O escritor israelense Amós Oz reuniu, em seu livro Contra o Fanatismo, uma série de palestras, nas quais investiga as atitudes hediondas e trágicas promovidas em seu país e em muitas outras partes do mundo, por pessoas e grupos fanáticos..
Em suas reflexões, Amós aborda as conseqüências trágicas das mentes insanas e confusas que determinam as relações entre povos e pessoas do cotidiano. O autor parte da realidade de conflitos que se arrastam há muitos anos. Desde o início da existência do povo que recebeu acolhida em região conhecida como Terra de Canaã, situada entre o Egito, ao Sul, e os impérios persa e babilônico, ao Norte, datam as lutas em torno deste chão estratégico. A história do povo israelita, reunido numa comunhão sacral de 12 tribos, remonta ao tempo de seus patriarcas, passando pela realidade da escravidão no Egito e sua posterior libertação. Trata-se de uma história pontilhada pelas discórdias, pelos choques de culturas e tradições, gerando guerras internas e fomentando as ameaças externas. O território que se desenha na geografia, junto ao mar Mediterrâneo e próximo a desertos áridos e secos, tem se manifestado como ninho de cultura fértil, berço das grandes religiões, caracterizadas pelo monoteísmo, foi e continua sendo objeto de disputas violentas, por causa da cultura e das tradições diferentes. O fanatismo e suas sementes têm encontrado ali, e em muitas outras partes do mundo, espaço para germinar discórdias e evoluir perigosamente nos caminhos da morte.
Atitudes fanáticas, que se manifestam por atentados violentos contra as pessoas e o bem comum, continuam amedrontando a sociedade humana em todos os quadrantes e ameaçam a estabilidade política, prejudicam o relacionamento pacífico e equilibrado entre os povos e pessoas. O fanatismo se coloca, para o escritor Amós Oz, como conseqüência do gene do mal e onipresente da natureza humana infantilizada, ferozmente egoísta, hedonista e voltada para aparatos mecânicos. A evolução do fanatismo tem assumido dimensões incontroladas, de conseqüências trágicas e mortais, e gera medo aterrador ao ponto de trazer prejuízos à razão humana e ameaçar seu bom senso.
Posturas fanáticas não se têm manifestado tão-somente por ataques terroristas ou por invasões militares, nos dias de hoje. O fanatismo abre as portas ao poder trágico-mortal e permite que, em seu seio, sejam abrigadas muitas outras forças radicais. Isso acontece quando no mundo religioso, ideológico, assim como no mundo político, o fundamentalismo e o sectarismo ditam as normas. O fanatismo também se expressa nas posturas radicais de pessoas que apostam numa vida alternativa, à margem da naturalidade, cuja proposta é determinada pelo espírito da antiação.
A fé das pessoas cristãs, enquanto manifestação da graça de Deus e de sua bondade, testemunha e está a serviço da vida equilibrada, saudável. Sua postura é sábia, reflete bom senso, é vida que abre espaços ao serviço fraterno e assegura o bom senso de humor. Vidas equilibradas favorecem a expressão de emoções e sabem da importância da razão humana.
A vida humana não acontece alienada sobre ilhas isoladas povoando a imensidão do oceano. Ela se concretiza como existência verdadeira e digna, simbolizada pela parábola da península. Na geografia, aprendemos que uma península se caracteriza como superfície ligada à terra firme. Ao mesmo tempo, a ponta da península tem seus olhos direcionados ao oceano. A vastidão do mar transforma-se em expressão de liberdade e de reconhecimento do espaço amplo que oportuniza vida, em meio a uma atmosfera agradável e necessária para toda a criação. A todas as pessoas é concedida a possibilidade de respirar e viver, de forma equilibrada e sábia, no espírito de gratidão e com os pés no chão, sem marcas de qualquer fanatismo!
Manfredo Siegle
pastor sinodal do Sínodo Norte-catarinense
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Joinville - SC
Jornal ANotícia - 16/07/2004