Alocução da Pa. Lusmarina Campos Garcia na celebração de encerramento da Copa do Mundo da FIFA na Igreja Nossa Senhora da Candelária, 12 de julho de 2014.
Nos reunimos nesta manhã para dar graças a Deus pela beleza da copa do mundo da FIFA no Brasil. Antes da copa começar, nós nos reunimos, no dia 19 de maio no Maracanã, com irmãos e irmãs de outras religiões, para pedir por um copa de paz. Hoje nos encontramos para dar graças a Deus e celebrar o fato de que nós tivemos uma copa de paz. Queremos agradecer pelo sucesso que esta copa está sendo, pela competência dos serviços que estão viabilizando a locomoção, o transporte, a hospedagem e a convivência pacífica entre torcedores e torcedoras, pela hospitalidade do povo brasileiro, pela festa proporcionada pelo esporte e pelo encontro entre os povos. É hora de reconhecer que o Brasil fez bem o seu papel de anfitrião, e que nós, o povo brasileiro, abrigamos uma vocação profunda para a paz.
Na abertura da copa, líderes de várias religiões enviaram cartas à presidenta Dilma Rousseff com mensagens diversas de apoio, de apreciação, de oração. Menciona apenas as mensagens enviadas por líderes cristãos:
Aliança Evangélica Mundial: “A Copa do Mundo no Brasil é uma oportunidade para que os povos de todo o mundo se encontrem, reconhecendo nossas diferenças, e, ao mesmo tempo, celebrando a multiplicidade da criação de Deus. É a esperança e a prece de todos nós da Aliança Evangélica Mundial de que essa Copa do Mundo seja marcada pela alegria, pela paz e pela boa-vontade, enquanto todos nós apreciamos a bela dança que é o futebol nesse belo país, que presenteou o mundo com alguns do melhores dançarinos desse esporte.”
Conselho Mundial de Igrejas (Olav Tveit): “Todos sabem como o povo brasileiro ama o futebol. Esperamos que este amor se manifeste em vários aspectos que envolvem este evento global e que, ao seu final, a Copa do Mundo também seja lembrada como um momento histórico na busca dos povos por justiça e paz.”
Igreja Anglicana: “Oro para que todo o árduo trabalho investido por todos vocês nos preparativos para a Copa do Mundo resulte em um torneio muito bem sucedido. O campeonato é uma oportunidade de mostrar o Brasil e, também, promover a paz e a união em todo o mundo por meio do esporte, da reunião e da partilha de uma paixão, a despeito de nossas diferenças. Minhas orações estão com vocês: anfitriões, times visitantes, espectadores e todos os envolvidos nesse grande evento.”
Papa Francisco: “O segredo da vitória, no campo, mas também na vida, está em saber respeitar o companheiro do meu time, mas também o meu adversário. Ninguém vence sozinho, nem no campo, nem na vida! Que ninguém se isole e se sinta excluído! E atenção: não à segregação! Não ao racismo! E, se é verdade que, ao término deste Mundial, somente uma seleção nacional poderá levantar a taça como vencedora, aprendendo as lições que o esporte nos ensina, todos vão sair vencedores fortalecendo os laços que nos unem.”
No Brasil, as Igrejas Cristãs realizaram campanhas de combate ao tráfico de pessoas, da prostituição de crianças e adolescentes; apoiaram o governo nas suas campanhas nestas áreas, abriram as suas portas para celebrar e receber torcedores e torcedoras, para oferecer apoio pastoral. A Igreja Anglicana desenvolveu um grande trabalho com juventude. O Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, abraçou o projeto de iniciativa da Igreja Luterana de acolher estrangeiros, de colocar pastores e pastoras à disposição dos torcedores e torcedoras que precisassem de ajuda, em diversas línguas. A Igreja Luterana elaborou liturgias especiais, semanais, para todo o período da copa, compôs canções, inclusive duas que estamos cantando nesta celebração. A Igreja Católica lançou várias campanhas e ações, inclusive os 100 dias de paz, na qual pediu trégua para este período. Literatura bíblica, inclusive uma bíblia especial foi publicada com o motivo da copa. Enfim, as igrejas cristãs se engajaram, porque acreditaram que este era um tempo fecundo para novas construções no seio da nossa sociedade. Foi, e ainda é.
Infelizmente a seleção brasileira não chegou à final, como gostaríamos. Aquela derrota contra a Alemanha foi dura; o nosso coração ficou pesado. O texto do evangelho é apropriado para nós diante desta experiência da derrota. “Venham a mim todos vocês que estão cansados de carregar o peso do seu fardo, e eu lhes darei descanso. Carreguem a minha carga e aprendam de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para as suas vidas. Porque a minha carga é suave e o meu fardo é leve”. Diante do peso desta derrota, devemos olhar para quem sabe transformar as cargas em levezas, e para quem é manso e humilde de coração.
Como disse a presidenta Dilma na mensagem que enviou no dia seguinte àquela derrota fatídica, citando a canção “Volta por Cima”, de Paulo Vanzolini, “levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”.
Partilho uma reflexão feita para a Igreja Luterana:
Esta frase da Canção “Volta por Cima” condensa a atitude que é necessário ter diante de uma derrota. Ganhar é fácil; perder é um exercício que requer a habilidade de encontrar forças em meio à tristeza, ao vazio, à vergonha e ao inesperado. Requer a humildade de aceitar o resultado sem imiscuir-se em acusações e chacotas. Requer a capacidade de saber que a frustração da derrota carrega, em si, a possibilidade de aprendizados inescapáveis.
A fé cristã nos capacita para o enfrentamento das derrotas, de qualquer natureza, uma vez que inverte valores e julga como lucro aquilo que, em princípio, anuncia-se como perda (Filipenses 3:7-14). É fé que não fica patinando no que sucedeu, mas avança na direção do que está por vir. Nas palavras do apóstolo Paulo: “esqueço-me do que fica para trás e avanço para o que está na frente” (Filipenses 3:13). Não que devamos apagar da memória as nossas derrotas, pois perderíamos a oportunidade dos aprendizados que elas trazem, mas que elas não nos enredem e não nos façam sua presa. Esqueçamo-nos, isto sim, da vontade de retaliação. Esqueçamo-nos da raiva, da atitude de vingança. As lições tiradas das nossas derrotas, precisam fazer de nós pessoas melhores, e não o contrário.
No cerne da fé cristã reside a ressurreição. A morte, derrota última à qual está submetida a vida, é vencida pelo amor teimoso de um Deus que não a deixa ter a palavra final. Que inspirados e inspiradas por este Deus, saibamos avançar para a frente, levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima, como indivíduos e como país.
E que o Deus dos dribles inesperados e das jogadas inéditas nos inspire para outros jogos, nos quais a vida é que faz o gol.
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