Fundamentação:
O que diz a Confissão de Augsburgo sobre responsabilidade pública:
Da ordem política e do governo civil se ensina que toda autoridade no mundo e todos os governos e leis ordenados são ordenações boas, criadas e instituídas por Deus, e que cristãos podem, sem pecado, ocupar o cargo de autoridade, de príncipe e de juiz, proferir sentença e julgar segundo as leis imperiais e outras leis em vigor, punir malfeitores com a espada, fazer guerras justas, combater, comprar e vender, fazer juramentos requeridos, possuir propriedade, casar, etc.
(...) Condenam-se, outrossim, aqueles que ensinam ser perfeição cristã abandonar fisicamente casa e lar, mulher e filhos, e renunciar as coisas citadas, quando o fato é que apenas verdadeiro temor de Deus e verdadeira fé constituem a perfeição autêntica. Pois o evangelho não ensina uma forma de vida e justiça exteriores, temporais, senão uma interior e eterna vida e justiça do coração, e não abole o governo civil, a ordem política e o casamento, querendo, ao contrário, que se guarde tudo isso como genuína ordem divina e que cada qual, de acordo com sua vocação, mostre, em tais ordenações, amor cristão e obras verdadeiramente boas. Por isso os cristãos têm o dever de estar sujeitos à autoridade e de obedecer-lhe aos mandamentos e leis em tudo o que não envolva pecado. Porque se não é possível obedecer à ordem da autoridade sem pecar, mais importa obedecer a Deus do que aos homens. Atos 5.
Confissão de Augsburgo
Texto completo da Confissão
O que diz o guia Nossa Fé – Nossa Vida sobre responsabilidade pública:
Como igreja cristã, o Espírito Santo nos chama a participar do serviço de Cristo no mundo, no ambiente em que vivemos. Somos, desta forma, Igreja de Jesus Cristo no Brasil.
Guia Nossa Fé – Nossa Vida
Texto completo do Guia
O que dizem manifestos e posicionamentos da Direção da IECLB sobre responsabilidade pública:
A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) está envolvida com o processo político brasileiro. Ao longo das três últimas décadas, emitiu cartas pastorais, posicionamentos e declarações sobre temas da realidade brasileira. Com toda clareza a Igreja evita separar a fé e a política, ainda que as distinga. Com muita convicção ela afirma a dignidade da vocação política e a reconhece como um chamado a serviço do povo com vistas à promoção da justiça, da paz e da fraternidade.
A partir da teologia luterana, entende-se que Deus tem o Estado como instrumento de ação no mundo. Deus coloca a seu serviço governos e instituições, independente de sua orientação religiosa. Mesmo que ao longo do tempo tenha havido uma mudança nas estruturas políticas e em sua representação, o Estado torna-se insubstituível. A sua superação dar-se-á somente quando a lei estiver inscrita no coração das pessoas (Ezequiel 36.26s) e quando Deus habitar no meio do seu povo (Apocalipse 21.3s).
A IECLB faz parte da tradição protestante que se empenha pela separação de religião e Estado. Preconiza a defesa do Estado laico. A IECLB incentiva sempre a participação em partidos políticos como canais institucionais que expressam valores e ideologias presentes na sociedade brasileira. Condena vícios nefastos presentes na cultura política brasileira. Dentre eles, destaca-se o clientelismo, o coronelismo e a defesa de interesses meramente corporativos e pessoais. Por isso, para a IECLB, o assédio às pessoas identificadas com a fé evangélica por parte de candidatos/as e a tentativa de transformá-las em um curral eleitoral representam um grande desserviço à democracia.
A IECLB evita a tentação de exercer qualquer tipo de tutela sobre os seus membros. Ela não tem candidatos próprios por uma questão de princípio: ela não é partido político! A partir do Evangelho, as pessoas, ao mesmo tempo cidadãs e membros da Igreja, têm uma profunda liberdade para agir responsavelmente na sociedade e no mundo. Nenhuma pessoa pode ser coagida a agir contra a sua consciência. Nenhuma liderança eclesiástica pode impor qualquer candidatura ou proposta político-partidária. Deve, isso sim, incentivar a reflexão sobre valores e princípios a serem considerados nas escolhas políticas.
Com base nessa visão, torna-se condenável o uso e abuso de símbolos religiosos ou mesmo o nome de Deus como forma de sensibilização para ganhar o voto das pessoas. Para a teologia luterana, Deus fica descartado como cabo eleitoral e nenhuma candidatura pode arvorar-se como preferida de Deus. O uso do nome de Deus para mascarar interesses particulares torna-se uma ofensa a Seu nome. A defesa de interesses pessoais e corporativos, inclusive de igrejas, representa uma forma de egoísmo grupal. Pisoteia o valor sublime da política que se caracteriza pela dedicação ao bem comum, pela defesa da dignidade humana e pela transformação da sociedade.
A partir da liberdade proporcionada por Cristo, as pessoas evangélico-luteranas chamam a si a prerrogativa da crítica e do questionamento às instituições quando estas não estiverem a serviço da justiça, da paz e da integridade da criação. Pessoas evangélico-luteranas não voltarão as costas para a política quando regimes e governos estiverem prestando um desserviço à sociedade. Contribuirão, isso sim, para a sua reforma, seu redirecionamento, sua transformação ou sua substituição segundo os propósitos de Deus.
