Prédica: Marcos 13.24-37
Leituras: Isaías 64.1-9 e 1 Coríntios 1.3-9
Autoria: Eduardo Paulo Stauder
Data Litúrgica: 1º. Domingo de Advento
Data da Pregação: 03/12/2017
Proclamar Libertação - Volume: XLII
1. Introdução
Estamos no 1º Domingo de Advento. Ainda não é Natal! É importante que isso seja dito, pois os símbolos que apontam para a festa de Natal já estão tão presentes, que o tempo de Advento pode passar despercebido. Corremos o risco de acompanhar a propaganda natalina e antecipar o Natal, colocando já nos espaços litúrgicos o pinheirinho, a manjedoura, o presépio. Mas ainda não é Natal. Muitos querem antecipá-lo, mas é preciso aguardar. É tempo de espera, de permanecermos vigilantes e nos prepararmos. Esse é o chamado dos textos bíblicos para este 1º Domingo de Advento.
O texto de Isaías 64.1-9 faz parte de uma oração, na qual o povo reconhece os seus pecados e pede que Deus esqueça dos seus pecados e volte para junto do seu povo. Na carta de 1 Coríntios 1.3-9, a comunidade aguarda a volta de Cristo com gratidão e fé. A comunidade permanece fi rme na fé porque está unida a Cristo. Graças a essa união, ela é enriquecida em tudo, “tanto no dom de anunciar o evangelho como no dom da sabedoria espiritual” (v. 5).
O texto da pregação do Evangelho de Marcos 13.24-37 anuncia a vinda do Filho do Homem, mas como não sabemos nem o dia nem a hora da sua chegada, somos chamados a permanecer vigilantes.
Os três textos falam da comunidade que espera pela vinda de Deus. Nossa espera não é marcada pelo medo e pela insegurança. Somos chamados a ser vigilantes, a nos arrepender e confiar na misericórdia de Deus, e a permanecer na fé em gratidão, pois estamos unidos a Cristo.
2. Exegese
O texto da pregação está inserido no capítulo 13 do Evangelho de Marcos, que faz parte dos acontecimentos que antecedem o relato da paixão e ressurreição de Jesus. Esses acontecimentos têm como cenário a cidade de Jerusalém e expressam a crítica de Jesus ao sistema religioso centralizado no templo. Ao sair do templo, Jesus é questionado por um dos discípulos e, em sua resposta, anuncia a sua destruição. A conversa continua no monte das Oliveiras, de onde eles podem olhar o templo. Os discípulos Pedro, Tiago, João e André lançam uma pergunta a Jesus: Conte para nós quando é que isso vai acontecer. Que sinal haverá para mostrar quando é que todas essas coisas vão começar? (Mc 13.4).
A partir dessa pergunta, Jesus inicia um discurso que vem carregado com uma linguagem apocalíptica. É um discurso bastante trabalhado, que junta material da tradição cristã com material que vem da apocalíptica judaica.
O discurso de Jesus é marcado por imperativos (v. 5b, 9a, 11b, 23, 28, 29, 33, 35, 37), revelando que a intenção do evangelista é a parênese. Ele fala de uma escatologia presente e procura mostrar o essencial. Assim, corrige visões triunfalistas e revela que o caminho que a comunidade tem pela frente é semelhante ao de Jesus.
Marcos 13 é formado por duas partes: a introdução (v. 1-4), na qual acontece o diálogo entre Jesus e os discípulos, e o discurso de Jesus (v. 5-37). O discurso de Jesus, por sua vez, pode ser dividido em duas partes: a primeira, formada pelos v. 5-23, apresenta os sinais dos últimos tempos (sobre esta primeira parte leia os estudos no PL XVI e 22); a segunda parte, formada pelos v. 24-37, revela como devemos esperar pela vinda do Filho do Homem.
