Prédica: João 11.47-53
Autor: Valdemar Lückemeyer
Data Litúrgica: Domingo Judica
Data da Pregação: 20/03/1983
Proclamar Libertação - Volume: VIII
I — Reflexões introdutórias
Até que ponto o domingo, ou então a época do ano eclesiástico deve influir no conteúdo da pregação de um texto bíblico, não me está bem claro. Concretizo esta pergunta: o nosso texto, sendo pregado fora da época da Paixão (o que é perfeitamente possível), receberá outra conotação teológica? Transmitirá outro conteúdo? É claro que não!
O texto cabe bem na época da Paixão, pois Jesus está a caminho da cruz. As autoridades decretaram o que há muito já ansiavam (cf. Jo 5.18; 7.1; 8.40): ele deve morrer! A partir deste momento, portanto, nada mais impede que ele seja morto.
O nosso domingo (Judica = faze-me justiça, ó Deus, cf. SI 43.1) pode levantar uma relação entre a justiça de Deus e a do sinédrio que condena Jesus. Esta relação pode ser fortalecida na medida em que procurarmos, motivados pelo texto, analisar a justiça dos homens à luz da justiça de Deus. Penso, porém, que o próprio texto fala suficientemente claro, mesmo nesta delimitação dos vv. 47 a 53. É possível incluir no texto os vv.45 e 46, pois eles dão o motivo da convocação do sinédrio e não alteram em nada a mensagem do texto.
II — Observações exegéticas
V.47: O sinédrio, presidido pelo sumo sacerdote, certamente podia ser convocado pelos seus componentes. Aqui, os principais sacerdotes e os fariseus, que eram o grupo mais expressivo no sinédrio, convocam uma reunião para decidir sobre um assunto, a seu ver, meramente secular.
Este homem, forma depreciativa para designar Jesus, está sendo acusado pelos seus muitos sinais que vem operando, e não só pela ressurreição de Lázaro, que motivou a reunião. As suas constantes transgressões da lei, antes motivo de muitas acusações, nem são mais mencionadas, agora. De momento, o seu crime está na influência que vem tendo e adquirindo cada vez mais junto ao povo.
V.48: TON TOPON — o lugar, é designação tanto para a cidade santa, isto é, Jerusalém, quanto para a residência do sinédrio, ou ainda especificamente para o templo.
Não é possível descobrir até que ponto é verdadeira a justificativa de que os romanos, que detinham o poder e a soberania em Israel, poderiam retomar o comando total e geral sobre todo o povo ( = nação). Em todo o caso, havia fortes indícios de um levante de cunho politico-messiânico já outrora manifestado (cf. 6.15).
V.49: Tem-se a impressão de que o sumo sacerdote era escolhido anualmente, o que não confere. Naquele ano apenas quer ressaltar a anormalidade do referido ano, pois Caifás exerceu por mais anos essa função de sumo sacerdote e presidente do sinédrio.
V.50: LAOS é o povo de Deus e ETNOS é o povo de um território, ou seja, uma nação.
Vv.51-52: Os profetas tinham a capacidade de falar não de si, ou seja, inspirados e orientados por Deus. Este mesmo dom era dado aos sumos sacerdotes. Os filhos de Deus dispersos provavelmente são as outras ovelhas (cf. 10.16) que o pastor precisará reunir num só rebanho. Este rebanho será reunido não geograficamente, mas sob o comando e a voz do mesmo pastor.
V.53: A condenação finalmente é proferida, pois já há muito tempo ela interessava aos lideres (p ex . 5.18; 7.1; 8.40).
III — Meditação
A ressurreição de Lázaro, além de ser o milagre mais eloquente, é também o motivo derradeiro para que as autoridades constituídas, isto é, o sinédrio (liderado pelos fariseus!), se sentissem suficientemente amparadas pela lei para decretar que Jesus deveria ser morto. Afirmava-se que a segurança nacional estaria ameaçada e o templo, santuário nacional e área de interesse, poderia vir a ser destruído. Esta preocupação, que em última análise reflete apenas a preocupação pela manutenção do status quo, a preocupação pela garantia do poder constituído, é interesseira. O interesse maior é o nosso lugar, e, para defendê-lo, o interesse pela segurança da nação é um ótimo álibi.
