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ID: 2690

Lucas 24.13-35

Auxílio Homilético

26/04/2020

 

Prédica: Lucas 24.13-35
Leituras: Atos 2.14a, 36-41 e 1 Pedro 1.17-23
Autoria: Eloir Enio Weber
Data Litúrgica: 3° Domingo da Páscoa
Data da Pregação: 26/04/2020
Proclamar Libertação - Volume: XLIV

Fica conosco: um gesto diaconal

1. Introdução

A partir de meados de 1990, o Domingo Misericordias Domini passou a ser denominado, na IECLB, de Dia Nacional da Diaconia, porque a mensagem central nos leva a refletir sobre a misericórdia de Deus.

O conjunto de três textos colocados para este domingo nos traz a mensagem do Deus misericordioso que veio em forma humana em Jesus Cristo e que, movido pelo seu imensurável amor, morreu na cruz, mas no terceiro dia ressuscitou e apareceu aos seus discípulos. Esse agir de Deus nos convida para promovermos gestos diaconais.

O texto do evangelho relata o evento do entardecer da Páscoa. Dois discípulos iam, tristes e abatidos, para Emaús e foram surpreendidos por um caminhante, que andou com eles. Ele falou sobre o projeto de salvação de Deus. Em seguida, em um gesto diaconal, os dois convidaram o terceiro caminhante para ficar e o hospedaram. No fim, reconheceram-no quando ele partiu o pão.

Há uma bonita ponte entre os textos, pois Atos dos Apóstolos traz à memória a primeira pregação pública da igreja cristã (colocando Pentecostes como marco de fundação da igreja). Nessa pregação, Pedro aponta para a morte e ressurreição de Jesus, chama ao arrependimento e convida para o batismo. A primeira pregação cristã traz o teor e o balizamento para todas as mensagens proferidas do púlpito a partir de então.

Já o texto de 1 Pedro aponta para a centralidade de Cristo e as consequências disso para nossa vida e nosso agir cristão. O serviço (diaconia) da pessoa cristã está amparado no agir primeiro de Deus em Cristo e que leva ao amor fraternal não fingido (1Pe 1.22 NAA).

Temos, portanto, um conjunto bonito para refletir sobre a misericórdia divina e a diaconia cristã.

2. Exegese

Dentre os evangelhos sinóticos, Lucas é o evangelista que mais relatos exclusivos apresenta. Segundo a tradição, seu autor era médico. Escreveu o evangelho para as pessoas de fala grega, que eram muito críticas. Justamente por apresentar Jesus com um rosto bastante humano, o Evangelho de Lucas aprofunda o entendimento dos ensinamentos dele e ajuda a apreciar mais plenamente seu amor e sua compaixão por toda a humanidade, destacando, assim, seu agir diaconal.

O texto de prédica aparece também no final secundário do Evangelho de Marcos (16.12-13). Mas trata-se provavelmente de um resumo do texto de Lucas, incorporado por algum copista ao segundo evangelho. É o texto de Lucas, portanto, que serve de fonte primária e exclusiva para essa tradição. Lucas narra com detalhes o acontecimento do entardecer do dia da Páscoa, talvez 12 horas após os primeiros rumores sobre a ressurreição e os contatos do Cristo ressurreto com algumas pessoas. Esses dois homens estavam indo para Emaús (palavra que significa “águas quentes”), vilarejo próximo a Jerusalém.

Pode-se imaginar o abatimento, a tristeza e a desesperança nesse caminhar. O fato de caminharem em dois é significativo, pois a convivência e o desabafo são necessários e terapêuticos diante da perda. Na caminhada conjunta, um exerce a diaconia ao outro. A diaconia acontece em “mão dupla” – ambos doam e recebem. Nessa troca, a cura fermenta.

Nessa dinâmica diaconal, um terceiro caminhante se junta à dupla. Eles não o reconhecem, pois os olhos deles estavam como que impedidos de o reconhecer (v. 16 NAA). Algumas vezes já se classificou esse fato como falta de fé. No entanto, não consigo ser categórico quanto a isso. Prefiro olhar o fato como reflexo da profunda tristeza que sentiam e a tendência humana de não conseguir fazer as leituras claras diante de uma situação de crise.

