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ID: 2690

Lucas 11.1-13

Auxílio Homilético

28/07/2019

 

Prédica: Lucas 11.1-13
Leituras: Salmo 138 e Colossenses 2.6-15(16-19)
Autoria: Eduardo Paulo Stauder
Data Litúrgica: 7º. Domingo após Pentecostes
Data da Pregação: 28 de julho de 2019
Proclamar Libertação - Volume: XLIII

Ensina-nos a orar

1. Introdução

Os textos deste domingo nos chamam ao exercício de uma espiritualidade comprometida com o reino de Deus. A fé é um exercício diário, no qual fortalecemos nossa união com Deus para uma vivência ética e comunitária.

O texto de Lucas 11.1-13 inicia com um pedido dos discípulos a Jesus: “ensina-nos a orar”. Em resposta, Jesus ensina a oração do Pai-Nosso. Por meio dessa oração, Jesus apresenta a essência da sua mensagem. É significativo que a essência da mensagem de Jesus não vem formulada numa doutrina, mas numa oração (Boff, 1979, p. 16).

O Salmo 138 é uma oração de gratidão. O salmista reafirma sua confiança de que Deus o ouve, atende e fortalece. Mas essa ação de Deus não acontece para satisfazer a vontade de quem ora. O salmista reconhece que o nome de Deus e suas promessas estão acima de tudo. Deus age com misericórdia. Ele se interessa pelos humildes. As promessas de Deus fazem as pessoas se colocarem diante dele em gratidão. O salmista termina com um pedido: não abandones o trabalho que começaste.

Colossenses 2.6-15(16-19) chama as pessoas cristãs a viverem unidas com Cristo. Essa união precisa ser exercitada, trabalhada e buscada constantemente. Ela acontece em meio a conflitos, exigindo discernimento diante das propostas religiosas e ideológicas que estão presentes no contexto da comunidade de Colossos. Manter a liberdade, que o cristão recebe por meio da morte de Cristo na cruz, é uma tarefa exigente diante de um mundo que corrompe e escraviza.

2. Exegese

O Evangelho de Lucas destina-se a pequenas comunidades, localizadas nas periferias das grandes cidades ligadas ao Império Romano, num contexto de forte contraste social e marginalização da mulher. As comunidades agrupavam pessoas que não vinham da tradição judaica (Mosconi, 1991, p. 32).

Lucas 11.1-13 pode ser compreendido como um catecismo que trata da oração, destinado a pagãos que não oram e devem ser iniciados na oração (Boff, 1979, p. 30). Esse catecismo é antecedido pelo ensinamento do amor ao próximo (Lc 10.25-28), por meio do exemplo prático da solidariedade do samaritano (Lc 10.29-37), e se estende para as mulheres que têm valorizado o seu direito ao aprendizado e ao testemunho (Lc 10.38-42). O cultivo do amor, da diaconia e do discipulado introduz o ensino da oração.

Após as orientações de Jesus sobre a oração, temos o relato da expulsão de um demônio de uma pessoa muda (Lc 11.14-22) e surge o questionamento em nome de quem Jesus realiza suas ações. A oração fortalece a comunhão com Deus para que Jesus, em seu agir, já torne presente o reino de Deus.

Lucas 11.1-13 é uma unidade temática, mas não é um texto único. Essa unidade apresenta quatro partes. É significativo que a busca pelo direito de comer está no pano de fundo dessa unidade. Os v. 1-4 apresentam uma introdução com o pedido “ensina-nos a orar”, seguida da oração do Pai-Nosso, que apresenta cinco pedidos, tendo no seu centro o pedido pelo pão necessário para cada dia. Os v. 5-8 trazem uma parábola na qual alguém bate de noite à porta de um vizinho, pedindo por pão para a visita que chegou. Os v. 9-10 são um apelo à oração. Os v. 11-13 fazem uma comparação entre o pedido na oração e como um pai atende os filhos e as filhas que pedem por comida (Jeremias, 1977, p. 297).

Jesus ensina a orar (v. 1-4) – Jesus termina sua oração e um dos discípulos pede que ele lhes ensine a orar como João ensinou a seus discípulos. A comparação com João revela que a intenção não era simplesmente a de aprender como orar, mas de que Jesus ensinasse uma oração que os identificasse como grupo. Era um costume comum um rabino ensinar aos discípulos uma oração que usassem habitualmente. Jesus ensina a oração do Pai-Nosso, que apresenta um resumo da sua mensagem e confere ao grupo dos discípulos e discípulas uma identidade e unidade.

