A sociedade pós-moderna desenvolveu uma superestrutura eficiente e provocativa para compensar o vazio religioso da humanidade em busca constante de auto-suficiência. No mundo ocidental, a pessoa humana da atualidade secularizada assumiu postura questionadora em relação à aceitação de Jesus Cristo, revelação do Deus bíblico e monoteísta. Humanos podem ser avessos ao convívio comunitário e se deixaram induzir pelo cultivo de uma religiosidade alternativa, a partir de valores novos, impostos de forma tentadora pela publicidade, veiculada por sua arte visual estando a serviço da ideologia do mercado..
Enquanto a pessoa detecta sua própria fragilidade, em razão das exigências do mercado, por vezes desumanas, o mundo da publicidade procura colocar ordem no caos. É-nos prometido o céu na terra, basta somarmos no número de consumidores de produtos de marca. Nenhum obstáculo é impossível de superação, o sucesso está garantido, a juventude eterna está ao alcance dos grandes sonhos individuais, o bastante é comprar e usar aquele produto de marca ou vestir-se de acordo! A experiência motivada, face à da aquisição do produto oferecido, simboliza felicidade particular e indica a realização plena de vida. A técnica do mercado aplica como seu primeiro mandamento a necessidade de assegurar junto aos clientes o monopólio que controla as emoções e a qualidade de vida do público consumidor. Matar a fome e saciar a sede de uma existência carente e fragilizada são atribuições da propaganda. A publicidade ensina os consumidores o que devem usufruir para satisfazer não só a sede por Coca-Cola, por exemplo, mas para realizar as necessidades básicas da existência humana.
Não importa se a marca for Nike, Adidas, Scout, Mizuno ou Benetton - a valorização e a aceitação do jovem em sala de aula ou quando se põe, à noite, a caminho da danceteria dependem da posse do produto de marca. O que interessa mesmo não é a necessidade ou a utilidade do produto adquirido. Importa, isto sim, a qualidade de sentimentos que aquela aquisição promoveu. O fetiche da marca exclusiva se sobrepõe às necessidades do ser humano nos dias da atualidade. O imperativo da autodeterminação, assim como a descoberta das verdadeiras lacunas de uma existência equilibrada, baseadas na liberdade de consciência e de ação, deixam de ser relevantes.
Não será imprudente asseverar que a publicidade e seus produtos geniosamente ofertados no mercado tornaram-se herdeiros do espólio da religião e assumiram o papel de compensação. Instituições fundamentais para a saúde da sociedade, tais como a família, a organização política, a igreja vivem a situação de esvaziamento e de marginalidade. São instituições desinteressantes e ultrapassadas.
A exigência do consumo das marcas seletas que satisfazem plenamente assume o status de confissão de confiança. A virtude prioritária do Ser, que define o valor da pessoa humana, cedeu espaço ao design e à realidade das aparências. Produtos de marca são instrumentos que preenchem os anseios humanos. São esses que geram os sentimentos de pertença, suprem o vazio de eu humano, tão ameaçado no mundo da impessoalidade.
A tendência humana é fazer do produto de marca um sacramento, instrumento de salvação, uma boa notícia que satisfaz e dá sentido à vida. Diante de tamanha tentação, a santa teimosia da fé investe no Evangelho de Jesus Cristo. Ele é a revelação da boa notícia, de fato, salvador do mundo e fonte da felicidade plena. O posicionamento diante do Evangelho não se assemelha à pessoa que costuma navegar diariamente no site da Internet. Quando tiver sua experiência satisfeita, ele levanta âncoras e segue adiante em busca de outros canais que satisfaçam seu interesse particular. Não dá para plagiar a força do Evangelho. Seria uma ação temerária e tola, assim como se põe tudo a perder quando o vinho bom for guardado em vasilhames frágeis e sujeitos ao rompimento.
Manfredo Siegle
pastor sinodal do Sínodo Norte-catarinense
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Joinville - SC
Jornal ANotícia - 03/09/2004