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ID: 2690

Filipenses 3.4b-14 - 5º Domingo na Quaresma - 03/04/2022

Auxílio Homilético

03/04/2022

Prédica: Filipenses 3.4b-14
Leituras: Isaías 43.16-21 e João 12.1-8
Autoria: Kurt Rieck
Data Litúrgica: 5º Domingo na Quaresma
Data da Pregação: 03/04/2022
Proclamar Libertação - Volume: XLVI

A corrida da vida

1. Introdução

Faltam sete dias para a Semana Santa. Preparamo-nos para festejar a vitória da ressurreição e suas consequências. As palavras escritas por Paulo aos filipenses expressam a ruptura com seu passado relevante e um novo direcionamento de vida provocado graças ao encontro que o Cristo ressurreto teve com ele. [...] esquecendo-me das coisas que para trás ficam [...] (v. 13).

Isaías 43.16-21 é o retrato da superação de histórias passadas, vislumbrando o totalmente novo, repleto de boas novas que são possíveis graças à ação de Deus em favor do seu povo. Não vos lembreis das coisas passadas (v. 18).

A leitura do evangelho é indispensável. João 12.1-8 descreve um acontecimento extravagante ocorrido poucos dias antes da Páscoa. Maria unge os pés de Jesus com precioso perfume, prefigurando sua morte e seu sepultamento. Segue a ressurreição, acontecimento que gera o novo na história humana. O Messias fora ungido por uma mulher. O Cristo estava sendo reconhecido.

2. Exegese

Filipos! Nessa cidade surge a primeira comunidade cristã na Europa (At 16), fundada por Paulo na segunda viagem missionária.

Precisamos inicialmente fazer referência aos versículos 2 e 3 deste capítulo, pois se trata de importante chave hermenêutica para o entendimento do texto em estudo. Paulo faz uma veemente crítica aos “maus obreiros”, por defenderem a prática da circuncisão como se fosse rito a ser observado na fé cristã. É dessa crítica que surge o argumento do apóstolo, que traz consigo uma gama de informações históricas colocando luz sobre seu passado.

Autobiografia (v. 4b-7)

Paulo sublinha a pureza absoluta de sua descendência. Judeu de berço, circuncidado ao oitavo dia, conforme determinava a Torá em Gênesis 17.12 e Levítico 12.3. Era da linhagem de Israel, nome dado para Jacó por ter lutado com Deus (Gn 32.28). Sua filiação vinha da tribo de Benjamin, que recebia lugar especial na aristocracia israelita. Benjamin era filho de Raquel, esposa predileta de Jacó. Dos 12 filhos, apenas ele era nascido na terra prometida (Gn 35.17-18). Raquel faleceu no parto de Benjamin. Saul é descendente dessa tribo (1Sm 9.1-2), de quem Paulo recebeu o nome de Saulo. Embora tenha nascido na cidade pagã de Tarso, foi para Jerusalém estudar aos pés de Gamaliel (At 22.3). Ao mencionar que era hebreu de hebreus, referia dominar a língua hebraica (At 21.40). Dentre os segmentos religiosos, Paulo era fariseu, grupo que se distinguia por seu fervor religioso. Designados como “separatistas”, consagravam suas vidas a observar os mínimos detalhes da lei, portanto conhecedor do significado de sua exigência. Os fariseus declaravam-se os espiritualmente corretos do judaísmo.

Saulo era um homem temente a Deus, coerente com a teologia que havia estudado, irrepreensível, inculpável quanto à “justiça que há na lei”. Tratava com todo o “zelo” a sua fé, a ponto de desejar, com o uso da força, banir os adversários da fé judaica (At 8.3). Odiava Cristo e os cristãos.

O termo zēmian significa dano, desvantagem, perda, contrapondo com o termo kerdē forma plural de kerdos, que significa lucros, ganhos, vantagens. Com essas palavras o apóstolo descreve uma radical ruptura que se processou em sua confissão de fé. Tudo o que havia vivido na religião judaica considerou “perda”, embora essa convicção lhe tenha trazido perseguição e sofrimento (At 26.14). A razão é conclamada numa analogia com números e cálculos, ganhos e perdas.