O texto de Marcos 13.24-37 é um conjunto formado por três perícopes: a vinda do Filho do Homem (v. 24-27), quando ele virá (v. 28-32) e como devemos aguardá-lo (v. 33-37). A Bíblia na Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH) também acompanha essa divisão do texto em três perícopes. Para demarcar o início de cada uma dessas pequenas unidades, a NTLH acrescenta as expressões “Jesus disse” no v. 24, “Jesus disse ainda” no v. 28 e “e Jesus terminou, dizendo” no v. 33. Essas expressões não constam nos manuscritos originais, mas ajudam a compreender a estrutura do texto, demarcando o início de cada uma dessas pequenas unidades.
v. 24-27 – A vinda do Filho do Homem. Os sinais dos fins dos tempos são apresentados nos v. 24-25: o sol e a lua se apagam e a criação de Deus se desintegra. Essas imagens faziam parte da tradição profética, como vemos em Isaías 13.10. Essas imagens mostram que estamos diante de uma grande manifestação de Deus.
O que aparenta ser o fim, na verdade, é o início de um novo tempo governado pelo Filho do Homem (v. 26-27). A parusia do Filho do Homem revela a soberania de Deus. A primeira ação do Filho do Homem será a reunião dos seus escolhidos. É um anúncio de consolo e esperança para uma comunidade que vivia num contexto de grande instabilidade, gerada pelo conflito com o Império Romano. Na Palestina, esse conflito leva à destruição do templo e da cidade de Jerusalém, em 70 d.C. Na cidade de Roma, os cristãos sofrem perseguições e falsas acusações, como se vê na perseguição sob Nero, em 64 d.C. É um cenário de grande tribulação e sofrimento, quando parece que o fim se apresenta. Para essa realidade é anunciada a vinda do Filho do Homem, que não abandona a sua comunidade, mas vem acolhê-la. A vinda do Filho do Homem não é marcada por juízo, mas por salvação e pela reunião dos fiéis.
v. 28-32 – Quando ele virá. A conclusão do discurso de Jesus é feita por meio de duas parábolas (a da figueira e a do porteiro), que vêm acompanhadas de uma aplicação prática para a situação da comunidade. As parábolas também são marcadas pelos verbos no imperativo: aprendei (v. 28), olhai e vigiai (v. 33). Os v. 28-29 nos apresentam a parábola da fi gueira. Devemos aprender com a figueira: quando ela brota, o verão está chegando. Somos convidados a aprender, a ler os sinais do tempo. A realidade não está pronta, mas é um processo, no qual vamos aprendendo a perceber a presença de Deus. No tempo certo, a figueira brota e produz os seus frutos. Observar a figueira é aprender a ter paciência, reconhecendo o que podemos e o que devemos fazer em cada tempo de nossas vidas, em cada momento da história. Deus age na história e no momento por ele determinado virá o Filho do Homem.
Na sequência, nos v. 30-31, temos três sentenças apodíticas introduzidas pela expressão “em verdade, vos digo”: a geração presente não tem como impedir a tribulação (v. 30); a criação é transitória (v. 31a) e as palavras de Jesus não são transitórias, mas permanecem (v. 31b). O v. 32 conclui afirmando que somente o Pai sabe quando tudo isso acontecerá, ou seja, em suas mãos está o domínio da história. Somente Deus conhece o dia da parusia.
v. 33-37 – Como devemos aguardá-lo. O v. 33 inicia com um chamado, uma ordem: olhai, vigiai. Alguns manuscritos acrescentam a expressão “e orai”. Essa ordem é ilustrada pela parábola do porteiro, nos v. 34-36. No centro dessa parábola está o retorno do viajante, que pode chegar a qualquer momento, obrigando os servos e o porteiro a uma vigilância permanente. O v. 37 encerra o discurso de Jesus com um apelo à vigilância, mas salientando que essa é uma tarefa de todos. É uma exortação dirigida a toda a comunidade: vigiai.
3. Meditação
O texto de Marcos 13 é dirigido para uma comunidade que vive momentos de tribulação e precisa encontrar esperança em meio ao sofrimento. As parábolas da figueira e do porteiro mostram que esta situação de tribulação é pensada considerando a experiência de agricultores e de servos. É considerando a realidade desses trabalhadores que o texto foi pensado e nos chama a permanecer vigilantes.
