Igreja e Sociedade



ID: 2797

Uma cerimônia no Itamaraty que mantém viva a memória

16/12/2008

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No contexto da homenagem que tomou lugar no Itamaraty, dia 29 de abril, Dia do Diplomata, ao receber a Medalha da Ordem de Mérito do Rio Branco na presença do Senhor Presidente da República Federativa do Brasil, Lula da Silva, lembrei-me de maneira muito intensiva dos acontecimentos ocorridos nos dias 31 de marco e 1 de abril do ano de 1964 que marcaram pelo menos duas gerações de brasileiros. Pensei igualmente daquilo que ocorreu há 40 anos, o golpe dentro do golpe - a publicação do Ato Institucional No. 5, que tornou a “democratura” existente desde abril 1964 em severa ditadura. Nas minhas palestras proferidas na Unijuí-RS duas semanas após a honrosa condecoração em Brasília tive a oportunidade para apresentar uma retrospectiva aos 20 anos de ditadura neste país.

Durante meio século havia observado a história política deste país: de Getúlio a Costa e Silva em condições de convívio. Depois estive muitas vezes no país e conversei com personalidades importantes da vida pública, da política, da igreja, da cultura e da ciência. E lá fora eu convivia com muitos brasileiros desterrados - exilados, refugiados e banidos - banidos por tempo de vida!

Na minha função de diretor da Obra Ecumênica de Estudos, entidade criada pela Igreja Evangélica na Alemanha para apoiar jovens acadêmicos da África, Ásia e América Latina, logo tomei conhecimento das amarguras pelas quais haviam passados milhares de jovens acadêmicos durante as décadas de 60 e 70 pelo governo repressivo que se havia instalado no Brasil.

“O medo de ser jogado nos porões atormentava a gente de minha geração cada dia”, lembra-se um dos refugiados por nós acolhidos.

Foi este o panorama que nos anos de 70 me levou a apelar aos membros da Junta Diretiva da Obra Ecumênica: “Pode-se comparar a situação dos latino-americanos perseguidos com a situação dos Judeus no” Terceiro Reich “, que eram condenados de viver com o medo permanente de serem procurados o pela polícia, ou pela SS e serem transportados para um campo de concentração mortal. A Igreja não deve ignorar os acontecimentos nos países sul-americanos.”

Em 1974 recebemos - entre outros - um estudante da UnB, Lúcio Castelo Branco, seqüestrado, preso, torturado e posto em “liberdade”. Acolhemos este jovem acadêmico, já que ele não encontrou condições de segurança em termos de integridade física para seguir estudando no Brasil. O convidamos para absolver um curso de língua em Bochum, para depois de ter prestado o exame de proficiência no vernáculo e fazer o doutorado na universidade de Nürnberg/Erlangen. A história dele não preciso contar aqui. Encontra-se no tomo BRASIL: NUNCA MAIS apresentado pela Arquidiocese de São Paulo 1985 (pg. 207).

Outro brasiliense era o estudante de Sociologia João Carlos de Moura. Observei que nos anos de 1972 - 73 entre os refugiados brasileiros havia um elevado número de estudantes ou professores de Sociologia e de Filosofia, inclusive professores destacados como o saudoso professor gaúcho Gerd Bornheim. Obviamente os militares tentaram de erradicar a inteligência política.

Em 1973 - 74, no período pós-golpe-Chile, chegaram refugiados acadêmicos de destaque, como o exilado líder da UNE, José Serra, em 1973 membro do FLASCO, entidade das Nações Unidas em Santiago. Serra com sua família havia-se refugiado na Embaixada da Itália de outubro até maio. Já no mês de novembro ele estava em poder de uma carta minha que anunciava o nosso socorro. Com a Embaixada cercada por tropas golpistas apenas em maio de 1974 o refugiado conseguiu de sair do Chile. O recebia no aeroporto de Düsseldorf e logo fomos embora rumo ao campus da Obra Ecumênica em Bochum.