O bem comum, pois, leva o sinédrio a agir. Mas a grande surpresa é que ele não sabia o que fazer! Justamente o sinédrio, que estava aí para agir e decidir, não sabe o que fazer diante de um caso concreto que o preocupa. O sinédrio não sabe o que fazer e Jesus é acusado por fazer muito. De um lado, alguém que sabe o que faz e, do outro, alguém que também deveria saber e ter a perspicácia suficiente para ver o que deveria ser feito, mas se pergunta o que fazer.
Esta pergunta traz inquietação e, conseqüentemente, insegurança. De um lado, Jesus agindo e anunciando o irromper do Reino de Deus e, do outro, o sinédrio que não entendeu que o seu reino não é deste mundo. De um lado, Jesus chamando pessoas à vida, dando-lhes nova vida para que glorificassem a Deus e, de outro, um grupo de pessoas que lutava para obter sua própria glória.
Este posicionamento do sinédrio o leva a procurar por uma resposta política para uma questão que nada tem de política, embora o povo quisesse proclamar Jesus como seu rei já por diversas vezes (veja, p.ex., em João: 1.49; 6.15; 12.15). A aceitação ou, então, a rejeição da pregação de Jesus traz consequências políticas bem claras e corajosas, mas, o que o sinédrio não percebe (e como poderia?), é que as trevas se opõem à luz, ou que a morte se opõe à vida. O mundo (cf. dualismo de João) se defende, e para isso faz uso de sua sabedoria e de seus recursos que são egoístas.
A profecia de Caifás, difícil aliás de ser entendida, aponta para a morte expiatória de Jesus: Jesus morre em favor de todos, tanto dos filhos de Deus quanto dos afastados e dispersos. No seu todo, o evangelista prefere acentuar que a morte de Jesus foi consequência do seu agir.
Jesus cumpre totalmente sua missão, inclusive na sua morte. Com esta, ele reúne todos num só grande rebanho (Jo 10.16). Vir a ele, segui-lo, significa, pois, pertencer ao povo de Deus, que agora tem novas dimensões. Não são mais as divisas e limites geográficos ou nacionais, nem as divisas étnicas, que incluem ou excluem o indivíduo do povo de Deus. Todos reunidos formarão o corpo, através do qual Deus será servido. Não há mais, portanto, culto a Deus fora de Jesus — ele é o novo santuário, o novo templo.
IV — Nossa gente e o texto
Procurei estudar o texto com dois grupos na comunidade. Os dois grupos são mais ou menos homogêneos: de bairro, operários, a família toda participa. Lemos o texto e partimos da pergunta: O que será que este texto nos quer ensinar? Surgiram perguntas sobre o significado da profecia de Caifás, mas a discussão se concentrou na atuação do sinédrio. Resumo aqui as principais manifestações (normalmente elas eram introduzidas pelo humilde eu acho ou eu não sei, mas penso que...):
Estas autoridades foram egoístas e vingativas, porque elas queriam o poder só para si. Como estava surgindo uma outra autoridade, elas queriam se vingar. Hoje elas iriam sequestrar, iriam desaparecer com o sujeito. — Eles queriam ficar no seu lugar, não queriam perder a sua posição. Igual a hoje: ninguém quer perder o seu lugar.
Por isso precisam ameaçar! — A elite estava pensando assim. Mas eu gostaria de saber como pensava o povo? — O que estava em logo aqui era o poder deles. Eles iam perdendo cada vez mais o povo e, por isso, tinham que fazer alguma coisa. — Mas se eles estavam agindo certo, porque iam se preocupar? Quem faz certo, não precisa se preocupar. — Jesus estava conquistando o povo para o seu lado e talvez ia dar revolução. Então eles queriam proibir isso. — Jesus fez milagres grandes. Está ai, antes, a ressurreição de Lázaro. Eles sabiam que ele era importante.