Manifesto sobre eleições – 2014
Texto completo do Manifesto
Ética, justiça, verdade, respeito, transparência e diálogo são valores inerentes à democracia. São igualmente valores que pautam a vida e missão confiada por Deus à IECLB – Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e a todo o povo de Deus. (...) Portanto, por vivermos num Estado democrático e por sermos um país em que os valores do Reino de Deus, como a causa da justiça, são parâmetros, deveria ser bastante óbvio que a observância da verdade e a busca obstinada da justiça com vistas ao fortalecimento de relações de paz fossem parte do nosso cotidiano, em todos os níveis. Infelizmente os fatos não confirmam o que parece ser. (...)
Um dos princípios da Constituição da IECLB reza que, “em obediência ao mandamento do Senhor, a IECLB tem por fim e missão propagar o Evangelho de Jesus Cristo; estimular a vivência evangélica pessoal, familiar e comunitária; promover a paz, a justiça e o amor na sociedade; participar do testemunho do Evangelho no País e no mundo” (Art. 3º.).
Esse testemunho é a grande oportunidade que Deus concede a cada membro à medida que assume sua responsabilidade cidadã. Ser, participar e testemunhar com base na justiça e na verdade, sempre, em todos os momentos e lugares, em resposta e fidelidade ao amor de Deus por nós. Essa é uma parte importante da nossa contribuição para um país onde a justiça e a paz florescerão mais e mais à medida que a verdade prevalecer.
Manifesto sobre Protestos nas ruas do Brasil – 2013
Texto completo do Manifesto
Em seu próprio nome e em sua Constituição, a IECLB adotou deliberadamente a designação de ser igreja no Brasil, com “todas as consequências que daí resultarem para a pregação do Evangelho neste país e a corresponsabilidade para a formação da vida política, cultural e econômica de seu povo”, como formulado pelo Pastor Presidente H. Dohms já em 1949, no Concílio constitutivo da então denominada Federação Sinodal. Marco histórico foi também o chamado Manifesto de Curitiba, adotado no Concílio Geral de 1970, quando em meio ao período mais sombrio do regime militar, a IECLB estabeleceu critérios claros de distinção entre Igreja e Estado, entre esferas pública e privada, sem, contudo, separá-los como autônomas ou estanques. Realçou, por isso mesmo, o papel de vigia da igreja, por exemplo, na denúncia de infrações aos direitos humanos.
Um princípio fundamental da Reforma, no século XVI, e parte integrante da confessionalidade luterana, é também o total respeito à consciência de cada pessoa e a suas próprias decisões de fé, ainda que a Igreja deva proclamar sempre e em todos os lugares os valores da Palavra de Deus. Entre estes se destacam o cuidado para com toda a criação, a dignidade de todo ser humano como criatura criada à imagem de Deus e a edificação de comunidades acolhedoras e fraternas, nas quais não haja exclusões e onde, por isso mesmo, gozam de especial carinho todas as pessoas pobres, as que padecem necessidades ou sofrem injustiças e opressão.
Manifesto Pelo Fim da guerra santa nas eleições – 2010
Texto completo do Manifesto
Toda igreja que confessa Jesus Cristo como Senhor e Salvador possui grande responsabilidade pública. Isto porque a atuação do próprio Jesus teve reflexos importantes para dentro da sociedade em que se encontrava. Pregava a conversão espiritual, de cunho pessoal, mas também propunha mudanças radicais na maneira como nos relacionamos com nosso próximo e como nos organizamos em comunidade. Estruturas materiais de poder lesivas ao interesse comum foram radicalmente criticadas. A atuação de Jesus e a proclamação acerca de Jesus como Senhor tiveram claros reflexos para dentro da sociedade e da política.
Como membros da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - IECLB e da Igreja Evangélica Luterana do Brasil - IELB, representando aproximadamente 90% dos luteranos no país, não queremos nem podemos fugir da importante tarefa de votar. Somos igreja de Jesus Cristo no Brasil e, portanto, corresponsáveis por aquilo que aqui acontece. Cremos que nossa fé atua no amor, e que este se traduz em ações em favor de tudo o que é preciso para uma vida digna. Muito daquilo que faz parte dessa vida digna depende de decisões políticas. Assim, fé e ação política não se excluem. A ação política dos cristãos é decorrente de sua fé. E o exercício do voto é de extraordinária importância na ação política. Quem acha que não faz política já está fazendo-a através de sua omissão, que sempre favorece quem ocupa o poder, muito possivelmente não em favor das necessidades do povo. Segundo Lutero, um “bom governo” faz parte do “pão nosso”, pelo que Jesus nos ensinou a interceder. Com nosso voto podemos ajudar a constituir um bom governo.
Uma igreja não tem nem pode ter partido político; no entanto, ela não é apolítica. Todo o seu trabalho e sua atuação têm implicações políticas. Um dos papéis da igreja é justamente trabalhar para que toda a sociedade, incluindo os partidos políticos, se empenhem para que a vontade de Deus em favor das pessoas seja feita também na esfera social e política.
Manifesto conjunto IECLB – IELB sobre eleições – 2010
Texto completo do Manifesto
(...) Ora, o papel da Igreja, em última instância, não mudou. A Igreja não pode esquecer que ela não se constitui em partido, mas tem um ofício espiritual. Por mais difícil que seja, seu papel segue sendo não o de protagonista, mas o de acompanhante solidário, no sentido do cuidado pastoral, da conciliação e do diálogo. Ela deve ser um instrumento de paz. Deve também resistir à tentação de difundir o que poderiam ser “ilusões” ou de acirrar ainda mais os ânimos, o que poderia levar a situações imprevisíveis e que viriam a trazer ainda mais sofrimento às pessoas afetadas. Assim, nesse momento a Igreja se propõe, em espírito solidário e atenta às possíveis alternativas, acompanhar os processos e as pessoas, dando-lhes o apoio adequado à situação. Em meio às tensões, ela deve ser uma voz moderadora, embora decidida na busca das melhores alternativas à frente.
