Jeremias 31.7-9 - NTLH
7 O SENHOR diz: “Cantem de alegria por causa de Israel, a maior de todas as nações. Cantem este hino de louvor: ‘O SENHOR salvou o seu povo, ele livrou o resto do povo de Israel.’ 8 Eu os trarei do Norte e os ajuntarei dos lugares mais distantes da terra. Com eles virão os cegos e os aleijados, as mulheres grávidas e as que estão para dar à luz. Eles vão voltar como uma grande nação. 9 Quando eu os trouxer, eles virão chorando e orando. Eu os levarei para a beira de águas correntes, por uma estrada plana, onde não tropeçarão. Sou como um pai para Israel, e Efraim é o meu filho mais velho.”
Uma ode à alegria
Quando se deseja falar bem de uma nação ou de uma pessoa, se procuram palavras boas. Mas não só isto: de forma muito bem pensada e estruturada as palavras são colocadas solenemente para descrever a situação de maneira elevada envolvendo o intelecto e a emoção em enlace sublime e encorajador. Pronto! Temos uma ode. Falar em “ode à alegria” é ser redundante, porque a ode sempre vai privilegiar a alegria.
Antes de vermos o que o profeta Jeremias nos ensina sobre a alegria, deixo claro que, nos dias atuais, falar de alegrias ou esperanças parece ser negacionista. A ideia é de que se precisa ser pessimista, “catastrofal” e dramático. É moda dizer que tudo está errado, etc.
Pra começo de conversa
Leio que o tema central do capítulo 31 de Jeremias é a esperança gloriosa de que um dia Israel e Judá serão restaurados como nação”. (Albrecht, Astor, PL 45, p.319, 2020) De fato: nosso namoro, Beatriz e eu, e nosso casamento foi embalado pelas palavras do versículo 3 do capítulo 31 De longe se me deixou ver o Senhor, dizendo: Com amor eterno eu te amei; por isso, com benignidade te atraí”. E lá se vão 40 anos. Lembro do versículo 13, onde se descreve a alegria de todas as faixas etárias que convivem na mesma esperança e respeito. O versículo 33 me remete à esperança de que, um dia, não será mais necessário ensinar a respeito da vontade de Deus porque será límpida e cristalina impressa no coração de toda gente, e minha função será outra. Ou seja, toda espécie imaginável de restauração está em curso, conforme a profecia, transformando dores em alegrias, frustração em esperança.
Um olhar a partir da desilusão
Os israelitas estão no exílio. É a turma do Reino do Norte. As profecias a respeito deste grupo sempre foram muito sombrias. Não respeitavam a vontade de Deus e nem sequer prestavam culto ao único Deus. Enfim, foram deportados para a Babilônia e lá viveram novamente a amarga experiência de serem expatriados. Resta chorar, lamentar e sonhar com um futuro melhor.
No entanto, o SENHOR fala! Alguns estudiosos destes textos do exílio insistem em dizer que os israelitas sonhavam com a libertação. Entendo que o texto claramente diz que a libertação não é um sonho; é uma promessa, é palavra do SENHOR.
Olhar para o vazio e sonhar pode ser restaurador, mas sonhar e olhar para o horizonte a partir de uma palavra/promessa divina tem um contorno bem diferente. E o SENHOR ordena que se cante. Sabemos: “quem canta…” O povo de Deus canta, esta é a sua característica. É um dos legados da Reforma Luterana que a Igreja toda cante e não apenas o coro que ensaiou exaustivamente para oferecer seu melhor.
Quem olha para o horizonte de esperança a partir de suas desilusões, e ainda canta, tem dupla razão de se sentir fortalecido. Isso porque o louvor a Deus tem conteúdo e sentido. O histórico da libertação de Deus fortalece esperanças e esta história de Deus com seu povo precisa ser louvada.
A mudança acontece durante o caminhar
Quando o profeta se refere ao norte, está falando da Babilônia e Assíria. Foi para lá que o povo da promessa, tanto o reino dos israelitas como o reino de Judá, seguiram na dolorosa marcha dos deportados. A libertação está em voltar à sua origem. Deus promete que os trará. Essa expressão sempre ma faz lembrar do Salmo 32.8 onde nos é ensinado que Deus não apenas aponta o caminho que deve ser seguido; Ele vai junto. “Instruir-te-ei e te ensinarei o caminho que deves seguir; e, sob as minhas vistas, te darei conselho.”
