Pessoas com Deficiência



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Pessoas com deficiência, e nós com isso?

Subsídio para trabalho com Pessoas Adultas

01/08/2013

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1 – Uma história para ler

“Vamos tomar um café com o menino mais comportado do mundo?” O convite encheu-me de expectativa. Fui ao encontro da minha filha, acompanhado do meu genro, para ver como ele havia ficado.

“A cabeleireira disse que não ia cortar aqueles cachos de jeito nenhum”, contou a minha filha. “Ela fez um corte moderno! Ficou lindo!”, acrescentou. “Vô, ele foi o menino mais querido e ficou paradinho”, comemorou. “Você parece o Robert Plant”, brinquei com ele, fazendo referência aos caracóis antológicos do vocalista do Led Zeppelin.

O meu neto merecia aquele café e ele chegou todo animado à cafeteria. Cantando e buscando apoio nas mãos dos pais, ele dava passos trôpegos até a mesa onde ia degustar um pedaço enorme de torta alemã, o seu doce favorito.

Para chegar ao quitute, ele teve que passar ao lado de uma mesa em que um grupo de adolescentes conversava animadamente e ria à solta. Ao ver o meu neto, um dos jovens congelou. Baixando a cabeça sobre a mesa, entre o grupo, fez insistentes sinais indicativos na direção dele, cochichando: “Olha ali, olha ali!”.

Como já estávamos acostumados aos olhares de espanto, comentários cochichados e insistentes sinais indicativos, seguimos impávidos ao lugar onde o nosso “Robert Plant” se refestelou e festejou, enquanto admirávamos o corte fashion esculpido em seus cachos dourados. O gel reluzia de forma delicada com a incidência da luz artificial do ambiente. Entre uma garfada e outra, ele se abria em largos sorrisos com as bandeiras de diversos países expostas nas paredes.

Enquanto se deliciava com as bandeiras e a torta alemã, risadas e comentários vindos daquela mesa ecoavam por toda a cafeteria. A alegria contagiante do meu neto de sete anos ajudava-me a ignorar aquele alarido que ricocheteava em meu coração como bala perdida. Minha couraça já havia engrossado o suficiente para sobreviver a mais essa. “Está tudo bem”, eu repetia em minha mente. E, de fato, estava.

2 – Contextualizando a história

Nosso segundo neto nasceu em 2006, numa manhã socada “até o talo” de expectativa e silêncio suspeito. Levávamos uma vida plena de realizações em nossa família. Um casamento feliz, realização profissional e estabilidade permitiam que curtíssemos a vida. Tínhamos formado nossas duas filhas na faculdade e a mais velha já nos havia dado um neto que estava para completar um ano de vida e era o nosso mais novo playground.

A chegada do nosso segundo neto fora preparada em cada mínimo detalhe. No dia marcado para a cesariana, nossa filha foi internada cedo e nós fomos aos afazeres do dia. Enquanto a manhã encurtava, o silêncio suspeito aumentava. Os amigos já ligavam querendo saber novidades e não tínhamos nenhuma. Na maternidade, o bebê já havia nascido e a vovó foi visitar sua filha, curiosa pelo novo neto. “Está tudo bem, mas ele está na CTI, pois nasceu com um probleminha”.

“Coisa normal” pensou a avó. Rumo ao berçário, ela foi sentindo um frio na barriga. O bebê estava na incubadora, estranhamente com um gorro na cabeça. “Nasceu com Síndrome de Crouzon”, explicou o médico, mostrando imagens desconcertantes num livro de medicina.

Naquele momento, o nosso “mundo perfeito” ruiu. Não vou detalhar aspectos da penosa reconstrução psicossomática que se seguiu àquela revelação bombástica, mas apenas fazer constar que ela foi um doloroso processo que levou anos. As sensações são tão esmagadoras que palavras não bastam para descrevê-las. Durante os dias que se seguiram, algumas perguntas insistiam em nos manter noites inteiras com os olhos arregalados: por quê? Por que nós? Por que ele? O que ele fez? O que fizemos nós?

Ao diagnóstico inicial juntou-se uma feroz hidroencefalia. Duas cirurgias reconstruíram o crânio quase inteiramente e implantaram uma bomba para retirar o líquido e neutralizar a hidroencefalia. O primeiro ano foi repleto de dificuldades de toda ordem que foram se acumulando com novas descobertas, como uma hipotonia muscular que o impediria de andar e com as sequelas neurológicas provocadas pela má formação craniana.