Manifesto sobre a Portaria reconhecendo áreas indígenas – 2007
Texto completo do Manifesto
Votar é algo que faz parte de nosso compromisso social como pessoas luteranas. Lutero foi alguém que não se descuidava dos assuntos políticos e tinha uma palavra de orientação evangélica para essa área. A política deve contribuir para a paz, o bem-estar e a justiça sociais.
(...)Como comunidade cristã, em obediência ao mandato de nosso Senhor Jesus Cristo somos desafiados a refletir sobre o país que somos e a democracia que desejamos. Na medida em que buscarmos a solução ou superação dos problemas que marcam a nossa história no momento, estaremos contribuindo não apenas para renovar radicalmente nossa sociedade, mas também para oferecer ao mundo um novo projeto de qualidade de vida. Nessa reflexão, pedimos a orientação do Espírito Santo.
Precisamos reaprender que grande não é quem se serve, mas quem está disposto e disposta a servir. “O maior entre vós seja como o menor; e aquele que dirige seja como o que serve” (Lucas 22.26). Algo dessa importante dimensão do servir experimentamos no aumento da participação das igrejas cristãs em programas sociais, a convite do governo, no povo organizado que reinventa a democracia e ocupa novos espaços públicos de participação com alternativas de vida e de sobrevivência, e não por último na esperança motivadora que nos vem da promessa de um “novo céu e uma nova terra nos quais habita a justiça” (2 Pedro 3.13).
Dentre nossas tarefas como pessoas que seguem a Jesus Cristo no mundo em que vivemos, está o ato de votar conscientemente. Esta tarefa não se esgota no voto consciente, mas nos leva também a uma participação em movimentos populares, sindicatos, ONGs, conselhos municipais (por exemplo, na área da saúde e da educação).
Manifesto sobre Eleições - 2006
Texto completo do Manifesto
O pleito eleitoral é um destes momentos, visto que se reveste sempre de profundo significado e pode abrir caminho para respostas às grandes questões que afetam o desenvolvimento de um país e o futuro de seu povo e instituições. Nesse processo, renova-se a esperança por mudanças que assegurem novas possibilidades de vida numa conjuntura favorável às transformações há tanto reclamadas pelos setores mais desprivilegiados de nossa sociedade.
Qual a responsabilidade da comunidade cristã nas eleições e nos processos políticos? Pelo amor, as pessoas cristãs são servidoras umas das outras (Gálatas 5.13), e esse servir inclui a política. Assim, às vésperas de novas eleições municipais, reafirmamos a nossa responsabilidade, como Igreja de Jesus Cristo, nos assuntos políticos e sociais de nossa pátria, e chamamos a atenção para alguns pontos decisivos no atual cenário político brasileiro.
Eleições: uma questão de todos nós
A importância do processo democrático na ótica e vivência luteranas
Eleições são significativas em uma democracia. Elas são parte fundamental na construção do pacto social que determina os caminhos sociais, econômicos e ambientais no dimensionamento da qualidade de vida de toda a população.
Historicamente, nos mais diferentes países, a comunidade luterana colaborou em muito para que a sociedade tivesse o direito de escolher seus dirigentes. Eleições estão, de certa forma, implícitas na compreensão evangélico-luterana de comunidade como “sacerdócio de todas as pessoas” ou como corpo de Cristo, conforme a compreensão apostólica. Na prática luterana, e também na vivência da IECLB, há eleições para a escolha de obreiros e obreiras nos campos de trabalho, de pessoas integrantes dos presbitérios nas comunidades, bem como para os cargos de Direção da Igreja.
Martim Lutero defendeu o direito das comunidades tomarem suas próprias decisões, enquanto os países e territórios ainda eram governados por reis e príncipes, que não eram escolhidos pelo povo. Eleições são, portanto, preciosos espaços para a comunidade luterana. Esta compreensão foi colocada em prática pelos protestantes ainda no Brasil Império, quando aqui se fixaram a partir de 1824, há 180 anos. Eleições são um importante instrumento para a construção de uma sociedade livre e democrática, com um pacto social consistente, que promova a liberdade, a justiça e a paz.
Hoje, muitas pessoas se mostram indiferentes em relação às eleições. Certamente, esta postura não contribui para a democracia e para o pacto social. No entanto, estamos sendo chamados para o testemunho, também no campo da política, e não podemos nos omitir. Não é possível deixar o destino de um município, estado ou da própria nação na mão de um pequeno grupo, mesmo que este afirme que quer fazer o melhor pelo povo. A visão e a consciência de um pequeno grupo são sempre parciais e limitadas; por isso, devem ser motivo de constante alerta e atenção. Nesse sentido, eleições são um instrumento do amor cristão para libertar a nação de visões e consciências viciadas. Para tanto, pessoas cristãs e não-cristãs atuam no âmbito da política, da economia e da ordem social, mediante o uso da razão. No entanto, essas áreas da vida humana em sociedade, conforme Lutero, estão submetidos às exigências da vontade de Deus, e tudo o que nelas se fizer, mediante a razão, deverá estar a serviço do amor, do atendimento às necessidades humanas do povo, do estabelecimento do direito e da promoção da justiça. Para que este propósito se cumpra, a razão deve ser libertada de seus interesses em proveito próprio e ser capacitada para servir.