A oração do Pai-Nosso servia para uso litúrgico nas comunidades. Ela tem uma construção poética, com ritmo e rima, para ser orada, alto, pela comunidade. Essa oração tem um sentido comunitário, mas que também pode ser refletida de forma pessoal (Gass, 2012, p. 5).

Os manuscritos do Evangelho de Lucas apresentam diferenças na formulação do Pai-Nosso. Muitos trazem acréscimos, deixando o texto de Lucas e Mateus mais próximos. (Uma comparação entre o Pai-Nosso em Mateus e Lucas se encontra no estudo sobre Mateus 6.9, por Verner Hoefelmann, no Proclamar Libertação 39. Os manuscritos procuravam aproximar o texto escrito com a forma como as comunidades oravam o Pai-Nosso. Apesar da discordância entre manuscritos, as traduções em português buscam traduzir o Pai-Nosso de forma breve, com cinco petições. Surgem pequenas divergências, como na Tradução de Almeida Revista e Corrigida, de 1995, que acrescenta no final da oração: “mas livra-nos do mal”.

A primeira parte da oração do Pai-Nosso diz respeito à causa de Deus: o Pai, a santificação de seu nome, seu reino. Jesus se dirige a Deus como pai, Abba, um paizinho querido, mas o pronome nosso é suprimido (v. 2b).

A segunda parte está voltada para nós: o pão necessário, o perdão como costura das rupturas, a tentação que se faz presente. Ambas as partes se complementam: o olhar para Deus e o olhar para a nossa realidade.

Chama atenção que, ao pedir pelo perdão (v. 4), se fala primeiro em pecado e depois em dívidas. Para os judeus, o perdão das dívidas era sinal de esperança, pois relembrava o Ano do Jubileu (Lv 25.8-16), mas os não judeus não conheciam esse significado. Por esse motivo deve ter-se substituído “dívida” – ofeilē – por “pecado” – hamartia (Gass, 2012, p. 52).

A parábola do amigo inconveniente (v. 5-8) – A parábola inicia confrontando os ouvintes com a pergunta: Qual dentre vós? Essa pergunta faz os ouvintes refletirem sobre como se comportariam. Iriam ou não importunar o vizinho para
conseguir o pão para o visitante?

O v. 8 apresenta uma conclusão da parábola. É dito, conforme a Bíblia na Linguagem de Hoje: [...] mas certamente ele se levantará por causa da insistência dele. Na tradução de Almeida Revista e Corrigida, está traduzido como levantar-se-á, todavia, por causa da sua importunação. No grego, a palavra anaideia é traduzida por insistência ou importunação. Numa tradução literal, significa “ausência de vergonha”. É preciso deixar a vergonha de lado para bater de noite na porta do vizinho.

A parábola revela uma situação social de poucos recursos. As famílias têm o suficiente para cada dia. Também revela a existência do valor da hospitalidade e da ajuda mútua. Apesar disso, o vizinho atende quem bate à sua porta não por amizade, mas para que pare com a importunação. A parábola estabelece uma relação com Deus que não é de subserviência, mas que desafia a irmos até o limite do constrangedor (Schottroff, 2007, p. 238).

Deus escuta (v. 9-10) – Aqui temos uma breve sentença no estilo de um provérbio, que provém da experiência do mendigo. Para receber a esmola, o mendigo precisa ser firme e persistente no pedido e não ter medo de ouvir palavras duras. Essa tenacidade do mendigo ensina a ter perseverança na oração (Jeremias, 2007, p. 161).

Pedir o essencial (v. 11-13) – Jesus estabelece uma comparação entre a atitude de um pai e a de Deus. Assim como os pais não negam pão e peixe a seus filhos e filhas, Deus, como nosso Pai celeste, atenderá nossas necessidades. Jesus recomenda que peçamos ao Pai o Espírito Santo, pois é dele que precisamos de fato.

3. Meditação

“Ensina-nos a orar.” A prática da oração precisa ser ensinada. Se nós não ensinarmos, nossas comunidades aprenderão em outros lugares, por meio da TV ou da internet, colocando diante de si um copo de água ou manipulando Deus para que seus pedidos sejam atendidos. A própria oração do Pai-Nosso será que é compreendida ou apenas repetida?