O texto de Marcos foi escrito para uma comunidade em crise, que se perguntava se haveria futuro para a sua vida de fé. Na Judeia, o conflito com o Império Romano se acentuava, desembocando na revolta dos zelotes. Essa teve como consequência a grande repressão do Império Romano, que destruiu a cidade de Jerusalém e o templo. Na cidade de Roma, os cristãos passavam por um período de perseguições. Basta lembrarmos da acusação de Nero, que culpou os cristãos pelo incêndio de Roma. Essas crises da história não vão terminar com a criação, mas vão revelar uma nova manifestação de Deus. Lá vem o Filho do Homem sobre as nuvens.
As estrelas caindo, a lua perdendo o seu brilho: isso parece ser o fim do mundo. Muitas situações de crise deixam as pessoas sem saber para onde ir e se apresentam como se fossem o fim. Num processo de crise acontecem mudanças. Perdemos nossos referenciais e temos que repensar a vida, descobrir novos caminhos. Será que Deus não pode construir vida nova a partir dos escombros? Quando as estrelas caem, vem o filho do Homem, não para decretar o fim da criação, mas como sinal da presença graciosa de Deus que acolhe o seu povo para dar continuidade à vida.
O futuro também se apresenta incerto diante de nós: crise econômica, violência urbana, reforma da previdência, falta de ética na política e no todo da sociedade. Podemos planejar estratégias missionárias, poupar recursos financeiros, fazer um bom plano de aposentadoria, mas nada nos dará a garantia de que tudo irá acontecer conforme o nosso planejamento. Boa parte dos trabalhadores tem grandes dificuldades em realizar planejamentos a longo prazo. Planeja a sua sobrevivência diária e se contenta com o pão de cada dia. Portanto planejamos o futuro não para controlá-lo, mas para permanecermos vigilantes.
As nossas incertezas não precisam se transformar em inseguranças, deixando o medo controlar a nossa vida. Olhamos para o futuro carregando a promessa de que o Filho do Homem virá. Por pior que o futuro se apresente, podemos enfrentá-lo nessa fé de que Jesus virá, ou seja, não estamos abandonados por Deus.
O tempo de Advento nos ensina a enfrentar o futuro e as crises da vida com fé e esperança. Permanecemos vigilantes. Não sabemos quando será o fim, mas esperamos pelo tempo oportuno (kairos, v. 34), que pertence à vontade e ao conhecimento de Deus. Quem espera o tempo oportuno não se preocupa com cálculos ou especulações cronológicas, mas unicamente com a vigilância. Sem negar o futuro salvífico, orientamos a comunidade para viver a sua fé no presente.
Esta geração passará, a criação passará, mas a palavra de Jesus permanece. Estar vigilante é deixar se orientar por essa palavra, que revela a presença de Deus entre nós.
Vigiai! Não é um pedido. É uma ordem. Na parábola do porteiro, o vigia tinha a tarefa específica de permanecer acordado para receber o dono da casa. O porteiro precisa ficar atento, pois ele aguarda a volta do dono da casa. O porteiro não controla as ações do dono da casa. Neste sentido ele lida com o imprevisto, algo que não depende dele. O porteiro tem uma tarefa que lhe foi dada, uma responsabilidade que lhe foi confiada.
A necessidade da ação de vigiar revela a existência de conflitos. Quem vigia quer se proteger de bandidos e inimigos. Quem vigia revela a existência de perigos e a necessidade de proteção. Quem vigia busca por segurança.
Permanecer vigilantes deve determinar o nosso jeito de viver a fé. É uma atitude para quem se compromete com a vivência da fé, que quer ser exercitada e experimentada neste tempo de advento. Estabelecemos as nossas relações com as pessoas, com a criação de Deus, com a sociedade organizada como vigias.