(...) Como evangélicos, membros da comunidade luterana, estamos inseridos na realidade social e na política, e não podemos deixar de exercer plenamente o nosso direito e dever de votar com a consciência voltada para a grandeza de uma nação, por sua vez inserida no contexto internacional, como uma voz nova e atuante no clamor universal para um novo mundo de justiça e de paz.
A palavra “política”, na sua origem, tem o significado de “administrar as coisas públicas em favor de todos os cidadãos”. Isso significa que o amor ao próximo usa a prática política como instrumento eficaz para solucionar os problemas do nosso povo e promover a renovação da vida em todas as instâncias sociais. E assim chegaremos ao município e à cidade que desejamos, ao mundo melhor com que sonhamos.
Lutero colocava o Evangelho acima de todas as coisas. Ainda assim, não se descuidava dos assuntos políticos, econômicos, sociais, culturais – como expressões da responsabilidade provinda da fé, diante de Deus e do próximo. Podemos entender a relação entre fé e política, a partir de suas colocações, como uma prática sob a soberania de Deus, Senhor tanto da Igreja como do Estado. Na Igreja alimentamos nossa fé pela palavra e pelos sacramentos. Em nossa vida pública exercitamos a justiça e o cuidado para com os mais fracos como propósito divino contra a tentação das injustiças e das exclusões. Através da política e do Estado (leis, programas, movimentos sociais, partidos e governos) exercitamos nosso amor para com o próximo, atendendo o povo em suas necessidades e anseios por uma vida digna.
Manifesto sobre Eleições – 2004
texto completo do Manifesto
1. A questão do governar é relacionada com a fé em Deus, porque ele é Senhor soberano sobre todos. Segundo esse preceito, governantes não são nada mais e nada menos do que cooperadores na preservação e promoção de vida digna para toda a criação. Este é o objetivo geral que perpassa toda a Bíblia.
2. Política, portanto, deve ser medida por este critério básico. Toda pessoa cidadã e, sobretudo, aquela comprometida com a fé cristã, tem a responsabilidade de medir e avaliar os programas políticos. Nesta época pré-eleitoral importa conhecer também a biografia dos candidatos, sua inserção comunitária, sua honestidade e transparência, seu compromisso com o bem comum e com uma justiça social que alcance, sobretudo, os segmentos mais sofridos da sociedade.
3. Os resultados de tal avaliação dependem de muitos fatores, principalmente do contexto em que cada pessoa se encontra. Desse contexto fazem parte elementos pessoais bem como coletivos, sócio-econômicos, culturais e religiosos.
4. Os resultados de tal avaliação, portanto, só podem ser de caráter multiforme. Contudo, a história mostra que não é fácil conviver com a diversidade de propostas. Por isso, surgem comportamentos e mesmo sistemas ditatoriais, tanto na sociedade quanto na igreja. Os mais fortes conferem à sua visão das coisas e opções o valor de verdade absoluta e a procuram impor nos demais. Essa postura leva à tirania de algumas pessoas poderosas e à marginalização e opressão da grande maioria das outras. São privadas da dignidade do ser sujeitos e são degradadas como objetos e súditos.
5. Em sistemas democráticos, porém, procura-se fazer jus à multiformidade de visões e opções políticas decorrentes de contextos específicos. Cultiva-se o diálogo e o convívio entre diferentes. Esta disposição política, por si só, ainda não supera as dificuldades de convívio social. Pois, elas parecem ser inerentes à natureza humana.
6. A fé cristã nos proporciona a consciência de que, enquanto neste mundo, apenas “em parte conhecemos” (1 Coríntios 13.9). Isso nos dá paciência conosco mesmos e abertura para com o diferente. E resguarda-nos de fanatismos excludentes.
7. A tolerância, porém, não deve ser confundida com relativismo. Pois nele não vale mais nada que nos comprometa. Quando cada um por si se arranja do jeito que quer, o individualismo desintegra a comunhão. Solidão e desespero acabam triunfando.
8. Deus nos criou como seres sociais. E mais, o Espírito Santo, através do batismo, nos incorporou no corpo de Cristo (cf. 1 Coríntios 12). Sua vontade é que vivamos em comunhão, em comunidade solidária e acolhedora, participativa e terapêutica.
9. Por isso o Plano de Ação Missionária da IECLB aposta em tal comunidade. No desafio permanente de criar e recriar tal comunidade e, por extensão, uma sociedade com bem-estar, é necessário relacionar evangelicamente a fé com a política. Precisamos distinguir entre política partidária e política não-partidária, se é que pode ser usado esse termo; pois qualquer postura tem implicação política, também a evasiva de votar em branco.
10. É necessário que nos conscientizemos de nossa inserção social para que não vivamos e atuemos de maneira ingênua. Na comunidade cristã devemos e podemos ter espaço para todos os membros, concedendo-nos uns aos outros o direito de opções partidárias específicas.
11. Essa liberdade expressa grande maturidade, que nem sempre temos manifestado. Muito menos a temos como posse. Antes, precisamos recebê-la com recorrência e sempre ensaiá-la no dia a dia.
