Um exemplo de mensagem através da Arte
Ao final de julho de 2001, escrevi o artigo que aqui reapresento, interpretando esta magnífica obra de Rembrandt. Na oportunidade não me dava conta de que aquela simples matéria viria a se transformar numa palestra com 35 transparências e cinco blocos (momentos): Chegada (com encenação); Vida de Rembrandt; Intervalo com cafezinho e quatro perguntas para os participantes debaterem entre si sobre a Parábola; A Parábola, sua interpretação frente a detalhes da Obra; e finalmente uma Mesa debatedora com quatro integrantes (pedagogo, médico, jurista, artista) e o moderador (eu). Sua primeira edição em salão da Luterana Petrópolis, acolheu 150 pessoas e 3 horas de duração (sem cansaço); seguido da segunda edição na Comunidade Sta. Clara (franciscanos) com 200 pessoas e 3 horas; e daí já estamos na oitava edição... Uma Bênção de Deus. A partir da interpretação desta Obra de Arte (sua releitura), posso transmitir a Parábola enriquecida de muita expressão de fé e também de informações fundamentadas que levam os espectadores a enxergar melhor uma Obra e uma Parábola (mesmo que desprovido de conhecimentos mais profundos).No contexto da palestra, inseri toda uma apresentação litúrgica, isto mesmo, começando com invocação da Sta Trindade, cânticos e orações. Os depoimentos de quem a assistiu vão no sentido de plena satisfação quanto à mensagem evangelística bem como enriquecimento cultural, e dizem: Passamos a aprender como 'enxergar' uma obra e melhor entender as parábolas de Jesus...Como é belo!
Desejo compartilhar o texto original a partir do qual fiz o desdobramento da palestra... Boa reflexão.
O filho pródigo (Rembrand Van Rijn 1606-1669)
O Barroco foi um período marcado pelo realismo e pintura clássica, em que valiam principalmente as mensagens, contos ou cenas bíblicas, que o Artista retratava em sua obra.
Rembrandt foi um destes grandes Mestres que detinha a qualidade ímpar de produzir com muita força e sentimento, a expressão, e o realismo tão importantes da época. Seus auto-retratos, quer como jovem, notadamente visto como pessoa decisiva, extrovertida e ansiosa por liberdade, ou já em idade avançada, onde se vê claramente em suas feições, além da serenidade, um profundo olhar de amargura, ressentimento, dor e vida sofrida.
A tempos atrás, li o livro, A volta do filho pródigo (Pe. Henri J.M. Nouven / Vozes). Esta preciosa obra literária, é uma interpretação de grande conteúdo religioso e humano, sobre a obra de mesmo nome, pintado por Rembrandt. A volta do filho pródigo é realmente impressionante. O conteúdo narrativo desta parábola bíblica descrita em Lucas 15, 11-32, conta o episódio de dois filhos e seu pai. O mais jovem exige e apossa-se de suas heranças, vai ao mundo, ao submundo, até à miséria total... e retorna aos braços do pai. Conquanto o filho mais velho, fica junto de seu pai, fiel, trabalhador, cumpridor de seus deveres, vida correta e digna. O pai, senhor de muitas posses, ponderado em decisões sábias, acolhe o filho perdido com grande amor, e ao mesmo tempo sabe conduzir com carinho a revolta do filho mais velho, diante de sua indignação quanto a acolhida dada ao irmão mais moço. Este livro do Padre Henri, assim como a própria narrativa de Lucas na Bíblia, ficam impressionantemente claros quando se pode contemplar a obra de Rembrandt. Em especial se vamos não só ver a obra como um todo, mas começamos interpretá-la do ponto de vista de seu Autor e cada detalhe que ele sabiamente, à luz da narrativa, insere em suas geniais pinceladas. A expressão facial do pai acolhedor, madura e carinhosa; suas duas mão (veja atentamente) sendo a mão esquerda máscula, decidida, forte, amparadora, sustentadora, enquanto a mão direita é delicada, fina e leve, como a mão de uma mãe, consoladora, carinhosa, meiga... O manto exuberante do pai é pintado de vermelho demonstrando sua riqueza. Contudo sua forma sugere acolhimento, proteção, aquietação.
O filho pródigo diante deste pai firme, sereno e acolhedor prostra-se ajoelhado, com o pé esquerdo descalço, demonstrando a mais desprezada situação que um ser pode chegar. Roupas sujas, face escondida, humilhação...
Não obstante à sua desgraça, consegue ainda forças para achegar-se ao pai e pedir perdão e reconciliação, mesmo que para isto não fosse mais tratado como filho, bastado ser acolhido como serviçal, escravo, pois mesmo nesta condição estaria mais bem situado do que anteriormente. Mas o pai soberano e ciente de seus atos o recebe como filho.