Isto é tão verdade e restaurador que todas as pessoas — especialmente as mais debilitadas — encontrarão refúgio neste Deus. “…os cegos e os aleijados, as mulheres grávidas e as que estão para dar à luz” recebem destaque neste cuidado. A julgar pela importância que este tema recebe no exílio — cegos, aleijados, mulheres grávidas — e a ligação que Jesus faz com este tema, poderíamos imaginar, sim, isto se refere a pessoas que sofrem e estão indefesas em sua carne, em seu corpo, mas também estão cegas, aleijadas e fragilizadas em sua vida espiritual. As pessoas em necessidade não são apenas metáforas para aquelas que praticam a tácita desobediência à vontade de Deus, repito, mas de ambos os lados — corpo e espírito — Deus quer transformar enquanto caminha com Seu povo. Ninguém fica sem atenção. Nada fica sem o cuidado divino. Todas as pessoas estão incluídas na instrução de Deus.
O choro da restauração
Muitas famílias choraram seus mortos nestes tempos de pandemia. Não só esta, mas todas as outras causaram centenas de milhares de mortes. (As pandemias do século 20 são menos mortais!) Mas há igualmente o choro da alegria, da emoção por poder viver um tempo novo.
O choro do qual fala o profeta está associado à oração. Orar é o ato de olhar para dentro de si mesmo enquanto se conversa com Deus. E quando oramos, abrindo as profundezas da nossa vida, retiramos de lá aquilo que realmente vai transformar a nossa vida. Quando o coração se abre, abrimos também o nosso choro, derramamos lágrimas, purgando a dor que habita em nós. Quando choramos e oramos, percebemos as mudanças que Deus faz em nós e assim descobrimos um novo sentido para todas as coisas.
Nos textos bíblicos o “choro pode expressar suprema alegria (Gn 46.29) ou profunda compaixão (Gn 21.16). Pode estar relacionado à expressão de violenta emoção, como na partida de alguém, ou no alvoroço diante da morte (Mc 5.38). Ainda, de maneira geral diante de aflições cotidianas (Rm 12.15; 1Co 7.29-30).
Um caso hipotético ilustrativo
Quero criar com vocês um caso baseado em vários casos no decorrer dos anos do meu ministério pastoral.
Mathias é um jovem simples, trabalhador e dedicado à família. Seu trabalho é pesado e, quando chega à noite, quer mesmo é descansar. No entanto sua namorada observava algumas situações onde Mathias parece perder o controle. Começou a beber fora do aceitável e parecia depressivo.
Uma terapeuta — amiga em comum — foi conversar com Mathias, a pedido de sua namorada. Ele relata, depois de duas conversas, que se sentia um “fracassado e se considerava uma “aberração” porque nunca poderia sustentar uma esposa e família. Quando lhe perguntou o que fazia quando se sentia triste na infância, respondeu que recorria à sua mãe porque o pai era muito severo. A terapeuta também perguntou à Mathias sobre seu relacionamento com amigos e colegas. Disse que sempre teve dificuldades de ter amigos porque eram muito melhores do que ele. Quando perguntado sobre como gostaria de resolver essa página difícil em sua vida, começou a chorar e admitiu que a bebida estava sendo seu refúgio e a tristeza o seu colchão. Na continuação das conversas, Mathias compreendeu que poderia se sentir confiante se encontrasse um grupo de pessoas com valores éticos e de amor pelo próximo semelhantes aos seus. Que no grupo, junto com sua namorada, poderia crescer e caminhar sem a insegurança de um vício — uma bengala que nada sustenta.
Concluíndo
A alegria é o resultado de uma caminhada de confiança e comunhão. Assim o povo venceu o trauma de mais um exílio forçado. Os dias sem fim de choro e lamento tem um fim quando a pessoa se ergue e segue junto daqueles e daquelas que ouvem a voz do Senhor.
O povo do sul, Judá, que também fora exilado, já estava de volta e cantava uma ode à alegria — Salmo 126.1-6
Quando o Senhor trouxe os cativos de volta a Sião, foi como um sonho.
Então a nossa boca encheu-se de riso, e a nossa língua de cantos de alegria.
Até nas outras nações se dizia:
O Senhor fez coisas grandiosas por este povo.
Sim, coisas grandiosas fez o Senhor por nós, por isso estamos alegres.
Senhor, restaura-nos, assim como enches o leito dos ribeiros no deserto.
Aqueles que semeiam com lágrimas, com cantos de alegria colherão.
Aquele que sai chorando enquanto lança a semente, voltará com cantos de alegria, trazendo os seus feixes.
Amém!