Negando os fatos, construíamos um futuro bom para o nosso neto. Iríamos fazer tudo para que ele se desenvolvesse normalmente, fosse à escola e tivesse tudo para edificar uma vida repleta de sentido, plenitude e “normalidade”. A cada novo dia, tirávamos um tijolo a mais do nosso castelo de sonhos. Aos sete anos ele anda, mas tem dificuldade de equilíbrio; ouve bem e adora música; é curioso e se emociona com novas visões, como qualquer menino de sua idade; não fala, mas compreende tudo que lhe é dito; comunica-se conosco à sua maneira e nós o entendemos. Ah, sim, e nada feito peixe.

Os encontros desagradáveis da cafeteria se repetiram ad nauseam nesses anos em que o nosso neto está conosco. Lutamos muito para não construir uma redoma em volta dele. Quase sempre suportamos calados. Mas também existiram muito mais encontros com pessoas que nos envolveram com seu abraço e embarcaram conosco numa viagem sem destino em busca do melhor para nossa pequena joia.

Enquanto ele cresce, a pergunta primogênita do dia do seu nascimento ainda ecoa em nossas cabeças: por quê? Só que agora buscamos refletir para muito além das respostas que recebemos sem pedir; muitas das quais nos feriam: “Deus quis dar um recado a vocês através dele”. Será que Deus é tão desumano a ponto de usar uma criança indefesa para testar adultos e cobrar submissão? O tempo cura, mas o que permanece dessa experiência que botou nossa vida de pernas para o ar é o “Questionamento de Jó”.

ATIVIDADE 1: Leia essas duas cenas para o grande grupo, propondo a reflexão sobre o tema “pessoas com deficiência, e nós com isso?”.

3 – O Questionamento de Jó

Jó tinha uma vida perfeita. Era rico, pai de filhos bem criados, feliz no amor e, sobretudo, profundamente religioso. Nada poderia afastá-lo do seu incondicional amor a Deus. Todos os dias ele agradecia pela vida que tinha. Nos finais de semana, reunia os filhos e suas famílias em banquetes para louvar a Deus.

Até que uma figura estranha, que na história aparece como Satanás (Jó 1.6), desafia o próprio Deus e faz uma aposta chocante: “Jó ama você somente porque sua vida é uma maravilha! Se você der uma virada nisso tudo, tirando dele tudo o que mais ama, ele vai amaldiçoar você rapidinho”, fustigou o obscuro ser.

Já no dia seguinte, passo a passo, o mundo perfeito de Jó foi entrando em colapso. Ele perdeu tudo. E Jó se manteve firme, embora a pergunta pelo “porque” começasse a minar seus pensamentos em longas noites de insônia. Com o corpo todo em feridas e se retorcendo de dor, Jó continuava fiel. Mas a cruel pergunta o fustigava: “Por quê?”. Ele amaldiçoa o dia em que nasceu (Jó 3.11-13), deseja a morte para si (3.20-22) e, mesmo que amigos o exortem a não perder a sua confiança em Deus (5.8ss), a pontiaguda pergunta central que o abate faz Jó entrar em luta com Deus (7.17-21). A pergunta se esmera, quando questiona: “Parece-te bem que me oprimas, que rejeites a obra das tuas mãos e favoreças o conselho dos perversos?” (10.3).

As queixas e a tagarelice (11.2) incomodam até mesmo os amigos mais chegados de Jó, que também o abandonam e zombam dele (16.20). Ele se sente injustiçado ao extremo, e se queixa que os perversos têm melhor sorte que ele, porque fazem o que bem entendem e nada lhes acontece. Jó está completamente só com a sua terrível pergunta: “Por quê? Por que eu?”.

Apenas ao final de 42 capítulos, Jó se dá por rendido e também Deus aceita suas queixas, repreendendo os amigos que o deixaram a sós com sua dor e seus questionamentos e devolvendo a Jó tudo o que tinha, em dobro.

ATIVIDADE 2: Divida o grupo em pequenas rodas de 3 ou 4 pessoas para lerem alguns trechos do livro de Jó, escolhidos com base nas indicações acima.

4 – Inclusão, um gesto de amor

“Inclusão” não é um conceito bíblico, nem teológico. Mas a reflexão em torno de sua necessidade como tarefa diaconal da igreja está amplamente fundamentada no amor incondicional de Deus por todas as pessoas.

Deus não revelou este amor à humanidade de uma maneira sobrenatural ou mágica, mas por meio da vinda de Jesus Cristo ao mundo. Ou seja, o amor de Deus pela humanidade não é edificado sobre os princípios do poder e dos milagres, mas sobre a humildade e a doação plena. Deus tornou-se ser humano para nos amar incondicionalmente. Ele veio para dentro do nosso mundo, das nossas dores e sofrimentos, da nossa injustiça, dos nossos porquês. Ele experimentou, na própria carne, o mais perverso bullying social, ao ser açoitado e cuspido, humilhado e coroado de espinhos e, por fim, pendurado no madeiro em que só morriam os ladrões e assassinos.