Seu irmão mais velho, no entanto, representado no quadro como observador distante, sente-se injustiçado diante desta acolhida, pois em toda a sua vida foi fiel e dedicado ao pai, incondicionalmente. Revolta-se com toda esta situação discute com o pai, com seus serviçais, enfim, está desgostoso pelo muito que tem feito, e pouco reconhecido.
Uma situação familiar que realmente é muito comum também em nossos tempos. Não sabemos muitas vezes quem somos nós mesmos: o filho pródigo ou o irmão mais velho? Ou seríamos o pai que perdoa a ambos, acreditando com toda sua sabedoria, que de um lado, o arrependimento está em questão, assim como a reconsideração está no outro extremo? Ou ainda como os outros figurantes... meros espectadores?
Forças, expressões, riqueza de detalhes, perfeita harmonia das cores, posições e gestos, texturas, composição, expressões faciais indiscutivelmente marcantes e reconhecidas... Tudo isto, e muito mais, é identificado nesta obra magnífica de Rembrandt interpretando Lucas 15.
Tudo isto, e muito mais, nos é trazido através desta obra e da narrativa, para mostrar-nos a grandiosidade do perdão do Pai, e principalmente nos leva a uma reflexão ímpar, do espaço que nós estamos ocupando neste cenário, que não mudou nada, mesmo agora no início do novo milênio... Quer sejamos o filho pródigo, o mais velho, o pai, ou um dos espectadores presentes na obra da vida, estamos vivendo as oportunidades diárias do reconhecimento, do perdão, da sabedoria no discernimento, do amor sereno, da comunhão, mesmo diante das atrocidades da vida, mesmo diante das injustiças que como humanos cometemos, somos vitimados ou não compreendemos.
O Belo está ao nosso redor, basta querer enxergá-lo (W.L.Berner / 29 julho 2001)
Apreciemos a contribuição da nossa colega Cecília Vertamatti:
É, para nós, imprevisível o momento em que Deus usa as circunstâncias para nossa conversão e nosso aprimoramento. Também a arte é uma dessas imprevisíveis janelas por onde a Luz dEle entra. Impossível afirmar que ninguém é evangelizado ou convertido pelos efeitos de uma obra, talvez surpreendentes ao próprio autor. A salvação é oferecida a todo coração aberto; muitas vezes ao coração distraído, diante de uma obra de arte que o surpreende desarmado. Creio que, nessa fase do debate, saberemos de pequenos e muitos exemplos de efeitos, nem sempre intencionais, da obra artística na retomada do Caminho para algumas pessoas. Aos olhos ou ouvidos de cada um vibram diferentemente os tons. Até mesmo a Pietá pode evocar outros gestos evangelísticos de Maria. Posso captar, na figura que entrega, a cumprida missão de cuidar da criança (envolta em outros mantos), de acompanhar as mudanças do menino (que ficou no templo entre doutores), de incentivar atuações (como nas bodas de Caná), de estar presente (no Calvário ou entre os discípulos). Saí da frente da Pietá, na minha vez, querendo ser melhor mãe e refletindo sobre a importância de oferecer o colo até o fim. Esperava por isso?.. Não. Mas pode acontecer. Até breve; agradecidíssima.Cecília.
Sim, uma bela reflexão que nos relembra o Magnificat, o cântico de Maria (Lc 1,46-56), já anteriormente citado, e que serviu de Tese de Lutero. Pessoalmente este tema me fez compor mais uma palestra cúltica:
MAGNÍFICAT - O louvor de Maria e a Santíssima Trindade com inserção de Obras de arte e fotos desde o Século XII até o XXI caminhando já para a sexta edição. Mais uma vez sinto a mão de Deus agindo através das Artes. Nesta Palestra além das obras interpretadas (desde Gênesis), como disse, há todo um contexto litúrgico, portanto cúltico com muito canto e louvor, conquanto os presentes estão o tempo todo inseridos na palestra (e se localizando como pessoa nas cenas).
Muito se pode aproveitar a partir das Artes e suas diversas vertentes, basta que oremos para que Deus nos utilize como seus servidores. Numa frase digo:
Não vim para servir, nem para ser servido. Aqui estou para ser instrumento nas mãos de Deus.
Esta frase nos servirá de âncora para a próxima reflexão.
- Quarta reflexão - Arte sacra na expressão corporal
- Quinta reflexão - Um exemplo de mensagem através da arte
- Sexta reflexão - A Arte a serviço de quem ou de que?
- Sétima reflexão - Profano ou santo?