Encontrado por Cristo (v. 8 e 11)

Zēmian reaparece de forma insistente, surgindo a explicação de qual é o ganho recebido. Hypererchon, traduzido por sublimidade, significa “ultrapassar, colocar em elevado nível, exceder, dando a ideia daquilo que é excelente, superior, dotado de extraordinário valor” (CHAMPLIN, 1982, p. 48). Há uma experiência sublime e concreta que radicalmente alterou a sua história de vida, que aconteceu no caminho de Damasco, relatada em Atos 9. A experiência religiosa anterior se tornou skybala, refugo, excremento, “lixo – coisa que deve ser jogada fora, para que deixe de usurpar o lugar que pertence só a Cristo” (WEINGÄRTNER, 1992, p. 79).

Justiça, diakaiosynē, é tema central nas buscas do apóstolo. O que vem a ser “ser justo”? Paulo lutava por um conceito de justiça que se dava no comprimento da lei. Então lhe foi permitido compreender que a relação justa com Deus se dá na fé em Jesus Cristo. O caminho da paz com Deus não é o caminho das obras, do mero cumprimento de leis, mas sim o caminho da graça.

O apóstolo foi encontrado por um valor maior do que aquele que fazia parte de suas convicções. Essa experiência, com sua sistematização minuciosa, encontramos relatada no livro de Romanos 3.21 a 5.21. “Para Paulo, o Cristo de Deus tinha assumido a maldição da lei em lugar do pecador, que não pudera cumpri-la (Gl 3.13)” (WEINGÄRTNER, 1992, p. 80).

“Conhecer” a Cristo é capaz de alterar o curso dos pensamentos. Gnōnai refere-se a um conhecimento pessoal, que se difere de um conhecimento intelectual. Trata-se de uma experiência espiritual ou de fé que uma pessoa tenha experimentado: ganhar a Cristo (v. 8), ser achado nele (v. 9) e mediante a fé em Cristo (v. 9).

Do “poder da ressurreição” – tēn dynamin tēs anastaseōs, Paulo quer ter parte. Para ele “o Ressurreto é sempre o Crucificado, e o Crucificado é sempre o Ressurreto. “Não é lícito separar cruz e ressurreição, pois ambas constituem um único evento salvífico indivisível.” “Conformando-me com ele na sua morte” – symmmorfizomenos. “O termo grego usado contém a raiz morfē. É como se o autor dissesse: “metamorfoseando-me com ele em sua morte, [...] como figura para o morrer e o ressurgir do cristão” (WEINGÄRTNER, 1992, p. 81). O Cristo ressurreto visitou Saulo. Essa experiência teve o poder de mudar o curso de sua história de vida. A fé na ressurreição de Jesus distingue a fé cristã de outras crenças. A fé cristã afirma que, a exemplo de Cristo, a existência não se encerra com a morte humana.

Alvo determinado (v. 12 a 14)

A vida cristã é comparável com a corrida de um atleta que está em andamento. O Messias conquistou Paulo para fazer parte dessa maratona.

Nessa corrida aconteceram e acontecem tropeços. “A perfeição” se dará quando o alvo for alcançado. Essa afirmação estava sendo possivelmente dirigida aos adeptos da filosofia gnóstica, que acreditavam terem alcançado a perfeição.

O que tudo se passa na lembrança do apóstolo ao escrever: esqueço aquilo que fica para trás (NTLH)? A catarse que Cristo fez na vida de Paulo possibilitou uma nova história.

Brabeion é o prêmio concedido em competições esportivas. Essa corrida segue em movimento até a linha da chegada e está relacionada com a justiça que procede de Deus, baseada na fé (v. 9) e com a ressurreição dentre os mortos (v. 11). Não há a hipótese de se acomodar antes do seu final.

“Vocação” – lēseōs é sinônimo de convite. A palavra latina para chamar é vocare. O chamado de Cristo vocaciona e determina a rota da corrida na qual Paulo se encontra. A vocação é soberana, grandiosa, sublime, por se tratar de um chamado divino, força transcendente que lhe põe em movimento.

