Sem dúvida alguma este é um tema merecedor de redobrada atenção, por vez que é para o cristão o mais significativo Sacramento e porque não dizer, o tema central te nossa reflexão.
Que Deus assim nos oriente.
No contexto das Artes plásticas, encontramos muitas interpretações desta Ceia. Destaca-se contudo de longe esta obra de Leonardo da Vinci, que certamente vem apresentando para a humanidade ao longo dos séculos a visão artística daquele momento único na vida do Senhor. Seria esta uma obra sacra ou religiosa? Estudando a vida deste grande gênio, que foi Leonardo, não podemos considerar esta obra, enquanto obra de arte uma execução propriamente sacra, mas tão somente uma encomenda de um trabalho com tema religioso. Todavia sem levar em conta as questões históricas e técnicas, ou até especulativas que encerram alto teor apelativo e totalmente apócrifo, da elaboração desta pintura, há de se considerar sua sacralidade enquanto tema e o quanto ela mobiliza milhares de pessoas para contemplá-la. Certamente isto daria uma reflexão extensa, se observarmos que uma parte dos espectadores vai ver a obra do grande gênio Leonardo da Vinci, enquanto outro grupo de admiradores vai refletir o verdadeiro significado da Ceia do Senhor. Ver a obra de Leonardo, ou refletir o vero sentido deste ato Santo?
Seja como for, esta obra tem inspirado a muitos para as mais diferentes releituras plásticas, esculturais, teatrais e também musicais.
De certa feita, conta a estória, ou como queiram, a lenda, que Leonardo ao projetar esta Obra, precisava de um modelo ideal que irradiasse o bem para o rosto de Jesus, e de um modelo que expressasse o mal para a figura de Judas. Ao assistir um Coral, encontrou a primeira face desejada num coralista jovem cheio de esperança e fé, que de pronto aceitou posar para Leonardo. A obra estava quase pronta, mas, faltava a outra face. O Cardeal que encomendara a obra começou a exigir sua finalização. Leonardo passou muito tempo à procura de seu modelo, quando inesperadamente encontrou nos becos, um jovem precocemente envelhecido pelas andanças da vida, mendigo, embriagado e cambaleante. Havia encontrado seu modelo ideal. Aquela pessoa (trapo da vida) aceitou o convite e após ter posado durante horas, já meio refeito de sua embriaguez, viu a pintura, e exclamou: -Já vi esta obra antes. Ao que Leonardo, admirado questionou: -Como, onde? O jovem de pronto, respondeu: -Vê aquele Senhor sereno? (apontando para Jesus) Sou eu quem posou, quando era ainda um sonhador e coralista... Os tempos mudaram... As amarguras da vida e minha descrença me transformaram. Hoje sou o outro.(Releitura própria).
Pois é, esta é uma estória igualmente interpretada de várias maneiras, sua originalidade e seu autor, não o sabemos, mas é uma bela interpretação do que esta obra pode nos despertar, tal como a Ceia do Senhor, nos adverte e admoesta quando a aceitamos em plenitude de Fé, ou apenas como tradição, hábito, ou rito folclórico.
No culto de 10 de outubro de 2004, o Pastor Telmo Emmerich, servindo na Comunidade de Petrópolis, proferiu a prédica por demais esclarecedora que com sua devida autorização, anexo integralmente a esta reflexão:
Prédica sobre a Ceia do Senhor
1 Coríntios 11.17-34
Queridos irmãos:
Nós estamos praticando uma nova forma de celebrar a Ceia, que é o mergulhar a hóstia no Cálice. Depois quero falar brevemente sobre isso. Essa prática já comum em algumas comunidades luteranas nos dá a possibilidade de fazer uma reflexão sobre a Ceia do Senhor. É muito mais importante nós sabermos o que realmente é a Ceia do Senhor do que a forma em si que nós a celebramos.
Eu vou utilizar para a prédica dessa manhã reflexões de Lutero a respeito do assunto, pois, sem dúvida, é a partir da interpretação que ele faz da Ceia que nós, evangélicos de confissão luterana, nos baseamos.
Inicialmente nós deveríamos relembrar um pouco algumas coisas do nosso Catecismo, onde Lutero nos explica de forma tão clara a respeito da Santa Ceia. Perguntado sobre o que é a Ceia do Senhor, ele responde: É o verdadeiro corpo e sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, sob o pão e o vinho, dado a nós cristãos para comer e beber, instituído pelo próprio Cristo. Ora, isso é básico para a nossa compreensão. Ou seja, na Santa Ceia, o próprio Cristo está presente no pão e no vinho. Esses elementos, na verdade, não deixam de ser pão e vinho, mas Cristo está presente neles, de forma que quando comemos o pão e bebemos do cálice, não estamos comendo apenas o pão e bebendo o vinho, mas estamos comendo também o próprio corpo de Cristo e bebendo o seu sangue.