O vigia duvida, questiona. Ele não pode acreditar em qualquer conversa, em qualquer pessoa que deseja passar pela porta. Ele precisa desconfiar para garantir a segurança do lugar que ele vigia. Não podemos dormir diante da realidade.
Em meio às crises da vida, que podem ter uma dimensão pessoal ou social, permanecemos vigilantes. Em meio aos escombros, a palavra de Deus permanece, construindo esperança e ensinando a viver o amor.
4. Imagens para a prédica
O texto de Marcos 13 é rico em imagens: o Filho do Homem vem sobre as nuvens; a fi gueira brota, indicando a chegada do verão; o porteiro vigia. Uma dessas imagens pode ser trabalhada com mais profundidade.
A conclusão do texto de Marcos 13 enfatiza a ação de vigiar, o que nos aproxima da figura do porteiro, cada vez mais presente nas cidades. Dificilmente há um prédio que não conte com a presença desse profissional. Diante da violência urbana, cresce a importância do porteiro como vigia. Ele não está lá apenas para receber as pessoas, abrir e fechar as portas. Também precisa controlar quem pode e quem não pode entrar. É um trabalho realizado por gente simples, mas que exige uma atenção constante. Vamos nos colocar no lugar do porteiro e conversar com a comunidade sobre a nossa tarefa de permanecermos vigilantes.
O porteiro cuida de um patrimônio que não lhe pertence. Abre a porta para os moradores entrarem num prédio, no qual ele, em geral, não tem condições de morar. Deixa carros entrarem e saírem e volta de ônibus para casa. A figura do porteiro revela uma sociedade em crise, marcada por divisões, uma sociedade marcada pelo medo que busca por segurança e paz. Neste mundo marcado por conflitos, somos chamados a permanecer vigilantes.
Muitas famílias ainda preservam o costume antigo de lavar, limpar, pintar a casa para o Natal. A espera do Natal é marcada por uma série de pequenas ações que podem servir de exemplo para compreendermos a ação de permanecermos vigilantes.
5. Subsídios litúrgicos
O 1º Domingo de Advento marca o início de um novo ano litúrgico. Neste culto também temos o lançamento do novo tema do ano. Estamos iniciando os próximos 500 anos da Reforma. Agora são outros 500!
Neste culto introduzimos a Coroa de Advento e acendemos a primeira vela. É um tempo de espera que nos ensina a paciência, a viver a tensão entre o já e o ainda não. Contamos os dias, as semanas, mostrando que a fé acontece em meio à história, contando os dias, acompanhando e participando dos acontecimentos históricos.
A confissão de pecados pode ser elaborada a partir das imagens do texto do profeta Isaías 64: as nossas boas ações são comparadas a trapos sujos (v. 6); somos folhas secas carregadas pela ventania dos nossos pecados (v. 6); Deus é o oleiro e nós somos o barro (v. 8). Podemos cantar o hino 194 do HPD 1. As palavras do livro de Isaías pedem que Deus se lembre que nós somos o seu povo e se esqueça dos nossos pecados. Pede-se que Deus não permaneça distante de nós, mas venha ao nosso encontro.
Refletindo sobre a tarefa e o compromisso de vigiar, as palavras de Wolfgang Müller-Weiser também podem nos ajudar durante a celebração: “A vida nunca está pronta. Nunca se pode imaginar que nada mais se possa fazer, que o trigo já esteja todo nos armazéns, que a safra da vida já esteja concluída. Não faças teu próprio calendário. Não sabes o que os próximos anos vão trazer, por qual luz a meia-noite ainda será invadida. Apenas deves estar sempre preparado para seres chamado e partir”.
Bibliografia
RAMIREZ, F. D. Compromisso e Perseverança; Estudo sobre Marcos 13. RIBLA 7: Apocalítica. Petrópolis: Vozes, 1990. p. 59-75.
WALKER, Césio J. e KONZEN, Léo Z. Evangelho segundo Marcos; Comentário para Catequese. São Leopoldo: CEBI, 1991. (A Palavra na Vida 37/38).
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