O gesto de Jesus de achegar-se a eles de forma sensível e leve, fazendo perguntas poimênicas, terapêuticas e que provocam reflexão, é de uma beleza e profundidade diaconal ímpar. Poder-se-ia dizer facilmente que se trata de uma aula de clínica pastoral.

Três perguntas marcam o início da conversa entre Jesus e os dois caminhantes (v. 17-19): a) Jesus pergunta o que eles estavam conversando ao caminhar. Trata-se de uma pergunta aberta, que possibilita uma série de respostas. Provoca reflexão e sentimentos para a pessoa questionada. É uma boa pergunta para iniciar uma conversa. b) Cleopas (o único dos dois que é identificado pelo nome) não responde. Ele reage como se estivesse na defensiva. Talvez acuado com o que houve em Jerusalém. Precisava sentir com quem estava conversando, para ter segurança. A gente não sabe a entonação de sua voz, mas a pergunta pode ser compreendida quase como um xingamento ou, no mínimo, um espanto diante da desinformação. c) Jesus devolve a pergunta. E de novo usa um questionamento bastante aberto.

Com essa segunda pergunta Jesus consegue o que desejava desde o início da conversa: que falassem dos acontecimentos e, assim, refletissem (de forma curativa) sobre os mesmos. Falar sobre as crises nos auxilia a ensaiar e buscar insights de cura. Com isso Jesus busca uma aproximação diaconal, de serviço, de aceitação e de compreensão.

Os v. 19b até 24 trazem a resposta dos discípulos. Inicialmente falam sobre a identidade de Jesus, de como o experienciaram e da esperança de que fosse ele quem haveria de redimir Israel (v. 21 NAA). Chamo a atenção desse aspecto da esperança bastante popular no Antigo Testamento e que está presente no contexto da Páscoa – que o Messias enviado por Deus haveria de restaurar Israel, conduzindo-o novamente a seus momentos áureos.

Outro aspecto importante da resposta deles é quando falam do que as mulheres relataram: que foram ao túmulo, viram a pedra removida e não acharam o corpo de Jesus. Fato confirmado por alguns dos nossos (leia-se, homens), para confirmar a informação das mulheres (aspecto sociológico importante: testemunho feminino não tinha credibilidade para aquele contexto).

Somente a partir desse ponto Jesus começa a falar e explicar as Sagradas Escrituras. Elas são utilizadas para iluminar as experiências da vida.

Quando chegaram ao vilarejo, foi a vez de Jesus ser “diaconado”. Com a proximidade da noite, houve a preocupação em não deixar esse estranho caminhante seguir sozinho o seu rumo. O convite, no fundo, é um desejo: Fique conosco... (v. 29 NAA). A proximidade que a diaconia proporciona se reflete no desejo de continuar a conviver e a desfrutar da companhia. Ser “diaconado” acende o desejo de “diaconar”.

Na janta, o estranho caminhante abençoa e parte o pão. Nesse momento ele é reconhecido. O gesto evoca as ceias de Jesus com os discípulos, sobretudo a última ceia antes da paixão, quando ele se doou em forma de pão e vinho em favor da humanidade. Jesus é reconhecido e, por meio do sacramento, a fé cristã é desafiada a tornar-se ativa e reconhecida no mundo como diaconia.

Diante do reconhecimento de que Jesus estava com eles, realiza-se a Páscoa (passagem) para aqueles dois caminhantes. A presença física dele é substituída pela fé, que crê na presença constante dele em suas vidas e fortalece para a caminhada cristã de cuidado, compreensão e acolhimento (ações diaconais).

Eles, então, entenderam porque o coração nos ardia no peito, quando ele nos falava pelo caminho (v. 32 NAA). Poder-se-ia afirmar com toda a certeza que os seus corações arderam não somente quando o ouviram falar, mas também enquanto eles falavam e caminhavam com Jesus. A troca de cuidados (diaconia) faz arder o coração e fermenta a cura das chagas e das dores que carregamos. Jesus faz esse ardor acontecer.