É, na verdade, um mistério. Nós não cremos que apenas simboliza o corpo e sangue de Cristo. Mas cremos que Jesus está ali, presente no pão e no vinho, no nosso caso, no suco. Jesus, na Ceia, não diz: Isso representa meu corpo e sangue. Mas diz: Isto é o meu corpo, isto é o meu sangue. Repito: Os elementos não deixam de ser pão e vinho, ou suco. Contudo, cremos que Jesus está ali, presente.
É importante a gente ter essa consciência. A Santa Ceia não é apenas uma refeição. Não é apenas um pedaço de pão e um pouquinho de vinho. Não é algo comum. Mas é o corpo e o sangue de Cristo sob o pão e o vinho. Repito: Ele mesmo diz: Isto é o meu corpo, isto é o meu sangue. Sabendo disso, não devemos ir à mesa do Senhor como quem vai a uma mesa comum. Nós vamos receber na Ceia a Cristo Jesus no pão e no vinho. Não deveríamos vir também com o semblante fechado, mas com alegria e respeito, pois sabemos o que (Quem) estamos recebendo.
Talvez deveríamos nos perguntar: Por que devo ir à Santa Ceia? Qual é o proveito de comer e beber a Ceia do Senhor? Lutero continua explicando e nos ajudando na reflexão. Ele diz que no sacramento nós recebemos: ... remissão dos pecados, vida e salvação. Pois onde há remissão dos pecados, há também vida e salvação.
O proveito é que na Ceia recebemos o perdão dos nossos pecados, pois nela recebemos o corpo e sangue de Cristo que foi dado e derramado em nosso favor. A Bíblia nos explica, em Hebreus (9.22), que só há remissão, perdão de pecados, mediante o derramamento de sangue. E nós temos esse perdão porque Cristo derramou o seu sangue na cruz por nós. Concluímos, portanto, que ao recebermos o sangue de Cristo na Ceia, estamos recebendo também o seu perdão. Estamos recebendo a Sua purificação de uma forma bem concreta. E todos que crêem podem participar!
Quem vem à Ceia do Senhor com fé recebe, como explica Lutero, vida. Diria, recebe a vida nova, a vida transformada. A vida que vem do próprio Cristo.
Quem vem à Ceia do Senhor, está recebendo de forma bem concreta o próprio Jesus. E este Jesus vem para lhe trazer perdão de pecados. Ele vem trazer paz. Ele vem trazer a vida abundante, como Ele mesmo diz em João 10.10: Eu vim para que tenham vida, e vida em abundância..
Quem crê desta forma, está recebendo o Cristo vivo. Está recebendo o próprio Deus com todas as Suas bênçãos, o Seu amor, a Sua bondade. Está recebendo a vida para o seu corpo fragilizado, para a sua alma cansada. Está recebendo a força que vem do Eterno Deus.
Ir à Ceia do Senhor é um privilégio inigualável, pois ali, estou recebendo o próprio Jesus na minha vida.
A pergunta que podemos fazer é, mas quem recebe dignamente esse sacramento? Lutero diz: ... verdadeiramente digno e bem preparado é aquele que tem fé nessas palavras: 'Dado em favor de vós' e 'derramado para remissão dos pecados'. Aquele, porém, que não crê nessas palavras ou delas duvida, é indigno e não está preparado, pois as palavras 'por vós' exigem corações verdadeiramente crentes.
Ou seja, aquela pessoa que vem à Ceia e crê que está recebendo a Cristo sob o pão e o vinho, que está recebendo o perdão dos seus pecados, vida nova e salvação, é digno de receber o sacramento. Ela recebe de forma digna a Ceia do Senhor.
Agora, quem não crê, não é digno. Não recebe o perdão, mas como diz Paulo, em 1Coríntios 11, recebe condenação.
Outra pergunta que poderíamos fazer é: O sacramento deixa de ser corpo e sangue de Cristo se eu não creio? Ela não se torna uma refeição comum? Não. Isso não depende da minha fé. O que faz do pão e do vinho um sacramento são as palavras de Jesus. Não depende de que eu creia nisso ou não. Não é a minha fé que faz do pão e do vinho o sacramento, mas as palavras do próprio Cristo unido ao pão e ao vinho é que o fazem sacramento.
Portanto, se um descrente participa da Ceia, ele está recebendo na Ceia não só pão e vinho, mas recebe sob o pão e o vinho o corpo e o sangue de Cristo. E o recebe, no caso, para a sua condenação. E isso é bom destacar: Quem participa da Ceia do Senhor pensando que está recebendo uma refeição comum, não crendo, este recebe a condenação.
