Deus para alimentar a humanidade. Consequentemente todos têm direitos iguais ao alimento. Diariamente Deus dá tanto que todos podem se fartar, mas o homem não administra em favor da causa de Deus e do próximo, somente em causa própria. O ser humano sempre de novo cai em tentação e faz do nosso pão o seu pão, acumulando só para si, impedindo que o Reino de Deus venha a nós. Pedindo pelo pão nosso de cada dia, nunca temos direito à posse do pão inteiro, isto é, ao todo, mas apenas a uma parte. E, não é pelo fato de o pão ser “nosso”, que faltará a alguém. Mesmo partindo o pão não ficará escasso para ninguém. A bondade e a misericórdia de Deus nos são novas a cada manhã, por isto, mesmo partindo a porção de hoje, posso ter a certeza de que terei o suficiente para amanhã.


Quem pede pelo pão ao Pai assume a responsabilidade e o compromisso de repartir com os irmãos. G. Voigt disse: “Se Jesus falasse diretamente a nós hoje talvez diria: o pão nosso de cada dia nos dá hoje, assim como nós também repartimos o pão com os famitos”. (G. Voigt. p. 246, Die Grosse Ernte, 2ªed. Stuttgart, 1976). Assim como o rico no tempo de Jesus não se sentia compromissado com o Lázaro à sua porta, assim ainda hoje o que tem não se sente compromissado com o que não tem, e milhões de Lázaros morrem vendo a fartura, não chegando a ela, porque as portas estão trancadas.


Temos que nos conscientizar da seriedade desta nossa responsabilidade com os Lázaros que vivem ao nosso lado. Se ao faminto não fartamos, se ao nu não vestimos, se ao doente não assistimos (Mt 25.31ss), o fim trágico do rico igualmente poderá ser o nosso. Se não nos empenhamos para que o Reino da Justiça, da paz, do amor, da vida abundante, venha a nós, estamos a caminho do inferno.


Neste país, é nossa responsabilidade como comunidade, é nossa responsabilidade como Igreja tornar o pão “nosso”, fazer o pão chegar ao destino, à mesa dos filhos para os quais foi doado pelo Pai.


Diante da realidade cruel que vivenciamos, e na presença de Deus que tudo sabe e vê, precisamos de arrependimento. A transformação dessa realidade requer nossa ação concreta, pois somos cristãos. É hora de atendermos a súplica de Deus. “Reparte com o faminto o teu pão”. (Is 58.7). Não podemos só permanecer na diaconia imediatista e assistencialista a exemplo da “dona Maria”.


Como Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil temos que assumir nossa responsabilidade social, testemunhar nossa fé e vivenciar que o pão é nosso a cada dia.

 

a prece é diária

Em nossa súplica ao Pai pedimos pelo pão nosso de cada dia. Desde os primeiros tempos da cristandade pairam dúvidas sobre a interpretação correta do termo original, que é “epiousios”. Somente no texto do Pai Nosso em Mateus e Lucas esta palavra é usada, sem ter paralelos em outros textos do mundo grego. Dependendo da tradução, há a possibilidade de entender o “epiousios” como:

1º) o pão para o dia de agora, o cotidiano, o pão necessário de cada dia, o indispensável para a existência;

2º) o pão nosso de amanhã, do futuro;

3º) o pão essencial, necessário à vida.


Na primeira e terceira interpretação pedimos pelo pão necessário à subsistência diária; na segunda, suplicamos que já agora Deus nos dê o pão futuro do Reino, o alimento que dá a vida eterna.


Quando pedimos pelo pão nosso de cada dia, sem dúvida, primeiro pensamos naquilo que nos é necessário para subsistirmos hoje. Pedimos, portanto, pelo pão material. Mas, sendo Jesus o Pão da Vida, também necessitamos desse alimento para vivermos. Com Jesus a satisfação, a alegria, a fartura futura do Reino de Deus já irrompe no presente. Se, portanto, também suplicamos pelo pão espiritual estamos enriquecendo a nossa oração, cientes de que não é só de pão que vive o homem. Se no Pai Nosso também oramos “venha o teu reino assim na terra como no céu”, permanece a abertura de pedirmos esse pão para hoje, bem como, no sentido escatológico, do pão como um antecipação do Reino.


Em nossa prece, a princípio, pedimos o necessário para cada dia. Se pedimos para hoje, significa que amanhã temos que dirigir nova prece a Deus. A súplica deve ser renovada diariamente.


Referindo-se a história do maná no deserto, alunos perguntam ao Rabí: Por quê o maná não era dado, anualmente, de uma só vez aos israelitas? Ele lhes responde numa parábola, dizendo: Um Rei decidiu dar de uma só vez todo o alimento que o filho necessitava para um ano. Consequentemente, este filho só agradecia ao Pai uma vez por ano no sustento, e isto, na ocasião em que lhe era dado. Aí o Pai mudou de tática e estipulou que o filho diariamente recebesse a sua porção. Resultado: o filho diariamente passou a agradecer ao Pai pelo que recebia. Ai o Rabí esclarece aos alunos e diz: Deus só dava a porção diária aos israelitas, afim de que diariamente lhe fosse dirigida nova súplica (G. Voigt. p. 313, “Die Lebendigen Steine”, 1ªed., Göttingen, 1983). Esta parábola também elucida nossa petição. A nossa dependência de Deus é tão grande, que diariamente temos que nos dirigir a Ele e pedir. E, assim, como o pedido, também o agradecimento deve ser diário.