A reação deles diante de tão grande (re)encontro é bonita. Eles vencem o cansaço da caminhada do final da tarde e se colocam a caminho de volta a Jerusalém. A novidade não cabia neles, precisava ser compartilhada. Experiências diaconais precisam ser celebradas em comunidade. O grupo de discípulos representa essa comunhão celebrativa e curadora de irmãos e irmãs na fé. A experiência diaconal precisa passar pela celebração comunitária, assim ela recebe significado e é retroalimentada.

3. Meditação

Fica conosco, porque é tarde, e o dia já declina: um convite diaconal, de cuidado, de proteção, de acolhimento e de hospitalidade. Esse gesto/convite é fruto de alguém que sente seu coração arder. Somente alguém que foi tocado pela Palavra produz essa diaconia da hospitalidade.

O convite parte do coração grato de quem recebeu consolo e esperança nas palavras ditas por aquele caminhante que, inicialmente, parecia desavisado ou desatualizado dos acontecimentos trágicos ocorridos em Jerusalém.

Esse gesto/convite sempre mexeu comigo de uma forma diferente, desde tenra idade. Porque toda vez que ouço ou leio essa palavra, lembro que já fui “diaconado” e hospedado de uma forma muito parecida. Compartilho, aqui, a minha experiência.

Nasci e cresci em uma localidade à beira do rio Turvo, no interior de Três Passos/RS. O rio Turvo é de tamanho médio, mas muito perigoso por causa da correnteza da água. A travessia do rio era feita por canoas. Havia vizinhos que faziam o trabalho de travessia. Certo dia, fui com meu pai a uma casa comercial no lado oposto do rio. Eu tinha em torno de sete anos na época. Saímos no meio da tarde e a previsão era voltar antes do anoitecer. No entanto, a pessoa que deveria atender o meu pai demorou e isso atrasou muito a nossa volta. Para voltar, andamos a pé e, quando chegamos ao rio, para a travessia, já era noite. Chegamos à casa do seu Laufer, que, por coincidência, é filho da parteira que me trouxe ao mundo. Seu Laufer disse: “Mas, Alindo (era assim que chamam o meu pai, Arlindo), está escuro e o rio está forte hoje. Você está com o seu filho. É melhor vocês ficarem aqui. A gente chama o vizinho do outro lado para ele avisar a sua esposa. Amanhã, bem cedo, atravessamos”. Depois de insistir, ele acabou convencendo o meu pai. Hoje penso que foi a forma que ele usou para dizer a nós a mesma palavra que Jesus ouviu dos dois caminhantes: Fica conosco, porque é tarde, e o dia já declina. Em pouco tempo, a Frau Laufer pegou um galo, o marido havia preparado um chimarrão e depois de um tempo estávamos jantando, à luz de um liquinho, pois a energia elétrica não havia chegado ainda naquele lugar. Confesso que até hoje, quando fecho os olhos e lembro aquela noite, sinto o gosto da sopa de frango e da galinhada servidas. Até hoje não sei se o gosto ficou na minha lembrança porque a comida da Frau Laufer realmente estava ímpar, se eu que estava com muita fome ou se esse é o gosto da gratidão. Acho que esse é o gosto de quem experimenta o doce sabor de ser diaconado, da pessoa que recebe o convite: Fica conosco, porque é tarde, e o dia já declina.

Em gestos de diaconia acolhedora é que se reconhece o Jesus ressurreto. Não só no gesto de partilhar o pão, mas em colocar-se inteiramente ao lado de quem necessita. As necessidades podem ser momentâneas ou duradouras: as primeiras são semelhantes àquelas apresentadas no texto e a que vivenciei com o meu pai, na casa dos Laufer; as outras são mais delicadas, pois precisam de acompanhamento de longo prazo – geralmente são situações de pobreza ou de saúde fragilizada. Na diaconia do acolhimento está presente: Sempre que o fizeram a um destes meus pequeninos irmãos, foi a mim que o fizeram (Mt 25.40 NAA).