Manifesto sobre Eleições – 2002
texto completo do Manifesto
A comunidade evangélica de confissão luterana, integrada na sociedade municipal, está consciente de sua cidadania. A partir do Batismo somos filhas e filhos de Deus e fazemos parte de sua grande família. O Pai celeste, por sua graça, nos concede o pão de cada dia. Lutero interpretou magistralmente o que significa esse pão de cada dia:
Tudo que se refere ao sustento e às necessidades da vida, como por exemplo: comida, bebida, roupa, calçado, casa, lar, meio de vida, dinheiro e bens, mando e esposa íntegros, filhos íntegros, empregados íntegros, patrões íntegros e fiéis, bom governo, bom tempo, paz, saúde, disciplina, honra, amigos leais, bons vizinhos e coisas semelhantes.
Esse pão não cai pronto do céu, mas passa pelas mãos humanas que o devem produzir e repartir de maneira fraterna. Cabe também ao governo municipal a responsabilidade de oportunizar e promover os ingredientes desse pão de cada dia, ou seja, educação, saúde, emprego, lazer, moradia, segurança no lar, nas ruas e no trabalho. Para executar essa tarefa o povo lhe confiou os poderes legislativo, executivo e judiciário.
Manifesto sobre Eleições – 2000
texto completo do Manifesto
A Comunidade que ora pelo seu governo é lembrada da sua tarefa de acompanhá-lo criticamente em seu trabalho em favor do povo. Porque Deus também age por meio das pessoas. Lutero explicou isso muito bem ao escrever, no seu livro Da vontade determinada: Deus não age sem que façamos a nossa parte. Ele nos faz nascer de novo e nos sustenta exatamente por isso: para agir em nós e fazer-nos cooperar com ele. Por nosso intermédio ele prega, ajuda os pobres e consola os aflitos.
Manifesto em favor das metas do Programa de Governo – 1995
texto completo do Manifesto
O exercício da cidadania é direito e dever outorgado ao ser humano por Deus. Documenta sua dignidade e dela decorre. Eis por que a democracia merece a absoluta preferência entre os sistemas políticos. É o único a garantir aos membros da sociedade a plena participação e a co-responsabilização pelos assuntos públicos. As eleições que se avizinham representam mais outra oportunidade para fortalecer a democracia, ainda jovem e frágil no País, e tomar influência nos rumos da Nação. A não-participação seria equivalente a grave omissão.
2. É inadmissível querer manter a comunidade cristã alheia à questão política. O bem da criatura está em jogo, seus mais legítimos interesses, princípios éticos. Deve ser rejeitada, pois, a tese da incompetência política da comunidade cristã. A prece pelo pão de cada dia incumbe o povo cristão a trabalhar pelo bem-estar da sociedade, aliás, em cooperação com todas as pessoas de boa vontade. Deus não permite ao ser humano o arbítrio, razão pela qual as eleições, as campanhas, o desempenho político das autoridades interessam à comunidade cristã, inclusive sob a ótica da fé. Assuntos políticos têm relevância religiosa, e a Igreja e seus fiéis possuem um mandato político.
3. Importa, porém, não misturar a política e as políticas partidárias. Há um compromisso comum válido para todos os partidos e todos os segmentos sociais, a saber: empenhar-se em favor da paz social, da justiça, da proteção à vida e ao meio ambiente. Mas os respectivos programas permanecem discutíveis e necessitam ser detalhados em propostas partidárias. Não existe programa político capaz de ser qualificado como cristão. Todos devem sujeitar-se a exame crítico à base de princípios éticos, demonstrar sua eficiência e competir na obtenção de apoio popular. Resulta daí:
a. A Igreja não deve prescrever a seus membros a opção partidária a tomar. Seria extremo paternalismo. A Igreja encoraja os/as eleitores/as a avaliarem as plataformas dos/as candidatos/as e os programas partidários, para então tomarem sua decisão.
b. A Igreja não pode consagrar determinado programa partidário nem certos/as candidatos/as. Em consonância com sua tradição, a comunidade evangélico-luterana se opõe a todo tipo de messianismo político, que no fundo é anti-democrático. Existem, isto sim, propostas partidárias melhores e outras piores. Descobri-lo é tarefa do/a eleitor/a. Mas não existem programas absolutos ou sagrados, isentos de exame e responsabilização humana.
Manifesto sobre Eleições – 1994
Texto completo do Posicionamento
Somos Igreja pela graça de Deus. Vocacionados para a evangelização, a diaconia e o ensino. Igreja a serviço de Deus no mundo. E somos Igreja porque somos comunidade; povo de Deus.
Somos igreja luterana e, como tal, afirmamos a nossa continuidade histórica com os princípios da Reforma do séc. XVI. Somos IECLB e, afirmamos a nossa vocação para o serviço a Deus neste lugar que se chama Brasil. Somos igreja brasileira e nos comprometemos a servir a Deus neste contexto de dor e sofrimento, angústia e fome, sincretismo e comércio religioso; contexto de desafio mas também de esperança, expectativa e futuro.
Agradecemos a Deus pela vocação para ser Igreja e assumimos os desafios desta hora, reconhecendo a necessidade que temos do próprio Evangelho, da conversão e da fraternidade. Celebramos a diversidade de dons e ministérios que enriquecem a vida desta Igreja, tornando-a mais viva e solidária. E, de forma enfática, expressamos, a necessidade que temos de cumprir com o sacerdócio universal de todos os crentes e buscar por um jeito de ser igreja que priorize o caminho mais do que a cadeira, o corpo mais do que a parte, a comunidade mais do que a estrutura, a vida mais do que a morte e a Palavra de Deus mais do que a nossa palavra.