V — A prédica
A prédica certamente precisará refletir pontos ao dualismo joanino. E, vendo o contexto maior, a prédica sobre este nosso texto pode mostrar o seguinte: diante de Jesus o mundo se divide; a comunidade, no entanto, se une.
Isto pode ser desdobrado em duas partes:
1. O interesse dos homens (do mundo)
— poder,
— luta pelo status quo,
— afastamento de questionadores,
— garantia do próprio reino.
2. O interesse de Jesus
— chamar para o seu Reino,
— unir todos num só rebanho (corpo),
— fazer tudo pelos seus.
Vale lembrar também na prédica que este homem malvisto e condenado pelas autoridades, este mesmo, é o nosso Senhor. E seus ensinamentos continuam inquietantes. hoje?
VI — Subsídios litúrgicos
1. Confissão de pecado: Senhor, nosso Deus e Pai. Como é bom poder chegar diante de ti e te falar de tudo o que pesa sobre os nossos ombros e sobre os nossos corações. Há tanta coisa que foi feita mal nesta semana que passou o que agora, quando estamos como tua comunidade diante de ti, pesam sobre nós. Nós procuramos garantir a nossa situação, procuramos fortalecer a nossa vida, procuramos tirar o máximo de proveito apenas para nós. Fomos egoístas. Mais uma vez não fomos como tu nos querias. Ouve-nos agora e perdoa-nos, quando te pedimos: tem piedade de nós. Senhor!
2. Oração de coleta: Senhor, nós queremos te agradecer por esta hora contigo. Certamente ela será a hora mais importante de todo este dia de descanso. Por isso ajuda-nos para que te ouçamos com toda atenção. Ajuda-nos para que, ao sairmos daqui, contemos decididamente contigo em nossas vidas, e usa-nos também como teus instrumentos. Por Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador. Amém.
3. Oração final: Senhor, nosso Deus. Esta hora passou depressa para alguns de nós; para outros ela foi longa. Mas para todos nós ela foi muito importante. E agora, antes de seguirmos novamente os nossos caminhos, queremos e precisamos te agradecer e também pedir por muitas coisas. Queremos te agradecer por tudo que tu fizeste por nós até o dia de hoje: pelo presente da vida, por tua proteção e cuidado, dando-nos a tua Palavra, alimento, vestimenta e condições de trabalho. Queremos também te agradecer porque tu nos aceitas como teus filhos, e queres que todos pertençam ao teu rebanho. E queremos te pedir, Senhor, que nos acompanhes hoje e também na nova semana. Ajuda-nos para que não nos levemos tão a sério. Que não nos preocupemos apenas conosco mesmos. Tu esperas e queres que nós confiemos em primeiro lugar em ti e na tua justiça. Lembra-nos disto no decorrer desta nova semana. Anima-nos também para que nos coloquemos contra tudo o que não for do teu agrado. Fica com nossos governantes, para que eles possam governar bem. Se com todos que lutam por paz e justiça. Sê com nossos doentes e com as pessoas idosas da nossa comunidade. Abençoa também as decisões e o trabalho da nossa diretoria, bem como o trabalho de todos os setores na nossa comunidade. Por Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador. Amém.
VII — Bibliografia
- BULTMANN, R. Das Evangelium des Johannes. In: Kritisch-exegetischer Kommentar über das Neue Testament. Parte II. 11. ed. Göttingen, 1950.
- ——. Theologie des Neuen Testaments. 6. ed. Tübingen, 1968.
- SURKAU, H.W. Meditação sobre João 11.47-57. Göttinger Predigtmeditationen, Göttingen, 11(56/57): 97-101, 1956.
- WEISS, B. Das Evangelium des Johannes. In: Kritisch-exegetisches Handbuch. 6. ed. Göttingen, 1880.