Logo depois do golpe de Pinochet chegou em Europa uma turma de brasileiros “banidos por tempo de vida”, sofrendo o segundo exilo, entre eles Marijane Vieira Lisboa, esposa do carismático presidente da UNE, Luis Travassos (que, recém retornado ao seu país perdeu a vida num acidente de trânsito em 1982), Samuel Arão Reis, estudante de Economia, com sua esposa Irene Reis Loewenstein e sua filhinha Tania. Os pais da Irena, judeus que em 1936 emigraram da Alemanha nazista rumo ao Brasil, onde 36 anos mais tarde a filha Irene ficou perseguida, refugiou-se no Chile e procurou finalmente socorro no país do qual seus pais se haviam salvados há uma geração. Integraram a turma dos banidos também o técnico de enfermagem Irany Campos, Reinaldo Guarany Simões e Maria Auxiliadora Barcellos Lara. Todos eles e elas fizeram parte daquela “juventude de `68″ que acreditava no slogan que se tornou em símbolo na famosa Passeata dos 100 Mil no dia 26 de junho de 1968: „O povo organizado derruba a ditadura.” Havia também outros que entoaram versão mais agressiva do slogan, gritando: „O povo armado derruba a ditadura.” Era uma coligação de intelectuais, artistas, religiosos, operários, estudantes e os pais dos jovens, que rejeitaram o sistema implantado pelos militares, os quais não haviam hesitado de matar até adversários muito moços, como aquele aluno de escola secundária Edson Luis Lima Souto, que havia chegado de Belém do Pará para morrer pelas balas dos militares no Rio durante uma demonstração na Rua 1° de Março no dia 28 de março de 19668. Contra aquele regime de terror haviam protestado 50.000 cidadãos que no dia seguinte acompanharam a marcha fúnebre que se tornou memória histórica do povo brasileiro.

Seja-me permitido de fazer um breve comentário junto à esta última, a Dora:

Presa em 1969, severamente torturada no presídio de Bangu, Rio de Janeiro, e Linhares, Juiz de Fora - depois de 2 anos com outros 69 presos políticos foi trocada pelo Embaixador Suíço Giovanni Enrico Bucher, seqüestrado pela guerrilha urbana que na época agia. Os banidos por tempo de vida foram acolhidos no Chile de Allende.

Depois do golpe do dia 11 setembro de 1973 eles procuraram proteção na Embaixada Mexicana até que conseguiram um vôo rumo à Bélgica. Em janeiro de 1974 encontrei-me com este grupo na casa dum refugiado gaúcho em Colônia. Em fevereiro todos eles foram admitidos como bolsistas da Igreja Evangélica na Alemanha.

Em outubro a Dora matriculou-se na Universidade Livre de Berlim. Pouco antes do exame final do curso de Medicina lamentavelmente ela teve de ser internada para tratamento psiquiátrico na Clínica de Psiquiatria Berlim-Spandau onde logo a visitei. No dia 1 de junho de 1976 ela chocou-se contra um trem do Metro e morreu uma morte muito cruel. Não pode ter dúvidas de que esta catástrofe pessoal da moça foi uma reação tardia devido ao trato brutal durante a prisão em 1969. Existem depoimentos da presa nos protocolos de seus processos - p. e. na 2ª Auditoria da Marinha - que comprovam as crueldades pelas quais passou nos porões da ditadura. O caso dela inclusive foi incluído no livro Direito à Memória e à Verdade, Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, Brasília 2007, p. 418.

Na lista de nossos bolsistas refugiados brasileiros constam muitos nomes. O último brasileiro exilado foi Flávio Koutzii a quem em 1980 outorgávamos uma bolsa para um curso acadêmico em Paris.

Hoje todos nós - os que foram acolhidos em momentos difíceis, e os que estenderam a mão para recebê-los - hoje todos nós somos felizes que no Brasil instalou-se um governo democrático.

Outro brasiliense era o estudante de Sociologia João Carlos de Moura. Observei que nos anos de 1972 - 73 entre os refugiados brasileiros havia um elevado número de estudantes ou professores de Sociologia e de Filosofia, inclusive professores destacados como o saudoso professor gaúcho Gerd Bornheim. Obviamente os militares tentaram de erradicar a inteligência política.

Em 1973 - 74, no período pós-golpe-Chile, chegaram refugiados acadêmicos de destaque, como o exilado líder da UNE, José Serra, em 1973 membro do FLASCO, entidade das Nações Unidas em Santiago. Serra com sua família havia-se refugiado na Embaixada da Itália de outubro até maio. Já no mês de novembro ele estava em poder de uma carta minha que anunciava o nosso socorro. Com a Embaixada cercada por tropas golpistas apenas em maio de 1974 o refugiado conseguiu de sair do Chile. O recebia no aeroporto de Düsseldorf e logo fomos embora rumo ao campus da Obra Ecumênica em Bochum.