Mensagem do Concílio da Igreja – 1994
Texto completo da Mensagem
A Igreja de Jesus Cristo ... cumpre importante papel. Confessa-se herdeira da tradição profética da Bíblia, profundamente comprometida com a paz e a justiça, colocando-a a serviço da sociedade. As graves ameaças que pairam sobre o povo brasileiro não podem deixar apáticas as Igrejas. Devem-lhe o seu alerta e o apelo à reação. Pois Deus não é de confusão; e sim, de paz (1 Coríntios 14.33). Colaborar na percepção e na implantação do que serve à paz (cf. Lucas 19.42) constitui o nobre e inalienável mandato político dos cristãos, aliás, em parceria com todas as pessoas de boa vontade.
(...) O direito emana da ética e de valores que são fundamentais para o convívio próspero e harmonioso das pessoas. Abrange o direito a educação, saúde, trabalho, justiça, proteção e dignidade de vida para todos. É o critério a nortear a legislação, os programas partidários, a atuação política, representando o mais alto compromisso cívico, coletivo e individual. Nele todo exercício do poder, quer político, econômico, quer militar, religioso ou de qualquer outra espécie, tem seu parâmetro e seu limite. Valores éticos não permitem sejam manipulados a bel-prazer. São normas superiores que determinam também os deveres e decorrem, em última instância, da sagrada vontade divina, zelosa do bem de toda a criação.
A corajosa denúncia da infração de direitos civis e humanos, bem como de elementares princípios éticos na vida pública constitui um elemento novo na história brasileira. Inspira a esperança. Entretanto, o Brasil ainda está longe de ser um Estado de direito. A impunidade continua escandalosa. O enorme fosso entre riqueza e pobreza acusa injustiça em alto grau. Fica ignorado que corrupção e desmandos administrativos constituem abomináveis atentados à população, estimulando a violência em outros níveis. A denúncia do crime pouco efeito surtirá enquanto não respaldada por amplo consenso popular. Importa fortalecer a resistência contra o crime, apoiar o anseio por ver respeitado o direito, trabalhar pela paz na sociedade através do empenho por justiça.
Para o bem da sociedade, pois, urge recuperar a primazia do direito sobre o poder. A concretização dessa meta na Constituição do País e nos demais códigos legais, bem como na articulação de propostas partidárias e políticas governamentais, certamente pode dar margem a concepções divergentes. Isto é natural em regime democrático. Há que se buscar o acordo. De qualquer forma, o direito é incompatível com o crime, com a ditadura do poder e com a reserva de privilégios indevidos. Cabe ao Estado zelar para que todo cidadão tenha assegurado o amparo do direito e seja cumpridor dos deveres nele implícitos. Para tanto deve servir o poder. É a única maneira de legitimá-lo. O poder se torna útil somente quando se submete ao direito e a ele se presta como braço instrumental.
Manifesto O Direito e o Poder - 1993
Texto completo do Manifesto
A Igreja Evangélica de Confissão Luterana, por tradição e convicção, se abstém de tutelar a liberdade dos e das votantes. Embora atribua às questões políticas grau de extrema relevância e veja no exercício dos deveres civis um compromisso inerente ao próprio Evangelho, insiste na soberania do povo e na condução da causa pública por ele mesmo. Entretanto, há condições a serem cumpridas para o bom funcionamento da democracia. A lembrança dessas premissas faz parte do mandato diaconal e pastoral da Igreja de Jesus Cristo.
Manifesto sobre eleições – 1993
Texto completo do Manifesto
A consciência cristã deve o alerta a governantes, candidatos e eleitores. Não pode conformar-se com o crescimento da miséria e seus nefastos efeitos colaterais. Exige uma política social, econômica e agrária que seja responsável diante de Deus e da Nação, voltada, em especial, às necessidades dos segmentos desprivilegiados. É o que deverá determinar o comportamento eleitoral do cristão e de toda pessoa de boa vontade. Vai resistir a promessas enganosas, meramente demagógicas, traidoras dos justos reclamos do povo.
Como evangélicos de confissão luterana temos motivos para insistir em alguns importantes princípios:
Também a política está sob a exigência divina. Não é campo neutro, alheio à fé. Muito embora a Igreja não possa constituir-se em partido político ou grupo ideologicamente definido, cabe-lhe publicamente lembrar a vontade de Deus, válida para cristãos e não cristãos.
(...) É espantosa a fragilidade da democracia no País. Sempre de novo é declarada ameaçada. Entendemos ser o regime democrático merecedor de compromisso especial por parte dos cristãos em nossos dias. Oferece as melhores chances de corrigir as distorções sociais e de superar a injustiça.
Valoriza o cidadão e simultaneamente o responsabiliza. Cumpre assim o que a Bíblia diz sobre a dignidade do ser humano em sua qualidade de criatura amada por Deus. O espírito democrático não permite à Igreja privilegiar candidatos ou partidos de sua simpatia. Aposta na maturidade e responsabilidade dos eleitores. Não os sujeita a tutela eclesiástica. Pela mesma razão espera-se que candidato à Presidência da República saiba respeitar a instituição democrática e a soberania política do povo que lhe confere o mandato.
