Em dezembro, de forma inesperada, faleceu minha mãe, deitada ao meu lado num quarto de emergência de um hospital. Eu estava dormindo e acordei com a respiração ruidosa dela. Inspiração...expiração...inspiração...expiração...e, de repente, ... silêncio extenso demais. Ela não voltou a inspirar. Levantei-me com pressa para verificar. E o que vi? Aquele rosto tão familiar, profundamente adormecido, quieto, sem movimento algum. Peguei sua mão, estendida para fora do leito por causa do soro aplicado no seu braço, e ... nada. Invadiu meu ser um respeito tão imenso, como se eu estivesse em solo sagrado: minha mãe, uma serva de Deus, meu amor, entregara ali, o sopro de vida que ela recebeu, graciosamente, de Deus há mais de 70 anos atrás. Olhei aquele rosto inerte e tão sereno, tão tranquilo, tão bem! Não havia nenhuma ruga em seu rosto que acusasse dor, ou choro, ou aflição. Nada! O rosto dela era de pura entrega! Entrega e descanso.
Minha mãe estava sofrendo há muitos anos sob grave doença cardíaca. Sofria tb com outros problemas de saúde: diverticulite, depressão, falta completa de apetite, dificuldade para adormecer,...
Minha mãe foi uma pessoa de muita fé! Desde muito jovem, quando servia na casa do pastor Lindolfo Weingärtner, decidira viver em favor da construção do Reino de Deus. Era uma pessoa que orava muito, lia a palavra, servia em trabalhos nas comunidades e inspirou muitas pessoas à fé e à fidelidade a Deus. Foi assim que também nos criou, nos educou, juntamente com nosso pai.
Entretanto - e tenho pensado muito sobre isso ultimamente -, em toda sua vida, ela não foi poupada do sofrimento. Como humanos, não estamos apenas sujeitos à força da gravidade, aos instintos da fome, da sede, da necessidade de sermos amados, desejados, ... Como seres vivos, estamos sujeitos ao sofrimento. Tenho concluído que sofrer é nossa sina!
Tambem minha mãe angustiou-se em tempos de distância dos filhos, viveu o estresse da falta de dinheiro, sofreu por preocupação pelos relacionamentos que firmávamos (genros, noras que escolhíamos), sofreu por doenças desconhecidas que atingiam seus filhos e seu esposo, sofria com os temores que a vida lhe trazia, inclusive o temao diante do tipo de morte que a esperava.
O sofrimento faz parte da vida que desembrulhamos a cada novo dia. E assim será até nosso último suspiro. Não importa nossa condição econômica. Não importa nossa formação familiar, acadêmica, religiosa. Não importa nossa etnia, nossa profissão, ou o lugar em que moramos neste planeta.
Jesus o disse em sábias palavras quando já estava preparando seus discípulos para sua morte: No mundo passais por aflições. Mas tende bom ânimo: eu venci o mundo. Jo 14
A morte é o último dos sofrimentos que vamos enfrentar. Bem-aventurada foi minha mãe que nem a viu chegar: entregara-se ao sono, ao descanso, e nem percebeu que faleceu. Não sabemos como será nossa hora. Mas podemos nos alegrar que Jesus venceu todos os sofrimentos e todas as aflições que a vida humana e terrena impõe tb a nós.
A vitória a que Jesus se referia, acima de todas que ele teve em sua vida, é a vitória sobre a morte.
Assim como Jesus percorreu antes de nós este mundo, e sofreu as aflições deste mundo; assim como ele percorreu antes de nós os lugares da morte, ele andou por um caminho que tb está prometido a nós: o caminho da ressurreição! Este caminho ainda nos é estranho, desconhecido. Mas ele nos está prometido!
Amadas e amados no Senhor! A morte da minha mãe tem me ensinado, dia após dia, novas perspectivas. É algo muito recente, parece ter ocorrido há pouco, agorinha. A vitória de Cristo sobre a morte que, a partir da Vigília Pascal, anunciamos, festejamos e celebramos, é a razão de podermos deixar de lado nosso medo. Não temais! Eu venci o mundo! Deus não poupou nem seu amado e único Filho do sofrimento! O sofrimento, com certeza, aprimorou o homem-Jesus e o fez entender profundamente a condição humana. Jesus conheceu o sofrimento da decepção por pessoas que o traíram e o negaram, Jesus conheceu o sofrimento da fome e da sede; Jesus conheceu o sofrimento da espera, da vigília noturna angustiante, do pavor diante do que está por acontecer. Jesus conheceu o sofrimento que advém da arrogância de pessoas que deveriam ser as primeiras a entendê-lo e apoiá-lo; Jesus conheceu o sofrimento do temer pelos que amou. E, não por último, Jesus conheceu o sofrimento da entrega do sopro de vida. Sim, porque morrer é isto: devolver o sopro de vida que nos foi dado por Deus!
Mas ele venceu! Deus o ressuscitou dentre os mortos! E este é o caminho que ele iniciou e pelo qual também andaremos.
Sigamos pela nossa vida com confiança e entrega! Feliz boa-nova: Jesus venceu a morte! Ele está livre do sofrimento, e promete esta liberdade aos que o amam e servem!