O chamado de Deus realiza radical mudança na vida do apóstolo Paulo, colocando-o em movimento, em direção a um alvo específico, impulsionado pela fé em Cristo Jesus e sua ressurreição dentre os mortos.

3. Meditação

Mudança radical

Pensem num homem temente a Deus, zeloso com seus dogmas, exemplo de vida religiosa, inteligente, engajado, líder. Esse era Saulo. A mudança ocorre a partir de uma experiência pessoal incontestável.

Perdas e lucros fazem parte do raciocínio de um israelita, não por menos, entre eles estão os mais renomados economistas. É pensando na conta corrente da sua vida que o apóstolo faz seus cálculos, concluindo que o que lhe era lucro tornou-se perda. Perdeu status, títulos, renome. Ganhou a graça de viver por fé no que Cristo fez por ele.

“A qualificação de certas experiências de nosso passado como ‘lixo’ nos ajuda a criar espaço em nosso coração ‘para ganharmos Cristo e sermos encontrados nele’” (WEINGÄRTNER, 1992, p. 79).

De muitas maneiras o ser humano tenta domesticar a Deus. Pode ser por obras, por atos de caridade, pelo cumprimento de ritos e leis. Essa tentação sempre vem à tona. A própria Igreja de Cristo tem suas recaídas e volta a criar artimanhas (muletas) que visam alcançar a salvação pelas próprias mãos.

Conhecer a Cristo proporcionou em Saulo a radical mudança que trouxe luz sobre as suas convicções religiosas. Surgiu de uma experiência relacional. Experimentou pessoalmente o poder da ressurreição, participando no sofrimento de Cristo.

Fé em Cristo

Há uma tendência humana em sempre retornar ao estado de Adão. A autocrítica do povo de Deus precisa ser constante. Ao longo da história, pessoas foram encontradas por essa graça. Paulo, Agostinho, Lutero, Bonhoeffer e tantos outros entenderam a grandeza do Evangelho de Jesus Cristo. “Confiar na carne” é semelhante a confiar nas indulgências. Somos justificados por fé e não por obras.

Cristo proporcionou para Paulo uma nova compreensão teológica. Essa boa nova é apresentada para todos nós. “Antes do cristão agir, Deus já agiu em Cristo ” (WEINGÄRTNER, 1992, p. 84). Conhecer a Cristo é conhecer o poder da ressurreição. Trata-se de um poder dinâmico, vivo, trabalhando na vida de toda pessoa cristã.

O apóstolo desejava ser aceito por Deus por intermédio da obediência à lei. Por intermédio do Cristo ressurreto, que a ele se mostrou, foi alcançado pela fé. A justiça própria é a lei. A justiça e Deus é a fé em Cristo Jesus.

Dialoguei com um pai que perdeu seu filho de 24 anos para a Covid-19. Trazia consigo muita revolta contra Deus. Estava inconsolável. Expressou que não conseguia acreditar em Deus. Falei-lhe que uma epidemia não é vontade de Deus. As pessoas agem sobre a natureza, causando diferentes situações que causam a morte. Resta-nos como seres humanos aprender a nos colocar em nosso devido lugar. Novamente fomos lembrados que somos imensamente pequenos a ponto de um organismo tão minúsculo nos dar um tombo tão grande. A fé em Cristo nos ajuda a enfrentar os sofrimentos, tendo como perspectiva a ressurreição dos mortos. A dor é imensamente maior quando há ausência da fé no Cristo ressurreto.

Chamado de Deus

O ter sido alcançado por fé em hipótese alguma se transformará em graça barata. A corrida segue em andamento. E segue sendo a corrida dos imperfeitos. “Já sou” e “ainda não sou” (WEINGÄRTNER, 1992, p. 84).

Deus segue nos chamando. O primeiro chamado se deu no nosso Batismo, quando Deus disse: “Eu sou seu Pai e você é meu filho amado”. Fomos batizados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Em todo início de culto acontece este mesmo chamado: “Estamos reunidos em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Nesse ato somos lembrados e reconhecemos que Deus é o nosso Pai.

Fazemos parte de uma maratona, correndo em direção à linha de chegada. “Essa corrida acontece em função do alvo.” “Ele não perde tempo ruminando as experiências do passado” (WEINGÄRTNER, 1992, p. 85).