A oração pode acontecer de uma forma pessoal, mas ela sempre terá igualmente uma dimensão comunitária. Não somos indivíduos solitários, fazemos parte do corpo de Cristo. Dirigimo-nos a Deus como Pai nosso. Assim, criamos uma identidade que nos une como comunidade de fé em torno da proposta de Jesus.

Os pedidos no Pai-Nosso iniciam com Deus e em seguida passam para as nossas necessidades. É a partir da ótica de Deus que nós olhamos para a nossa realidade. E é de dentro da nossa realidade, marcada por aflições e sofrimentos, que nos preocupamos com Deus. No centro da oração do Pai-Nosso temos o pedido pelo pão necessário para cada dia. Esse pedido produz uma virada na oração. Nosso olhar inicia se dirigindo ao céu, à realidade de Deus como Pai, que deve ser sempre santificado, e ao reino que deve vir. Com o pedido pelo pão, nosso olhar se lança em nova direção. Olhamos para a terra, para nossas necessidades. Na oração do Pai-Nosso, vamos ao encontro de Deus, carregando nossa fome, nossas dívidas.

Os pedidos na oração do Pai-Nosso vão crescendo de intensidade e culminam num grito de angústia: Não nos deixeis cair em tentação! Nós caímos, facilmente escorregamos, traímos a esperança e, assim, nos perdemos (Boff, 1979, p. 119). Apesar da nossa aflição, Deus continua Pai nosso. A maldade do mundo e a bondade de Deus são acolhidas juntamente na nossa fé. Não ficamos presos ao desejo de proteção, achando que nenhum mal pode nos acontecer. A oração do Pai-Nosso nos ensina a viver em liberdade, assim como Jesus viveu a fé confiando em Deus mesmo na desesperança da cruz (Boff, 1979, p. 46).

A parábola do amigo inconveniente (v. 5-8) reafirma nossa relação com Deus como filhos e filhas. Deus não é um senhor distante e inacessível. Ele é abba, paizinho querido. Não precisamos ter medo nem vergonha de nos dirigir a Deus. Podemos importuná-lo. Nos momentos de fraqueza, de aflição, de pobreza, as pessoas se sentem diminuídas, pequenas. Algumas chegam a pensar que não servem mais para nada, que são incapazes. Então silenciam e até deixam de buscar ajuda ou de lutar pela superação dos seus problemas. Essa parábola vai ao encontro dessas pessoas como que dizendo: “Animem-se, não tenham medo nem vergonha de falar das suas dores, angústias e aflições. Deus te ouve e vem ao teu encontro”. Na oração, aprendemos a romper com o silêncio e a falar das nossas dores.

A oração capacita-nos a reconhecer nossas necessidades e angústias e nos move a falar com Deus sobre nossas misérias. Aprendemos a olhar para a vida reconhecendo as dores deste mundo e que não estamos sozinhos diante delas.

A oração ensina-nos a coragem dos mendigos, que expõem sua miséria diante dos outros e estendem a mão vazia, revelando toda a sua fragilidade e o quanto são dependentes da ajuda dos outros. Reconhecendo nossa miséria e nossa dependência de Deus, nós falamos: todos aqueles que pedem recebem; aqueles que procuram acham; e a porta será aberta para quem bate.

Mas será que vale pedir tudo a Deus em oração? Temos que lembrar o último pedido da oração do Pai-Nosso: não nos deixes cair em tentação. Constantemente vemos pessoas colocando em oração a busca pelo sucesso: carro, apartamento, empreendimento. Não basta o pão para cada dia. Querem que Deus abra as portas trancadas para que sejam bem-sucedidas e fiquem ricas. Diante desses pedidos, temos que lembrar a dimensão comunitária da oração. Na nossa relação com Deus não prevalece o individualismo. Chegamos diante de Deus como parte do corpo de Cristo. Nosso sucesso não é a conquista pessoal de riqueza ou de fama. Nosso sucesso está na vinda do reino de Deus.

Temos a promessa de que Deus dará o Espírito Santo aos que lhe pedirem. A oração está ligada ao dom do Espírito, que vem como dom gratuito. Esse dom não se merece, mas se pede. A comunidade primitiva experimentou essa presença do Espírito Santo, que a moveu a partir o pão de casa em casa (At 2.42) e a se organizar para que entre eles não houvesse nenhum necessitado (At 4.34). O direito de comer é um ideal de Deus para o qual o Espírito Santo nos mobiliza.

