História do povo evangélico luterano


ID: 2927

João 8.31-36 - De qual liberdade falamos?

Prédica

31/10/2003

João 8.31-36 – De qual liberdade falamos?

Culto do Dia da Reforma, pela IECLB e pela IELB.

Brasília/DF, 31/10/2003.

Estimadas irmãs, estimados irmãos:

Verdadeiramente sereis livres. Quem não gostaria de ser livre? Melhor talvez seria se colocássemos a pergunta no presente: quem não gosta de ser livre? Pois a maioria das pessoas supõe ser livre, pelo menos até certo ponto. E gostaria de ser livre na medida máxima possível. Mas o texto bíblico qualifica a liberdade e diz:

Verdadeiramente sereis livres.Ou seja: a palavra de Jesus qualifica a liberdade, e fala da verdadeira liberdade. Mas essa expressão surge, na boca de Jesus, apenas ao final do diálogo, quando Jesus quer deixar plenamente claro de que liberdade está falando. A princípio falara do verdadeiro discipulado e dissera que “a verdade vos libertará”. Isso tinha sido incompreensível para os interlocutores, judeus que haviam crido nele, como nos diz o evangelista João. 

Os interlocutores de Jesus tinham em mente um sentido quantitativo de liberdade. E até tinham a convicção de já sempre terem sido livres. Afinal, “somos filhos de Abraão e jamais fomos escravos de alguém”. Claro, a afirmação não esconde uma boa dose de orgulho: orgulho de nossa herança, orgulho de nossa tradição. E Jesus, em sua resposta, não invalida essa herança e essa tradição. Mas aponta para o fato de que, no fundamental, ela não nos serve como garantia de liberdade. Pelo pecado humano, tornamo-nos escravos do pecado. Por isso será importante atentar sempre para a promessa de Jesus:

Verdadeiramente sereis livres. O tema da liberdade foi, conjuntamente, com o da justificação, o assunto central da Reforma. Aliás, constituem, a rigor, um tema só, a justificação e a liberdade cristã. À liberdade cristã o Reformador Lutero dedicou talvez o mais belo de todos os seus escritos. De forma genial, ele aí desenvolve duas teses, a de que somos livres e servos ao mesmo tempo. Como assim? Somos livres na fé, somos servos no amor. Sem a liberdade da fé, não podemos servir num sentido verdadeiramente interessado apenas no próximo a ser servido. Haveria sempre um autointeresse oculto. Ou seja: também a Reforma tematizou a verdadeira liberdade. Verdadeira liberdade que não é adquirida ou conquistada, mas é conferida e doada pelo próprio Deus, em Cristo. Por isso, no texto joanino também diz: “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres.” No entanto, também nós, herdeiros da Reforma, poderíamos cair na tentação daquele orgulho que Jesus teve que corrigir. Aliás, de forma alguma estamos imunes a essa tentação, e – forçoso é reconhecer – muitas vezes nela caímos: o orgulho de nossa herança, o orgulho de nossa tradição, o orgulho da redescoberta do evangelho. E, como com os interlocutores de Jesus, necessitamos de correção evangélica e ouvir de forma renovada a promessa de Jesus: Verdadeiramente sereis livres.

Como com aqueles interlocutores: não é de se desprezar ou menosprezar nossa herança teológica e nossa tradição eclesial, de valores tão fundamentais quanto o patriarca Abraão o é para o povo de Deus e o foi para os interlocutores de Jesus. Como eles, também nós chegamos à fé em Jesus Cristo. Ainda assim, porém, a liberdade evangélica jamais é uma posse da qual pudéssemos nos vangloriar. Ela é sempre uma dádiva, pela qual devemos agradecer.
Verdadeiramente sereis livres. Também em nossos tempos essa mensagem central de Jesus tem sua extraordinária e decisiva relevância. Nós conhecemos a soberba: “Em mim ninguém manda!” “Ainda está para nascer quem irá pisar em mim!” E quem assim pensa, via de regra não hesita em pisar em outras pessoas. Aliás, a soberba só conhece relações de poder: relações de dominação e de sujeição – dominação de um lado, sujeição de outro. Por trás sempre está a vontade de querer levar vantagem em tudo, o desejo de sobrepor-se aos demais, a presunção de cada qual poder fazer o que bem entende. “E ninguém tem nada a ver com isso.”

Verdadeiramente sereis livres. A liberdade de fazer-se o que bem se entende não é verdadeira liberdade. É, ao contrário, precisamente a perda da liberdade. A velocidade alcançada num “pega” automobilístico pode dar a agradável sensação de presumida liberdade, mas ela poderá terminar tragicamente ao final da reta ou na próxima curva. Não é verdadeira liberdade. As fortes sensações experimentadas no consumo da droga podem sugerir ter-se alcançado a liberdade nesse mundo tão “careta”, mas pode terminar num sofrido processo de recuperação ou com a própria vida. Mais: uma sociedade que exacerba a competição, considerando-a como essência da própria liberdade e, portanto, razão para exaltar a excelência do assim chamado livre mercado, produz a desigualdade e a exclusão social, forçando as pessoas que têm privilégios ou levam vantagem, que se supunham tão livres, a buscar mais e mais medidas de segurança para proteger-se da violência, de assaltos e sequestros. Nações que têm toda uma tradição de liberdade caem na tentação de considerar que poderão garanti-la e impô-la pela força das armas. 

Verdadeiramente sereis livres. Quem poderia deixar de reconhecer o quanto necessitamos da verdadeira liberdade? Ela está à nossa disposição de forma gratuita, pela fé. Ela está sempre acossada e ameaçada pelas nossas tentações internas e pelas ameaças externas. Mas ela é real. E é, em definitivo, o que perdurará. 

Verdadeiramente sereis livres. Não foi uma palavra leviana de Jesus. Foi uma promessa eficaz. Nessa liberdade, poderemos também reconstituir nossa relação rompida com Deus e com o próximo. Pois é nisso precisamente que consiste o pecado: rompimento das relações de confiança em Deus e relações de amor ao próximo. 

Verdadeiramente sereis livres.

Fé em Cristo e, por isso, amor ao próximo. Ter redescoberto isso, constituiu toda a Reforma. Essa redescoberta em nada perdeu sua validade desde então. Mas ela jamais poderá ser um patrimônio; deverá ser assumida sempre de novo, por cada pessoa. Nela haverão de ser constituídas comunidades, comunidades de fé, em que as pessoas irmanadas têm consciência da verdadeira liberdade recebida e querem dela dar testemunho.

Por isso, conjugo ao final, neste culto celebrativo pelo Dia da Reforma, as duas palavras de Jesus, contidas em nosso texto: Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente livres. E: “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres.”
Amém.
 


Autor(a): Walter Altmann
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Dia da Reforma
Área: História / Nível: 500 Anos Jubileu
Natureza do Domingo: Dia da Reforma

Testamento: Novo / Livro: João / Capitulo: 8 / Versículo Inicial: 31 / Versículo Final: 36
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 24352

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Ó Deus, meu libertador, tu tens sido a minha ajuda. Não me deixes, não me abandones.
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