Política, além da ética, exige o bom senso, a sobriedade, o realismo. Deve ser livre de obsessões ideológicas causadoras de prejuízo à democracia, à paz social e ao bem comum. Nas campanhas eleitorais, o que interessa não é a polêmica, o apelo emocional, a mera oposição à situação vigente. Importante mesmo é a proposta de governo. Candidato à Presidência deve prestação de contas de seu programa e da maneira como pretende alcançar os objetivos.
Manifesto sobre Eleições – 1989
Texto completo do Manifesto
Engajamento político, empenho pelo bem comum, defesa da justiça é mandato de Deus e uma forma de servir às pessoas e ao próprio Criador. A tentativa de se esquivar desta tarefa significa tornar-se culpado no mandamento do amor, que na ação política possui um de seus mais eficazes instrumentos. Creio que esta deveria ser uma premissa comum de todo cristão luterano. A injustiça, a corrupção, a violência e a fome em nosso País desafiam a consciência cristã e necessariamente devem traduzir-se em ação a favor das vítimas de nossa sociedade e de uma ordem social mais justa. Como luteranos estamos impedidos de separar a fé e a política. Não são coisas estanques.
Da mesma forma, porém, não devemos confundir. Isto significa em primeiro lugar que, como Igreja e comunidade, não podemos identificar-nos com determinado partido. Na base comum do compromisso com a justiça e a promoção do bem deve haver espaço para adeptos de todos os partidos na mesma comunidade. Deve haver espaço para a discussão política e a boa concorrência de programas e propostas. É o que exigem as regras democráticas que todos queremos ver respeitadas. Igreja jamais é idêntica a um partido ou movimento popular, por maior apoio que possa merecer na defesa da causa justa.
Por isto mesmo, a Igreja também não pode vincular-se a uma determinada ideologia. Não é a ideologia que constitui a Igreja, mas sim a misericórdia de Deus. Ideologias são relativas, são produção humana, imperfeitas, portanto, e suscetíveis de abuso e corrupção. A ética sempre deve ter a prioridade. Na teoria, nem o capitalismo nem o socialismo são sistemas ruins; na prática, porém, a coisa é diferente. É porque de todos os sistemas e de todas as ideologias a Igreja deve cobrar a ética.
A postura luterana, de nem separar a fé e a política nem confundi-las, é difícil de praticar. Mas é a única forma de impedir abusos. A separação, além de fictícia, colabora com a corrupção das instituições políticas e favorece o arbítrio. A confusão, mediante exclusivismos ideológicos, destrói a comunidade e conduz, em última instância, a regime teocrático, autoritário, legalista. Deveríamos aprender do próprio Lutero: não hesitou de levantar a voz, apontando males de sua época, chamando a atenção das autoridades e exigindo mudanças estruturais. Lutero de modo algum foi pessoa apolítica, mas permaneceu livre diante dos partidos de então, resistindo à transformação do Evangelho em projeto político-social. Soube distinguir entre Igreja e Estado. Certamente cometeu erros. Ainda assim, permanece exemplar seu propósito de evitar tanto a mistura de fé e política quanto o divórcio de ambas.
Em nosso País precisamos de uma nova maneira de entender e fazer política que tenha credibilidade, que priorize a ética e a democracia e se baseie em competência. A comunidade cristã para tanto muito tem a contribuir.
Posicionamento Igreja e Política – 1988
Texto completo do Posicionamento
O fato da reconciliação com Deus, por intermédio de Cristo, contradiz a uma convivência de pessoas, marcada por ódio, agressividade e violência. Pela criança de Belém somos chamados à paz, ao amor e à reconciliação com nosso inimigo, também com tais que de nós discordam ou nos são incômodos. Por esta razão, sentimo-nos impelidos a convidar todos os membros de nossa Igreja e da família brasileira que reconheçam na reconciliação oferecida por Deus o compromisso de reiniciar uma vida baseada no perdão e no respeito mútuos.
Mensagem de Natal – 1978
Texto completo da Mensagem
Existem ao nosso redor inúmeros problemas que clamam por uma solução. A pergunta que surge é: sobre quem recai a responsabilidade? De quem se espera uma solução? Unicamente dos órgãos governamentais? Não! Todo aquele que se diz discípulo de Jesus Cristo, individualmente, é responsável, pois um cristão que é indiferente à injustiça e se furta à responsabilidade em questões sociais e econômicas, preocupando-se unicamente com o seu próprio bem-estar, não segue o seu Senhor. Neste particular, mais do que a participação ativa em iniciativas da igreja, impõe-se a cada cristão que seja fiel a seu Senhor no âmbito concreto de seu viver e atividade profissional. Isso significa encarar toda a sua vida como estando a serviço de Cristo e do próximo. Embora possa ser por vezes necessário renunciarmos a atividade ou profissão em que nos encontramos, para melhor servir. Via de regra, ali onde estamos somos chamados a esse apostolado de amor. De outra parte, assim como o cristão individualmente, também a comunidade cristã e a Igreja são responsáveis pelo mal e, portanto, chamadas ao discipulado.