Se pedimos pelo pão de cada dia, como fica o amanhã e o depois? Quanto ao amanhã nos é dito: “não vos inquietais dizendo: Que comeremos? Que beberemos? ou: Com que nos vestiremos? ... não vos inquieteis com o dia de amanhã. Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça e todas essas cousas vos serão acrescentadas (Mt 6.31ss). Jesus quer livrar os seus desta preocupação quanto ao amanhã, dando-lhes a certeza do cuidado do Pai. Sim, Deus dá aos seus até enquanto dormem (Sl 127.2). Não obstante, também o amanhã e o depois carecem de nova prece e de nova confiança do Deus Criador e Doador.


Quem no hoje quer garantir o amanhã, quem hoje acumula o seu montinho teme o amanhã, não confia na prece orada, não confia que: “Deus nos deu, Deus nos dará, o pão de cada dia não faltará” (oração de mesa cantada).

 

nossa responsabilidade: tornar o pão nosso

Se Deus dá todo o necessário à humanidade, qual é a razão da fome e da miséria no mundo? Há pessoas que querem garantir o seu futuro no hoje. E, quem garante o seu futuro no presente, só o consegue às custas do sacrifício, da privação e da vida de outros. Há pessoas cujo objetivo na vida é encher seus “celeiros” na esperança de poderem dizer a si: “Tens em depósito muitos bens para muitos anos, descansa, come e bebe e regala-te”. (Lc 12.19). Sim, por causa destes “loucos”, milhões passam fome e milhares morrem. Oramos pelo pão nosso, mas cada qual só defende o seu, luta pelo seu pão e apossa-se injustamente do pão, da força, da moradia, da terra e da vida alheia. Esta ganância cega os olhos, esfria o amor, provoca mortes... Esta nossa realidade envergonha a todos que oram: o pão nosso de cada dia nos dá hoje. É nesta petição do Pai Nosso que a cristandade mais peca. O nosso pecado consiste em nos omitirmos da responsabilidade de tornar o pão nosso. Cada morte maltrapilha nos acusa de que nosso armário de pão está trancado.


Num país com tanta concentração de renda, de tantas riquezas naturais, de recordes em colheita de cereais, é hora de nós atendermos a súplica de Deus dirigida a nós: “Reparte com o faminto o teu pão” (Is 58.7). É hora de arrependimento, de tomarmos a atitude de Zaqueu, de devolver o que fraudamos (Lc 19.1ss). É hora de ação, de abrirmos os nossos “celeiros”, a fim de que todos tenham acesso ao pão, à educação, a emprego, salário digno, moradia, sob pena de sermos condenados e perdermos o banquete no Reino de Deus. Sim, é tempo de deixar a tolice, a loucura, e de nos tornarmos sábios, de abrirmos a mão de falsas garantias que acumulamos na ilusão de assegurarmo-nos um bom futuro.


Não precisamos mais garantir o nosso futuro, Deus o garante. Esta súplica do pão nosso nos livra da preocupação pelo amanhã. Jesus mesmo enfatizou dizendo: não andeis ansiosos quanto ao que haveis de comer e vestir (Mt 6.25ss), reiterando a nossa grande estima e valia diante de Deus que providencia o nosso sustento. Diante disto, não temos motivo de querermos garantir no hoje o nosso amanhã. A graça de Deus nos liberta da ganância, da auto-justificação, nos liberta para repartirmos.


A graça de Deus nos liberta para partilharmos, para vivermos em comunhão. Partilha e comunhão eram características fundamentais da vida comunitária dos primeiros cristãos (At 2.42ss). Em nossas comunidades partilha e comunhão ainda são características que distinguem a marca dos cristãos? Ou, perdemos esta qualidade. No partir o pão, o ressurreto foi reconhecido pelos discípulos de Emaús (Lc 24.13ss). É neste gesto de partilha e comunhão que os verdadeiros cristãos são reconhecidos ainda hoje.


Em nossa Igreja reina a mentalidade da conquista, “isso eu consegui com o meu suor”. Quem pensa assim, se considera dono absoluto das coisas e não está predisposto a partilhar. Precisamos reaprender que somos mendigos, que diariamente batem à porta de Deus-Pai pedindo que supra suas necessidades. Nada conquistamos apenas com nossas próprias forças e esforços, tudo é dádiva de Deus, que deve ser recebido com ações de graças. Somente esta gratidão nos faz olhar para cima e para os lados, ver no outro o irmão e nos faz abrir a mão.


O pão não deveria se tornar “nosso” às custas de armas na mão, de legalismo ou à base de boa ação, mas consequência de nossa gratidão a Deus. Quem dá graças a Deus pelo que recebeu, está disposto a repartir. Jesus, “tendo dado graças”, partia e distribuía o pão (1Co 11.24; Lc 22.19; Jo 6.11). Quem dá graças recebe o pão como dádiva do criador. Quem entende que ganhou o pão com o seu suor ou o comprou se considera dono dele e não vê motivo para partilhá-lo.


A prece do Pão Nosso nos desafia à comunhão. Ela nos tira do isolamento e nos coloca ante as necessidades alheias. A petição do Pai Nosso é dirigida a Deus, mas inclui nossa responsabilidade de tornarmos o “pão” nosso, isto é, acessível a todos. Em nosso mundo o pão não é mais fator de comunhão, mas de opressão, não de união, mas de escravização, em que os donos das riquezas e do poder fazem do pão uma arma através da qual manobram suas conquistas e vitórias. Nós cristãos, também somos acusados de termos transformado esta dádiva divina – o pão – em arma de opressão e matança. Diante desta crueldade temos um grito a dar: Pai Nosso, livra-nos do mal!; um pedido veemente a fazer: Pai Nosso, não nos deixes cair em tentação!, e um compromisso a assumir: Tornar o pão nosso.


Mariane Beyer Ehrat
Pastora Sinodal Sínodo Vale do Itajaí

 

 


 


Âmbito: IECLB / Sinodo: Vale do Itajaí
Natureza do Texto: Artigo
ID: 10184

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