Logo depois do golpe de Pinochet chegou em Europa uma turma de brasileiros “banidos por tempo de vida”, sofrendo o segundo exilo, entre eles Marijane Vieira Lisboa, esposa do carismático presidente da UNE, Luis Travassos (que, recém retornado ao seu país perdeu a vida num acidente de trânsito em 1982), Samuel Arão Reis, estudante de Economia, com sua esposa Irene Reis Loewenstein e sua filhinha Tania. Os pais da Irena, judeus que em 1936 emigraram da Alemanha nazista rumo ao Brasil, onde 36 anos mais tarde a filha Irene ficou perseguida, refugiou-se no Chile e procurou finalmente socorro no país do qual seus pais se haviam salvados há uma geração. Integraram a turma dos banidos também o técnico de enfermagem Irany Campos, Reinaldo Guarany Simões e Maria Auxiliadora Barcellos Lara. Todos eles e elas fizeram parte daquela “juventude de `68″ que acreditava no slogan que se tornou em símbolo na famosa Passeata dos 100 Mil no dia 26 de junho de 1968: „O povo organizado derruba a ditadura.” Havia também outros que entoaram versão mais agressiva do slogan, gritando: „O povo armado derruba a ditadura.” Era uma coligação de intelectuais, artistas, religiosos, operários, estudantes e os pais dos jovens, que rejeitaram o sistema implantado pelos militares, os quais não haviam hesitado de matar até adversários muito moços, como aquele aluno de escola secundária Edson Luis Lima Souto, que havia chegado de Belém do Pará para morrer pelas balas dos militares no Rio durante uma demonstração na Rua 1° de Março no dia 28 de março de 1968. Contra aquele regime de terror haviam protestado 50.000 cidadãos que no dia seguinte acompanharam a marcha fúnebre que se tornou memória histórica do povo brasileiro.

Seja-me permitido de fazer um breve comentário junto à esta última, a Dora:

Presa em 1969, severamente torturada no presídio de Bangu, Rio de Janeiro, e Linhares, Juiz de Fora - depois de 2 anos com outros 69 presos políticos foi trocada pelo Embaixador Suíço Giovanni Enrico Bucher, seqüestrado pela guerrilha urbana que na época agia. Os banidos por tempo de vida foram acolhidos no Chile de Allende.

Depois do golpe do dia 11 setembro de 1973 eles procuraram proteção na Embaixada Mexicana até que conseguiram um vôo rumo à Bélgica. Em janeiro de 1974 encontrei-me com este grupo na casa dum refugiado gaúcho em Colônia. Em fevereiro todos eles foram admitidos como bolsistas da Igreja Evangélica. na Alemanha.

Em outubro a Dora matriculou-se na Universidade Livre de Berlim. Pouco antes do exame final do curso de Medicina lamentavelmente ela teve de ser internada para tratamento psiquiátrico na Clínica de Psiquiatria Berlim-Spandau onde logo a visitei. No dia 1 de junho de 1976 ela chocou-se contra um trem do Metro e morreu uma morte muito cruel. Não pode ter dúvidas de que esta catástrofe pessoal da moça foi uma reação tardia devido ao trato brutal durante a prisão em 1969. Existem depoimentos da presa nos protocolos de seus processos - p. e. na 2ª Auditoria da Marinha - que comprovam as crueldades pelas quais passou nos porões da ditadura. O caso dela inclusive foi incluído no livro Direito à Memória e à Verdade, Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, Brasília 2007, p. 418.

Na lista de nossos bolsistas refugiados brasileiros constam muitos nomes. O último brasileiro exilado foi Flávio Koutzii a quem em 1980 outorgávamos uma bolsa para um curso acadêmico em Paris.

Hoje todos nós - os que foram acolhidos em momentos difíceis, e os que estenderam a mão para recebê-los - hoje todos nós somos felizes que no Brasil instalou-se um governo democrático.


Heinz Dressel

Estive na Capital do Brasil pela primeira vez em 1972. Lembro-me que na chegada do vôo da Varig no Rio um inspetor da saúde entrou e fumegava o avião com detefon. Aí um jogador dum time de futebol que havia embarcado em Casablanca disse de voz alta: “Agora tudo que não presta está morto!” Era este o clima no país. A gente andava na Capital até com medo do governo.

Agora, uma geração mais tarde, o governo me honra numa cerimônia inesquecível! Não é o mesmo governo de então, graças a Deus, mas é o governo da mesma nação! Que mudança!

(Fonte: www.dressel.latinotopia.de - 30 de setembro de 2008)


Veja também: Teólogo Heinz Dressel é homenageado em São Paulo


Autor(a): Heinz Dressel
Âmbito: IECLB
Área: Missão / Nível: Missão - Sociedade
Natureza do Texto: Artigo
ID: 6871

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