Em Jesus Cristo, Deus ergueu os pilares da inclusão ao passar pelo mais profundo abismo da exclusão e da rejeição. Por isso ele nos ama incondicionalmente. Ao submeter-se ao bullying da humanidade que o rejeita, ele nos capacita a suportar o bullying da exclusão, dos olhares congelados e dos dedos que apontam para a anormalidade exterior e a transformam em medida para a rejeição.

Por tudo isso, é tarefa inadiável da Igreja construir um espaço bem grande para incluir, receber, aceitar e acolher pessoas que, por conta de seu perfil exterior diferente, são cruelmente submetidas ao bullying social da exclusão.

Eu hoje tenho a convicção muito clara de que o nosso neto foi a chave hermenêutica para essa compreensão. Principalmente por nos ter ajudado a compreender que, por trás das suas diferenças, esconde-se um universo de humanidade tão gigantesco que nós, considerados pessoas “normais”, temos graves limitações para compreender plenamente.

Nesse processo de reflexão, a impertinente busca pelo “porque” vai se transformando num achado. O “por que nós?” vai cristalizando um “por que não nós?”. Por que justamente nós devíamos ter sido poupados por Deus deste maravilhoso encontro com um menino cheio de sede de viver, sempre alegre e aberto a novas experiências, como qualquer menino que classificamos na lista dos “normais”?

Em meio a essa caminhada, acabamos por nos sentir privilegiados. Afinal, como família nós estamos vivendo uma experiência única, rica, repleta das lições daquele amor incondicional que o próprio Deus ousou experimentar ao oferecer seu filho em favor da humanidade.

Essa também é a reflexão que Jó experimentou. O “questionamento de Jó” passa de uma pergunta (por quê?) a um lamento que sequer espera uma resposta lógica. É um pouco como as perguntas das crianças, que logo levam os adultos ao pânico, mas que, na verdade, nem esperam uma resposta elaborada com argumentos cuidadosamente construídos (que buscam evitar ao máximo uma nova pergunta). Não! Descobri que o nosso “por quê?” apenas é uma busca por acolhimento, nada mais. Como as perguntas das crianças... E é justamente aqui que está a essência da inclusão que pratica a diaconia em nossa Igreja.

A deficiência, tanto pessoal como a de outras pessoas na nossa comunidade, pode ser o caminho que nos ajuda a construir uma nova identidade que passa pela revisão do nosso perfil como cristãos e até da própria imagem que temos de Deus. A lição mais importante é que o amor de Deus tem nuances absolutamente surpreendentes e se revela de forma extrema e inesperada no convívio com pessoas com deficiência. É aqui que somos forçados e forçadas a ir bem lá no fundo, sem dó nem piedade. Que aprendizado!

ATIVIDADE 3: Essas reflexões servem especialmente para o líder do grupo. Elas podem ser trabalhadas com o grande grupo, em plenária, depois da leitura em pequenos grupos e do compartilhamento dos diversos textos do livro de Jó.

5 – Um experience day

A principal lição da inclusão é a dramática descoberta de que a abordagem da questão das pessoas com deficiência não pode ser mantida apenas no nível intelectual. Não há como tratar do tema como um assunto acadêmico que se mantém na fria e asséptica esfera do trato científico. É necessário mergulhar de cabeça no vulcão de sensações que só o confronto direto é capaz de produzir... e de aclarar a nossa mente e experiências.

Nesse sentido, proponho ao grupo um mergulho na real, de cabeça e sem colete salva-vidas. Há várias experiências que podem ajudar a elaborar o que vamos chamar de experience day:

1. Dividir o grupo em pares, em que um venda os olhos e o outro o guie pelo salão e pátio da comunidade, experimentando a vida sem um dos cinco sentidos. Num segundo momento, o vendado deve andar sem um guia, só com a ajuda de uma vara.

2. Isso poder ser ainda mais significativo se for feito com a ajuda de pessoas com deficiência visual que podem guiar quem está de olhos vendados.

3. Um dia de convivência numa escola da APAE, conversando com os monitores, convivendo com as pessoas com deficiência, conversando e tendo contato com elas.

4. Organizar um encontro com famílias da comunidade nas quais haja pessoas com deficiência. Também podem ser feitas visitas a essas famílias.

Pastor Clovis Horst Lindner
Blumenau, SC

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Autor(a): Clovis Horst Lindner
Âmbito: IECLB
Área: Missão / Nível: Missão - Diaconia / Subnível: Missão - Diaconia - Pessoa com Deficiência
Área: Missão / Nível: Missão - Formação / Subnível: Missão - Formação - Educação Cristã
Título da publicação: Ser,Participar, Testemunhar. Eu vivo Comunidade Inclusiva / Ano: 2013
Natureza do Texto: Vários
ID: 23755

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