Nas últimas semanas, a mídia foi generosa em colocar como prato do dia uma série de notícias pesadas e escandalosas. Os ataques verbais atingiram, sobretudo, os descaminhos nos altos escalões do poder político. Já estamos acostumados, tanto no Brasil quanto em outras nações, próximas ou distantes pelo mundo afora, ao desuso da ética. A experiência de vida nas sombras do poder da injustiça nos é demais conhecida. O critério norteador para satisfazer a vida humana passam a ser o oportunismo e a vontade de acumular capitais, em forma de dinheiro e de bens materiais..
O baú das reminiscências mais recentes coloca a descoberto a triste notícia de que o Brasil ocupa o penúltimo lugar na relação dos países no tocante à distribuição dos rendimentos. A riqueza produzida em larga escala é retida nas mãos de uma minoria. As sobras assemelham-se a migalhas que caem das mesas da classe privilegiada. A espera do milagre espetacular e das ações fantásticas promovidas por pessoas milagrosas não se concretiza.
Somadas às avalanches de denúncias, observamos que o povo virou massa de manobra. Os comunicadores populistas e, em potencial, os formadores da opinião pública circulam diante das platéias e nos palcos do entretenimento. É ali que oferecem com muita desenvoltura seus produtos. Sedentos de fama vendem as futilidades, vazias de conteúdo, e se realizam colocando, nas telinhas domésticas ou diante do público acrítico, as fofocas nacionais. Embora falte o pão-nosso-de-cada-dia, o circo faz sua festa.
Na qualidade de pessoas humanas, criadas à semelhança de Deus, somos alimentados pela liberdade que nos faz esperar na possibilidade de uma nova sociedade. O povo de Jesus Cristo enxerga, no horizonte, a aurora que anuncia um novo dia. É fonte que fortalece a esperança transformadora e torna o ser humano sensível à nova comunhão. É dádiva que vem de fora; um presente divino que faz apostar na superação da podridão da corrupção e da mentira; ambos são frutos colhidos na árvore da ambição. Sem qualquer pretensão de cumplicidade com profetas do Apocalipse, a sociedade humana é desafiada a refletir: como será o fim do processo de fermentação revolucionária manifestada, tanto na América Latina quanto em inúmeros países, onde o povo excluído vive, sob a escravidão da injustiça e se ressente da falta de critérios para a avaliação crítica das suas autoridades.
Uma sociedade que se submete à ideologia do oportunismo desenha na realidade um panorama irresponsável e, por isso, insustentável no futuro. Aristóteles, o célebre filósofo, avaliava a existência do dinheiro, na sociedade grega, sendo um mero instrumento para servir a causa da justiça. No sistema capitalista ocorre o contrário: o que deveria servir de meio tornou-se o fim mais cobiçado. Quando os meios justificam os fins, instala-se o desvio rumo à perversidade. É acesso aberto ao desrespeito e à negação da outra pessoa; em verdade, um desvio diabólico que provoca a marginalidade e se traduz no desamor. A fé das pessoas cristãs tem caráter crítico e sublinha outros valores na sociedade. Por exemplo: Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é que o Senhor pede de ti: que pratiques a justiça, ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus são palavras orientadoras anunciadas pelo profeta Miquéias.
Jesus Cristo, o rosto humano de Deus, por força de seu mandato, não permite que sua vontade seja posta em discussão. Sua vontade não encontra parâmetros no mundo criado, e por esse motivo não se submete a medidas humanas. Diante da vontade divina, os valores normativos na sociedade humana são desestabilizados. Perderam sua atualidade, diluíram-se suas forças. A ética que orienta o modo de vida das pessoas cristãs contraria a esperteza dos oportunistas. Lutero diz: Deus vive no próximo através do amor! A responsabilidade vivida na família cristã busca seu alimento na ética do amor.
O novo dia de amanhã é construído, em mutirão e com criatividade, através do serviço. A inspiração vem da cruz do Gólgota. Não haverá conivência com a política da realização pessoal determinada pelo egoísmo. Diante do novo dia, será denunciada a ideologia de que vida feliz se dá mediante a garantia de vantagens oportunistas próprias. A vivência da justiça será o cerne de sua consciência. Com certeza, uma oferta diferenciada, seja oportuno ou não!
Manfredo Siegle
pastor sinodal do Sínodo Norte-catarinense
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Joinville - SC
Jornal A Notícia - 03/06/2005