4. Imagens para a prédica

O texto abre diversas possibilidades de abordagem. O estudo de Manfredo Wachs, no Proclamar Libertação 29, aponta diversos caminhos para a elaboração da pregação.

A carta que Martim Lutero escreveu a Pedro Barbeiro sobre a oração, “Como se deve orar, para o mestre Pedro Barbeiro”, apresenta uma reflexão que nos incentiva a orar dialogando com a oração do Pai-Nosso. Essa reflexão nos ensina a orar relacionando a fé e a vida.

Diante de Deus, chegamos com nossos pedidos, que revelam nossas carências e nossos desejos. Como ligar nossos pedidos com o pedido pelo dom do Espírito Santo (v. 13)? Lembrei a imagem de uma mulher escolhendo o feijão, como no final do filme “Eles não usam black tie”, de 1981, baseado em peça homônima de Gianfrancesco Guarnieri. A mulher espalha os grãos do feijão sobre a mesa para escolher aqueles que vão para a panela. Quando oramos, estamos como essa mulher diante do feijão. Estamos diante da fome, da nossa necessidade de comer, das nossas lutas diárias. Muitos são nossos pedidos, nossas necessidades. Precisamos do Espírito Santo para selecioná-los. Assim como o feijão é comida essencial, o Espírito Santo também é fundamental. O feijão que vai para a panela dá uma comida gostosa. Os pedidos que colocamos diante de Deus, quando o Espírito Santo nos conduz, nos unem como comunidade e nos conduzem para o reino de Deus. Selecionamos os pedidos para que tenhamos comida boa na mesa.

5. Subsídios litúrgicos

Distribuir, no culto, orações que poderão ser levadas para fazerem parte do exercício pessoal de cada um e para serem ensinadas e lidas em família. Lembro a oração da manhã e da noite de Martim Lutero, da Oração do Cuidado de Rodolfo Gaede Neto. Evandro Jair Meurer, no Proclamar Libertação 37, também sugere a declamação da Oração do Matuto, de autoria de Fátima Irene Pinto.

Na bênção final, podemos retomar os pedidos da oração do Pai-Nosso.

Que o nosso Deus, amoroso como uma mãe e bondoso como um pai, te abençoe!
Ele te dê um coração puro para seguir pelo caminho da verdade e da vida superando as tentações.
Ele te dê perdão, para que tu perdoes, reconstruindo relações rompidas e promovendo justiça.
Ele te dê o pão necessário para cada novo dia,
para que tu vivas em gratidão e generosidade, partilhando os bens.
Que Deus te dê o Espírito Santo, para que o seu reino se faça presente.
Que o nome de Deus permaneça santo para que na tua vida haja paz.
Amém!

Bibliografia

BOFF, Leonardo. O Pai-nosso: a oração da libertação integral. Petrópolis: Vozes, 1979.
GASS, Ildo Bohn. A oração de Jesus. São Leopoldo: CEBI, 2012. (Série A palavra na vida, n. 300).
HOEFELMANN, Verner. Mateus 6.9. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal; EST. v. 39, p. 351-358. Disponível em: .
JEREMIAS, Joachim. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1977.
JEREMIAS, Joachim. As parábolas de Jesus. 10. ed. São Paulo: Paulus, 2007.
MEURER, Evandro Jair. 10º Domingo após Pentecostes – Lucas 11.1-12. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal; EST. v. 37, p. 229-235. Disponível em: .
MOSCONI, Luís. Leitura segundo Lucas – Pistas para uma leitura contemplativa, espiritual e militante. São Leopoldo: CEBI, 1991. (Serie Palavra na vida, n. 43/44).
SCHOTTROFF, Luise. As Parábolas de Jesus – uma Nova Hermenêutica. São Leopoldo: Sinodal, 2007.
WACHS, Manfredo. 10º Domingo Após Pentecostes – Lucas 11.1-13. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal; EST. v. 29, p. 223-227. Disponível em: .


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Autor(a): Eduardo Paulo Stauder
Âmbito: IECLB
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2018 / Volume: 43
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 50303

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Assim diz o Senhor: Não se glorie o sábio na sua sabedoria nem o forte na sua força nem o rico nas suas riquezas, mas o que se gloriar, glorie-se nisto: em me conhecer e saber que Eu sou o Senhor e faço misericórdia.
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