Sobre a Ceia, eu gostaria de entrar num outro assunto. Algo que certamente deixa Deus profundamente entristecido, irmãos, é o fato de que há pessoas que passam muito tempo ser ir à Ceia do Senhor. Lutero diz que não é certo quem segue por um, dois, três anos ou mais sem sacramento, como se fossem cristãos de vigor tamanho, que dele não precisassem.
E continua dizendo o seguinte: Quando, não havendo impedimento, se deixa passar longo tempo sem, contudo, nunca desejar a ceia, é isso que chamo desprezar.
Irmãos, muita gente vem à Ceia do Senhor poucas vezes. Será que podemos passar tanto tempo sem ir à Ceia do Senhor? Lutero diz que quem faz isso está desprezando. Mas desprezando a quem? Ora, ao próprio Cristo. E, irmãos, nós não somos assim tão fortes na fé que não precisemos da Ceia do Senhor.
Será que não esfriamos na fé quando do sacramento não nos aproximamos? Lutero diz: Sem dúvida é verdade, como eu o experimentei nitidamente em meu próprio caso, e como cada qual verá em seu caso: quando nos privamos assim do sacramento, dia a dia nos tornamos mais insensíveis e frios, acabando por desprezá-lo de todo. Penso que essa é uma das razões do porque do esfriamento na fé. Deixar de ir à Ceia do Senhor, onde o próprio Cristo se oferece a nós, é motivo de esfriamento. Será que eu posso pensar que me distanciando da Ceia ainda conseguirei ser cristão? Será que não percebo que na Ceia recebo o próprio Cristo? E, como conseqüência, recebo perdão de pecados, vida nova, salvação e fortalecimento na fé?
Despreza a Cristo quem não vem à Ceia, pois é Ele quem convida!
Não dá para ser cristão sem Ceia do Senhor. A Ceia não foi instituída pela igreja, mas pelo próprio Cristo. E se Cristo a instituiu, é porque ela é necessária para a vida. Ela é importante. Não dá para deixar de ir à Mesa do Senhor. Isso não está certo.
Outras questões quanto à Ceia do Senhor também surgem, como: pode, alguém que se diz cristão, participar da Ceia e viver no dia a dia completamente distante do Senhor? É certa essa participação dele na Ceia?
Quero responder de novo junto com Lutero que nos diz: É certo que aqueles que desprezam o sacramento e vivem de maneira não-cristã o recebem para prejuízo e condenação. Pois para tais pessoas nada será bom e salutar, tão pouco para um enfermo que por capricho coma e beba o que o médico lhe proibiu. Aqueles, porém, que sentem sua fraqueza, e dela gostariam de ver-se livres, e desejam auxílio, cumpre-lhes que considerem e utilizem o sacramento unicamente como precioso antídoto contra o veneno que têm consigo. Pois aqui deves receber, no sacramento, perdão dos pecados da boca de Cristo, perdão que encerra em si e traz consigo a graça e o Espírito de Deus, juntamente com todos os seus dons, proteção, defesa e poder contra a morte e o diabo e toda desgraça.
Penso que a resposta está por demasiada clara. Quem quer participar da Ceia do Senhor e no dia a dia quer viver longe de Deus, esse recebe o sacramento para a sua própria condenação. A fé cristã não é para ser vivida apenas dentro da igreja, mas em todos os momentos e lugares.
Há pessoas que pensam e agem dessa forma. Acham que é certo vir à Ceia do Senhor, mas no dia a dia vivem como se nem fossem cristãos. São egoístas, mentirosos, arrogantes, trapaceiros, adúlteros, utilizam a língua para difamar o outro. Pensam exclusivamente em si mesmas... Mas não é cristão quem vem à Ceia e vive distante de Deus no dia a dia. A palavra pode ser dura, mas é verdadeira.
Alguém pode, ao ouvir a prédica hoje e pensar que, então, não é digno de receber a Ceia do Senhor, e, por isso, não vai participar da Ceia. Aqui pego novamente Lutero para nos explicar: nosso sacramento não se fundamenta em nossa dignidade, pois não nos batizamos como tais que sejam dignos e santos; nem nos confessamos como se fôssemos puros e sem pecado; mas, ao contrário, como pobres e míseros homens, e precisamente por sermos indignos. A menos que se trate de alguém que não deseja graça e absolvição e não tem a intenção de corrigir-se. Aquele, porém, que gostaria de alcançar graça e consolo, deve impelir a si mesmo e a ninguém permitir que o intimide.