Vivemos em uma sociedade complicada, individualista e, por vezes, perigosa demais para dizer fica conosco, porque é tarde, e o dia já declina. Nesses tempos conturbados, é necessário atualizar a diaconia do acolhimento, a fim de não correr riscos, mas, especialmente, para não ser insensível diante das reais necessidades que estão em nossa volta, em nossa rua, na porta de nossa casa.

O que não muda, no entanto, é a base da nossa ação diaconal em dizer fica conosco, porque é tarde, e o dia já declina, porque só somos capazes de fazê-lo se o nosso coração arder. E a presença de Jesus, hoje, por meio do Espírito Santo, é que realiza essa obra em nós. Isso é graça, é agir gracioso de Deus em nós. Em resposta de gratidão somos desafiados a abrir nossos braços, corações e portas.

4. Imagens para a prédica

Eu gosto de ouvir e contar histórias. A neurociência explica o fato de as pessoas gostarem de ouvir histórias contextualizadas com a sua realidade. No entanto, penso que é necessário ter muito cuidado para não transformar a pregação em um remendo de histórias. Elas podem dar a impressão (e, muitas vezes, de forma correta) de uma pregação bastante rasa teologicamente. Portanto cuidado!

O texto bíblico proposto para a pregação é bastante plástico. Pode ser lido e, depois, durante a pregação, ser recontado, colocando a análise e a reflexão exegética e teológica. Eu faria isso. O presente estudo que apresento, na parte da exegese, traz subsídios para contar a história, destacando os principais pontos e refletindo a partir deles.

O tema do domingo, Dia Nacional da Diaconia, deve aparecer. A Misericordias Domini precisa aparecer bem forte na celebração deste dia e, como destaquei acima, o conjunto de textos nos dá subsídios teologicamente sólidos para a temática do serviço, do acolhimento, da hospitalidade, da diaconia.

Se for do seu agrado, penso que a história que compartilhei acima se adapta muito bem para exemplificar, na prática, o que o texto bíblico nos traz. A história faz uma ligação entre o texto bíblico, a prática diaconal do acolhimento e a vivência do mandamento do amor decorrente do batismo.

Imagino que com esse conjunto de fatores tem-se condições de elaborar uma boa pregação: profunda teologicamente, mas leve e simples para a pessoa que vai participar da celebração.

5. Subsídios litúrgicos

Penso que a celebração do Dia Nacional da Diaconia precisa receber um destaque na vida comunitária, especialmente no mundo individualista em que vivemos e, nos últimos tempos, mais preconceituoso e intolerante.

O texto bíblico, com sua plasticidade, permite preparar um ambiente muito especial para a celebração. A estética da preparação não pode ser descuidada nem deve se sobrepor ao evangelho. A partir do Evangelho de Cristo, o central, o ambiente precisa ressaltar a mensagem de salvação.

Proponho que se faça um caminho pelo qual as pessoas necessariamente tenham que passar para entrar no templo para a celebração. Pensando no caminho que os dois (três) caminhantes fizeram, pode-se colocar placas com palavras significativas para a reflexão sobre a caminhada da vida, sobre o texto bíblico e sobre a diaconia do acolhimento (fica conosco). Esse caminho pode passar pela pia batismal (lembrando o texto bíblico de Atos) e culminar na cruz (textos de 1 Pedro e, especialmente, de Lucas). Durante a celebração, trocam-se as placas com algumas palavras de envio, para serem lidas na saída do templo.

Sugestões de hinos
LCI 564: Dá-nos olhos claros
LCI 567: Canção do cuidado
LCI 568: Nem só palavra é amor
LCI 571: Viver com Jesus é cantar
O Povo Canta 112: No caminho de Emaús

Bibliografia

BÍBLIA SAGRADA. Nova Almeida Atualizada. Barueri/SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2017.


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Autor(a): Eloir Enio Weber
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Páscoa
Perfil do Domingo: 3º Domingo da Páscoa
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 24 / Versículo Inicial: 13 / Versículo Final: 35
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2019 / Volume: 44
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 54656

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