A cada ano, um ciclo novo. A cada passagem, uma mudança. A cada celebração de Páscoa, Ação de Graças ou Natal, uma nova reforma. Do latim, reforma é formar de novo, criar novamente. Não se trata de uma construção a partir do nada: trata-se de uma reconstrução a partir de algo que já existe. Viver a vida cristã é celebrar as formas e as reformas do Reino de Deus.
Por que é necessário reformar? Para os gregos, Cronos -- que significa tempo -- era o deus devorador de tudo. O tempo anda e as coisas do mundo material envelhecem, não acompanham a passagem temporal. Entretanto, as coisas do mundo espiritual desconhecem o movimento do tempo. O grego tem uma expressão para o tempo que não passa: Kairos. Tanto Cronos como Kairos significam tempo, mas com concepções distintas. Na versão grega da Bíblia, lemos em Eclesiastes 3:1: Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. O escriba usou Cronos no primeiro tempo da oração e Kairos no segundo tempo. O tempo do mundo, o Cronos -- que é um tempo determinado, cronológico e impiedoso --, só pode ser reformado pelo tempo divino, o Kairos -- que é um tempo incontável, gracioso e eterno. No Novo Testamento, Paulo e a igreja primitiva falavam de Kairos para designar a ação de Deus que não se limita na passagem temporal do nosso mundo.
Neste mês, celebramos o aniversário da Reforma Protestante. E não celebramos apenas mais um ano: são 500 anos da Igreja Luterana. Meio milênio: um quarto de participação na história cristã. Conhecemos a história. Por algum medo ou insegurança, nós caímos no pecado do fruto do conhecimento. A queda ecoou até mesmo na liderança da igreja medieval, esquecendo-se da abundância da graça divina, da dinâmica da fé, da força bíblica e do amor incondicional de Deus. Para cada pessoa que descobre a luz de Deus, uma chama a mais ilumina a leitura e a prática dos Evangelhos. Os ritos cristãos guardam o brilho e a possibilidade de renovação de sua mensagem pelas celebrações. A cada ano, uma nova reforma. O tempo Cronos caminha e quase apaga a chama, mas a Reforma mantém viva a luz que nos mostra o tempo Kairos, quando Deus se mostra novamente.
Celebramos a Páscoa, a Ação de Graças e o Natal para reencontrar o tempo que não passa, o tempo que eterniza as maiores alegrias. Como luteranos, nós podemos redescobrir o tempo para todo o propósito debaixo do céu. Que assim seja! Que possamos, no espírito da Reforma, continuar formando e reformando instituições justas no tempo de Deus.
Vitor Chaves de Souza
Professor e Editor
Teólogo e Doutor em Ciências da Religião