4. Imagens para prédica

A figura de uma corrida deve servir de linha que conecta os temas a serem enfatizados. Nela, trazemos a imagem do antes, da partida, do transcurso e da chegada.

São inúmeros os relatos de pessoas que, a exemplo de Saulo, experimentaram uma radical mudança de vida. Encontre entre os membros um exemplo que possa impactar na realidade de sua comunidade.

No altar de uma igreja havia uma cruz de pedra com duas faces. De um lado, a cruz estava vazia. Do outro, estava, numa escultura de metal, o Cristo crucificado. Alguns membros queriam que a cruz vazia ficasse exposta. Outros queriam que o Cristo crucificado ficasse em frente à comunidade. A quem contentar? De um lado está a expressão do sofrimento. Do outro lado está a glória da ressurreição. Apegamo-nos em pequenas questões e provocamos conflitos legalistas. Salomonicamente, de acordo com o ano litúrgico, a cruz era mudada de lado. É necessário entender que ambos os lados são parte da fé cristã. Lamentavelmente as pessoas perdem tempo com discussões secundárias, deixando de lado o que é essencial.

Aqui pode entrar um acervo de textos que dão significado ao sofrimento e à ressurreição. “A cruz e a ressurreição estão inseparavelmente vinculadas. A cruz é tão essencial à ressurreição quanto esta àquela. Mas, sem a ressurreição, esta seria simplesmente a cruz do martírio. O sinal da vitória está na luz da ressurreição” (Gustaf Aulén).

O mesmo que Cristo fez por Paulo é capaz de proporcionar em nós uma nova história.

5. Subsídios litúrgicos

Acolhida: A vida é estar numa maratona. Iniciamos a celebração lembrando a “soberana vocação de Deus em Cristo Jesus (v. 14)”, que nos chamou, no dia do nosso Batismo, para a maratona da vida.

Confissão de pecados: A corrida da qual fazemos parte é de pessoas imperfeitas. Assim lembramos o versículo 13: [ ...] uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que para trás ficam (v. 13). Quantos erros cometidos se passam nos pensamentos do apóstolo ao escrever essa frase?

Na confissão abre-se o caminho para a nova vida. Num momento odiamos o pecado e o confessamos; somos então perdoados e acontece a ruptura com ele – “As coisas velhas já passaram.” E ali, naquele lugar onde se rompe o pecado, está a conversão. Eis que tudo se fez novo (2Co 5.17). Jesus Cristo proporciona um novo começo.

Confissão de fé: Ao proferir o Credo Apostólico, sublinhe a importância da ressurreição (v. 10 e 11), que nos distingue de demais crenças. O “poder da ressurreição” nos move em direção à chegada final.

Envio: Em Lucas 9. 62, Jesus nos fala: Ninguém que, tendo posto a mão no arado e olha para trás é apto para o reino de Deus. (NAA)

O apóstolo Paulo foi encontrado, perdoado e liberto para servir. A corrida continua.

Bibliografia

CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento Interpretado: Versículo por Versículo. Guaratinguetá, SP: A Sociedade Religiosa A Voz Bíblica. v. 5.
WEINGÄRTNER, Lindolfo. Em Diálogo com a Bíblia – A Carta de Paulo aos Filipenses. Curitiba: Encontrão; Belo Horizonte: Missão, 1992.


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Autor(a): Kurt Rieck
Âmbito: IECLB
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Área: Governança / Nível: Governança - Rede de Recursos / Subnível: Governança-Rede de Recursos-Auxílios Homiléticos-Proclamar Libertação
Natureza do Domingo: Quaresma
Perfil do Domingo: 5º Domingo na Quaresma
Testamento: Novo / Livro: Filipenses / Capitulo: 3 / Versículo Inicial: 4 / Versículo Final: 14
Título da publicação: Proclamar Libertação / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2021 / Volume: 46
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Auxílio homilético
ID: 68583

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O maior erro que se pode cometer na cristandade é não zelar corretamente pelas crianças, pois, se queremos que a cristandade tenha um futuro, então, precisamos preocupar-nos com as crianças.
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