Manifesto Nossa Responsabilidade Social – 1978
Texto completo do Manifesto
Intensificar e aperfeiçoar a diaconia para a qual somos chamados e libertados. Esta diaconia pode ter muitas formas. Ela pode ser a assistência direta de um membro a outro em qualquer necessidade, pode ser o trabalho social organizado dentro e por responsabilidade de uma comunidade, pode ser o serviço de aconselhamento, o cuidado para com os órfãos, pobres, doentes, velhos, presos, etc. Mas diaconia evangélica tem ainda outro aspecto: É a denúncia de injustiças, é a voz profética da comunidade que critica o desrespeito à dignidade do homem, é a manifestação pública da vontade de Deus em defesa de sua criatura. Por este motivo não só a esfera particular, mas também a política é campo de atuação cristã. Cabe à Igreja ser uma espécie de consciência da sociedade, criticando e advertindo, onde necessário for, e colaborando, onde o bem do homem for promovido. A Igreja não se dará por satisfeita com a cura das enfermidades da sociedade e do indivíduo, ela se empenhará também na eliminação das raízes dos flagelos atuais. A execução desta diaconia, porém, pressupõe olhos dispostos e treinados a enxergar a miséria dos irmãos, clara consciência no que diz respeito aos perigos e às ameaças da nossa sociedade, ela pressupõe ampla visão das nossas tarefas cristãs, sensibilidade e realismo frente aos inúmeros problemas que atormentam o mundo e motivação evangélica para levantar a voz e usar os braços. Comunidade diacônica e comunidade vigilante.
Posicionamento Discipulado Permanente – Catecumenato Permanente – 1974
Texto completo do Posicionamento
A mensagem da Igreja cristã visa à salvação do homem salvação que transcende as possibilidades humanas, inclusive as políticas. É mensagem de Deus - não deste mundo. Mas ela é destinada a este mundo e quer testemunhar Jesus Cristo como Senhor e Salvador do mundo. Por isso a Igreja não pode viver uma existência sectária, guardando para si mesma a mensagem que lhe foi confiada. Ela tem o ministério de testemunhar a palavra de Deus, ministério do qual ela não se poderá esquivar, a não ser pelo preço da desobediência para com seu Senhor.
A mensagem da Igreja sempre é dirigida ao homem como um todo, não só à sua “alma”. Por isso, ela terá consequências e implicações em toda a esfera de sua vivência - inclusive física, cultural, social, econômica e política. Não tenderá apenas a regular as relações entre cristãos, mas visará igualmente ao diálogo com outros cidadãos ou agrupamentos, sobre todas as questões relacionadas com o bem-comum.
A mensagem “pública” da Igreja cristã, no que se refere aos problemas do mundo, não poderá ser divorciada do seu testemunho “interno”, já que este implica naquela. Assim, a Igreja não pode condicionar seu testemunho público aos interesses de ideologias políticas momentaneamente em evidência, ou a grupos e facções que aspiram ou mantêm o poder. Em seu testemunho público, não poderá ela usar métodos incompatíveis com o Evangelho.
Em princípio, Estado e Igreja são grandezas separadas, como o define também a Constituição do nosso País. Mas em virtude das consequências da pregação cristã que se manifestam na esfera secular, e pelo próprio fato de os cristãos serem discípulos de Cristo e simultaneamente cidadãos de seu país, não será possível separar totalmente os campos de responsabilidade do Estado daqueles da Igreja, embora seja necessário distingui-los. Na esfera onde os respectivos campos se fundem, a Igreja, por sua vez necessitando da crítica do mundo, desempenhará uma função crítica - não de fiscal, mas antes de vigia (Ezequiel 33,7), e de consciência da Nação. Ela alertará e lembrará as autoridades de sua responsabilidade em situações definidas, sem espírito faccioso, e sempre com a intenção de encontrar uma solução justa e objetiva.
A Igreja busca o diálogo franco e objetivo com o Estado em atmosfera de abertura, de liberdade e de autêntica parceria - diálogo que tem por finalidade encontrar soluções para os problemas que afligem a sociedade. Como parceira corresponsável do governo secular, ela obedece ao preceito do Senhor que diz: “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Marcos 12,17). Baseada nesta premissa fundamental, ela se sente chamada a cooperar com as autoridades governamentais em uma vasta gama de tarefas, como, por exemplo, na educação das novas gerações, na alfabetização de adultos, no apoio a ações sociais do governo, no combate a doenças, à pobreza, à marginalização do homem, e em outras atividades que não sejam de caráter puramente técnico. Esta cooperação implica no constante esforço destinado a eliminar as causas que eventualmente provoquem os males em questão.
Em consequência da pregação pública da Igreja poderão surgir tensões com autoridades governamentais, seja por equívocos humanos, seja por razões de caráter fundamental. A Igreja, em tais casos, não procurará contestar o poder do Estado, como se ela fosse um partido político, mas proclamará o poder de Cristo. Onde ela sentir-se compelida a contrariar medidas governamentais, antes de tomar qualquer atitude pública, procurará dialogar com as autoridades respectivas. Em todos os casos agirá sem intuitos demagógicos - deixando claro que ela se sabe chamada a advogar em prol de todos os homens que sofrem.
(...) Entendemos mesmo, como Igreja, que nem situações excepcionais podem justificar práticas que violam os direitos humanos.
E como Igreja sentimos necessidade de dialogar com o nosso Governo também sobre este assunto - uma vez para apontar a extrema gravidade da questão, tendo em vista os princípios éticos em jogo, mas também para promulgar o nosso inteiro apoio a quem se acha seriamente empenhado em coibir abusos cometidos e em oferecer ao mais humilde dos brasileiros - inclusive ao politicamente discordante - a absoluta certeza de que será tratado segundo as normas da mesma lei com a qual possa ter entrado em conflito.
Manifesto de Curitiba – 1970
Texto completo do Manifesto