A Palavra se tornou um ser humano e passou a morar entre nós. (João 1.14a)
A encarnação de Deus em seu filho Jesus Cristo é a expressão mais clara de que este é o mundo que temos para viver nossas vidas de maneira plena, capaz de englobar uma existência saudável no aspecto físico, mental, social, psicológico e espiritual. No entanto, uma vida digna e plena para a qual Deus nos criou não é o que muitas pessoas experimentam ao redor do mundo.
No centro das preocupações de nossa fé sempre esteve também a alimentação. Assim, um dos importantes sacramentos da vida comunitária é uma “Santa Refeição”. Jesus em seu ministério se preocupou em alimentar e ter profunda comunhão de mesa com as pessoas: multiplicou alimentos, reuniu pessoas, sentou-se à mesa com todos e todas e tornou uma refeição o meio de perdão e de salvação. Além disso, ensinou-nos a orar pelo pão diário como dádiva cotidiana de um Deus que alimentou e alimenta seu povo.
Uma das esferas mais importantes dos direitos humanos é o direito à alimentação. Por inúmeras razões, ainda há milhões de pessoas que não têm acesso à comida e/ou água potável.
Fome e alimentação de baixa qualidade nutricional são realidades constantes. Isso causa tristeza e indignação, sentimentos que podem levar à apatia ou à ação.
Uma possível mudança neste cenário depende também de articulações contundentes dos movimentos, organizações sociais e igrejas. Para tanto, é preciso partilhar informações, apropriar-se dos temas inerentes a estas questões e reforçar nossas redes de cooperação. Assim, a partir da experiência do seu trabalho no dia a dia, o Consórcio CAPA (Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor), o COMIN (Conselho de Missão entre Indígenas), a FLD (Fundação Luterana de Diaconia), a Faculdades EST e a IECLB (Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil) organizaram e convocaram o seminário Soberania e Segurança Alimentar.
Dois conceitos fundamentais direcionaram os trabalhos:
Segurança alimentar é a garantia do acesso de todas as pessoas a alimentos adequados, em quantidade suficiente e seguros em termos nutricionais (qualidade, quantidade e variedade) para uma vida ativa e saudável.
Soberania alimentar é o direito que as pessoas, comunidades e países têm para definir suas próprias políticas agrárias, agrícolas, de trabalho, de pesca e de alimentação, que sejam ecológica, social, econômica e culturalmente apropriadas a seu contexto específico.
Um está diretamente vinculado com o outro. É preciso privilegiar segurança alimentar dentro de um plano de ações e políticas orientadas pela noção de soberania alimentar, pois ela além de garantir o direito a uma alimentação nutritiva e saudável também garante os direitos dos povos e comunidades tradicionais de preservarem e fortalecerem sua cultura e seus saberes.
No seminário igualmente aprendemos que:
Das comunidades indígenas vem a ideia da sacralidade da alimentação. Apreendemos que o alimento não nutre somente o corpo, mas também o espírito.
Todas as formas de vida, incluindo as plantas e os animais, têm direito à segurança alimentar.
A discussão sobre soberania e segurança alimentar necessariamente vincula-se à reflexão de gênero. Constata-se que as mulheres, as crianças e as pessoas idosas são as que mais sofrem com a falta de segurança alimentar e nutricional.
A garantia da soberania e da segurança alimentar passa pelo acesso aos meios de produção (terra, acesso e partilha dos conhecimentos, políticas agrárias e crédito agrícola).
Ressaltamos que nos últimos anos houve grandes avanços no campo da agroecologia. A IECLB, por meio de suas comunidades e das organizações que promovem este evento, também assumiu este compromisso, desempenhando um importante papel no desenvolvimento da agricultura familiar ecológica e na defesa do meio ambiente.
Assim, conclamamos as comunidades a:
• Apoiar iniciativas da agricultura familiar e da agroecologia, comprando e consumindo os alimentos por ela produzidos.
• Adotar a prática do consumo consciente, evitando comprar e consumir produtos nocivos à saúde, que produzam lixo em excesso e que sejam de baixo valor nutricional.
• Empenhar-se em ações de educação alimentar, incentivando e fortalecendo hábitos de alimentação adequada e suficiente, de base agroecológica (orgânica e oriunda da agricultura familiar). Entenda-se por alimentação adequada aqueles alimentos livres de contaminantes e Organismos Geneticamente Modificados (OGMs).
• Esforçar-se na criação de espaços para comércio justo e direto entre agricultores, agricultoras e suas organizações e consumidores e consumidoras, como as feiras de agricultura familiar e as cooperativas de consumo.
• Compreender e respeitar as diferentes concepções culturais acerca da alimentação.
• Denunciar violações do direito humano à alimentação, buscando auxílio do ministério público e de órgãos competentes.
• Inserir-se em fóruns de discussão, conselhos de segurança alimentar e elaboração de políticas públicas, no que se refere ao direito humano à alimentação adequada.
• Redescobrir e valorizar a refeição comunitária como espaço de comunhão, de partilha, de solidariedade, de reconciliação.
• Promover o resgate e a garantia da biodiversidade e de sementes crioulas como base da preservação da vida e da autonomia das comunidades. Reafirmamos que as diversas formas de vida não necessitam de organismos geneticamente modificados e agrotóxicos para a garantia da segurança, soberania e suficiência alimentar e nutricional.
• Propor e exigir políticas públicas que beneficiem e fortaleçam a agricultura de base agroecológica e reconheçam a função social da terra na produção de alimentos.
• Apropriar-se do tema da IECLB para 2011, “Paz na Criação de Deus”, como chave para a reflexão continuada em torno do assunto segurança, soberania e suficiência alimentar. Propomos que o tema “terra” volte para a reflexão em 2012 como tema do ano da IECLB.
Participantes do Seminário Soberania e Segurança Alimentar
São Leopoldo, RS, 18 de novembro de 2010.
Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor (CAPA)
Conselho de Missão entre Indígenas (COMIN)
Fundação Luterana de Diaconia (FLD)
Faculdades EST
Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
Parceria
Serviço das Igrejas Evangélicas na Alemanha para o Desenvolvimento (EED)
Apoio
Campanha da Fraternidade Ecumênica