Na calçada em frente a minha casa há várias árvores. Mas uma delas é diferente, e se destaca das outras. É que no seu tronco, junto ao chão, há uma grande cicatriz, a casca foi arrancada, o tronco exposto. Dois anos atrás um jovem rapaz bateu de moto contra essa árvore e ali pereceu. O forte impacto da batida levou a vida do rapaz, e deixou exposta uma cicatriz nessa árvore.
Várias vezes observo essa cicatriz exposta no tronco da árvore. Ela não saiu com o tempo. Penso na família desse jovem, e em cada pessoa que tem cicatrizes no coração: perdas pessoais, sofrimentos enfrentados, acidentes ou enfermidades que deixaram suas marcas, desentendimentos na família, no trabalho ou na Comunidade cristã.
Entendo que as cicatrizes permanecem. Não precisamos nos sentir culpados ou culpadas por elas. Há situações na vida que deixam mesmo marcas na memória e no coração. Há pessoas que só enxergam as cicatrizes que ficaram em suas vidas. Estão permanentemente tristes e amarguradas. Parece que seu corpo todo é a cicatriz. Parece que o tempo parou naquele acontecimento que provocou a cicatriz. Não há palavras que as consolem, e nem motivação para prosseguir a jornada da vida.
Eu olho de novo para a árvore, aquela árvore que tem, sim, uma cicatriz. Ela sofreu um forte e brutal impacto enquanto ainda era jovem. Podia ter morrido. Podia ter parado de crescer. Ali morreu um jovem! Mas... olho para cima, para a copa da árvore. Ela se abre em galhos generosos e cheios de folhas, vejo um ninho de passarinho, amorosamente protegido entre seus galhos. Vejo insetos subindo e descendo pelo tronco, e uma borboleta acabou de pousar por ali. Sim, apesar da cicatriz exposta, a árvore continua generosamente viva, amparando o meio em que está inserida, oferecendo sombra a quem passa, e abrigo aos pequenos seres que fazem parte de sua Comunidade.
Deus é sábio ao nos oferecer essa parábola. Deus vê as nossas cicatrizes, Ele as sabe. Mas ao mesmo tempo, Deus continua nos fortalecendo para a vida que continua, para aprendermos a força de sobreviver apesar das dores sofridas e ainda assim, estender os braços generosa e amorosamente para amparar, proteger, apoiar, levar esperança a quem participa da nossa comunidade, desde nossa família mais próxima, até a grande comunidade global, onde ainda podemos oferecer o nosso apoio solidário. Que assim seja!
Paz e bem!
Pastora Carla Andrea Grossmann
Paróquia de Coronel Barros
Foto do arquivo pessoal de Raquel Sofia Seidel