Portanto, irmão, se você quer a graça de Deus, o perdão, a vida nova, a salvação, uma vida com Deus, você deve vir à Ceia. Não olhe para a sua dignidade. Se eu olhar para mim, para os meus atos, vou concluir que não sou digno de ir. Devo olhar, isso sim, para o meu coração, para a minha vontade de mudar de vida, para a minha vontade de receber perdão, para a minha vontade de receber o próprio Jesus em minha vida. Se essa for a minha motivação, então devo ir à Ceia do Senhor. Ele me recebe de braços abertos.
Penso que aquele que quer nos afastar do sacramento não é Deus, muito pelo contrário. É o próprio diabo quem nos afasta, pois não quer que recebamos a Cristo. Não quer que recebamos perdão. Não quer que tenhamos uma vida nova com Deus.
Quanto a celebrarmos a Ceia do Senhor imergindo o pão, a hóstia, no cálice com suco, isso realmente é simbólico. O gesto é simbólico. É gesto de comunhão, pois participamos todos do mesmo cálice. É claro que, o ideal, seria todos beberem do mesmo cálice. Mas sabemos dos problemas de saúde que isso pode gerar e até mesmo por uma questão de higiene. Quando é um grupo menor, não há tanto problema. Mas num grande grupo, devemos cuidar um pouco sobre isso.
Você não deixa de participar do sangue de Cristo. Você não está recebendo o sacramento pela metade. Você está colocando a hóstia dentro do cálice e ali recebendo o Senhor.
O cálice único é símbolo da nossa comunhão. Todos participamos do mesmo cálice. Isso é símbolo de comunhão com Cristo e com os demais irmãos.
Irmãos, ouvimos várias coisas a respeito da Santa Ceia. Talvez muitas dessas coisas já sabíamos. Mas é sempre bom relembrar, especialmente quando nós vamos celebrar a Ceia do Senhor. Eu diria para ti: Examina-te a ti mesmo, prezado irmão. Confesse seu pecado ao Senhor, seu distanciamento, as vezes que você andou conforme o seu coração e não de acordo com a vontade de Deus. Diga para Ele que queres uma vida nova, que queres perdão, que queres segui-lo não só agora, mas também no dia a dia.
Se você vem com essa intenção, então é bem-vindo. E eu quero dizer para ti que a Ceia é do Senhor. A Ceia não é da Igreja. E quem convida é o Senhor Jesus. Não é o pastor, não é o presbitério, mas o próprio Cristo. Por isso, irmão, independente de qual igreja sejas membro, se estás cansado e sobrecarregado, necessitando não só de perdão, mas também de novas forças, de uma vida nova e abundante, uma vida transformada, venha a Cristo, venha à Ceia. Se estás desanimado, entristecido, abatido, venha à Ceia do Senhor. Se estás carregado de pecados, mas desejas a graça, o perdão, venha à Ceia para receber o perdão dos teus pecados. Se deseja a paz do Senhor, a alegria dos céus, o amor, o dom supremo, venha para junto do Senhor. Ele te convida a se aproximar e receber das Suas mãos o que lhe falta na vida. Que Deus coloque essa palavra dessa manhã em seu coração. Que você venha à Ceia com alegria, por saber que o teu Deus te ama tanto que morreu na cruz em teu lugar, derramando precioso sangue. É esse sangue que recebes para a purificação dos teus pecados.
Amém.
...
(Jo 6, 32-35) Na verdade eu vos digo: não foi Moisés que vos deu o pão do céu. Meu Pai é que vos dá o verdadeiro pão do céu, pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo. Disseram-lhe então: Senhor, dá-nos sempre desse pão. Jesus respondeu: Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim já não terá fome, e quem crê em mim jamais terá sede.
HPD.II (José Santana): A mesa posta é dádiva de Deus, é vida nova para os filhos seus. Se o nosso corpo necessita o pão, o amor do Pai dá vida ao coração. Louvor a Deus por esta refeição e pelo bem de toda criação.
Nada mais cabe acrescentar, salvo a lembrança de que a expressão artística é por excelência um grande veículo de comunicação, e exatamente no âmbito eclesial, ou da manifestação dos temas bíblicos, pode trazer consigo uma interpretação prejudicada, até profana, e como disse, apócrifa.
Neste contexto, cabe relembrar vários momentos aqui refletidos:
Qual a Arte (nas plásticas, musicais, danças...) que queremos utilizar para expressar nosso verdadeiro louvor a Deus?
A Deus dai glória
- Quarta reflexão - Arte sacra na expressão corporal
- Quinta reflexão - Um exemplo de mensagem através da arte
- Sexta reflexão - A Arte a serviço de quem ou de que?
- Sétima reflexão - Profano ou santo?
- Oitava reflexão - Música, história e adoração
- Nona reflexão - A Ceia do Senhor (Prédica)