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Romanos 3.21-28

Culto de Abertura do 21° Concílio da IECLB

15/10/1998

Em concilio segundo a nova constituição

Prédica sobre Romanos 3.21-28 proferida na abertura do XXI Concílio, Timbó/SC, em 15 de outubro de 1998

A graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vocês. A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil inicia o primeiro concílio da igreja em sua nova estrutura. Ao mesmo tempo, realizamos o último concílio nesse milênio que está por findar. Um sentimento de fascínio diante do novo e desconhecido, mas, ao mesmo tempo, uma sensação de insegurança pode perturbar-nos neste momento histórico. Quando tanta coisa muda ao nosso redor, e nós mesmos estamos em constante processo de mudança e evolução, surge a pergunta por um ponto fixo e norteador para o rumo da nossa caminhada.

Justamente nessa época, luteranos e católico-romanos, após quase 450 anos de divergências doutrinárias, buscam consenso em torno de um tema central da Bíblia, a justificação por graça e fé. Essa base confessional nos une de maneira especial com a co-irmã Igreja Evangélica Luterana do Brasil, com a qual já temos um convênio de cooperação.

Nesta parada de reflexão, é necessário que voltemos à fonte das Escrituras Sagradas. Recordando as experiências com Deus na história da salvação e sabendo de onde viemos, percebemos para onde somos desafiados a caminhar. Baseio esta mensagem num texto bíblico central e clássico, o da carta do apóstolo Paulo aos Romanos 3. 21-28:

(21) Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas; (22) justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos [e sobre todos] os que crêem; porque não há distinção, (23) pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, (24) sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus; (25) a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; (26) tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus. (27) Onde, pois, a jactância? Foi de todo excluída. Por que lei? das obras? Não, pelo contrário, pela lei da fé. (28) Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei.

1. A antiga pergunta em forma sempre nova

A pergunta pelo Por quê? De onde? Para onde? é tão antiga quanto a própria humanidade. No entanto, cada época e cada pessoa a coloca do seu jeito. Lutero perguntava: Como encontro um Deus misericordioso? Hoje, por mais moderna e secularizada que a pessoa seja, ela não deixa de perguntar: Por que vivo? De onde veio todo esse processo de evolução? Para onde vai levar tudo isso? Afinal, para que estou aí? Eis aí o ser humano com a sua pergunta insaciável e até angustiante pelo sentido da vida. Não é assim que ele pergunta e busca ansiosamente o transcendente, o próprio Deus? Sinto esse perguntar em toda parte. Vejo-o, por exemplo, nas pessoas que procuram cura e prosperidade na Igreja Universal; vejo-o também nas pessoas que procuram fazer o bem nos movimentos espíritas, a fim de reencarnarem num nível mais elevado; vejo-o em novos movimentos religiosos que, orientados por uma filosofia positivista, esforçam-se em praticar o amor ao próximo; vejo-o igualmente em nossa própria igreja quando líderes de comunidade, obreiros e obreiras se dedicam com esmero ao trabalho comunitário, a ponto de não mais terem tempo para Deus, para a sua família e nem para si mesmos. E tudo isso por causa da necessidade de êxito e sucesso! De fato, parece que precisamos mostrar produção, números, qualidade! Não é essa também a nossa experiência e realidade? É por essa cartilha que reza o mundo globalizado. (...)

Aparentemente o ser humano precisa colocar uma escada até o céu e esforçar-se e suar subindo, degrau por degrau, até chegar lá. O trágico, porém, é que a escada não tem apoio nas nuvens e vai cair. O afastamento de Deus, a alienação da pessoa e de toda a criação realmente é coisa séria e preocupante. É assim mesmo como o apóstolo Paulo diz: Todos pecaram e carecem da glória de Deus! O reformador Lutero traduziu isso em poesia no hino 155 (Hinos do Povo de Deus 1), principalmente nas estrofes 2 e 3. Vamos cantá-las em conjunto.

Fui prisioneiro de Satã, a noite me envolvia. A minha vida, triste e vã, nas trevas se esvaía. Abismo horrível me tragou, o mal de mim se apoderou; perdi-me no pecado. — As obras nunca poderão/ livrar-me do pecado. O livre arbítrio tenta em vão/ guiar o condenado. Horrível medo me assaltou, ao desespero me levou, lançando-me ao inferno.

2. Deus, porém, desce até nós

Deus viu todo esse esforço humano inútil de alçar-se até ele, de conquistar a vida eterna, o céu, a salvação. Deus deixou o céu, a sua glória e majestade, e desceu até nós em forma humana. Em Jesus, nasceu ser humano, oculto sob pobreza e insignificância, no estábulo, no cocho junto aos animais domésticos. Viveu entre nós como filho de carpinteiro; promoveu alegria no casamento para gente pobre e humilde; curou doentes e saciou famintos e sedentos; perdoou pecado a quem não merecia; ressuscitou o filho único de uma viúva pobre; acolheu e abençoou crianças e tantas outras pessoas carentes da graça de Deus. Em toda a sua ação defendeu o direito dos que não tinham voz nem vez. Isso não dá IBOPE e aplausos. Nadou contra a correnteza, a fim de fazer surgir sinais do Reino de Deus, da nova vida que com ele irrompe em meio ao velho mundo que passa.

Assim ele se tornou vítima do poder político e religioso de então. Deus, porém, não ficou de braços cruzados. Continuou a sua obra salvífica: ressuscitou o seu Filho dentre os mortos e lhe deu o nome que está acima de todo nome (Filipenses 2.9). Dessa maneira, Deus transformou a derrota na cruz em sinal de vitória da vida. E assim a cruz é a ponte que Deus estabelece entre o céu e a terra. Já não precisamos construir escadas e pontezinhas. Já não precisamos correr atrás de êxitos, aplausos, sucessos e obras. Deus mesmo veio e se sacrificou em favor de cada um de nós, de toda a humanidade e da própria criação. Esse sacrifício é tão caro e valioso que não há como pagá-lo. É totalmente de graça! Pura graça mesmo. Concedido a nós sem merecimento de nossa parte. Esse é o amor incondicional de Deus, supera todo o nosso entendimento. Diante dele só podemos adorar cantando, Hinos do Povo de Deus 1, 155, estrofes 4-6.

O eterno Deus se apiedou/ de mim, o infortunado. De sua graça se lembrou, voltou-se ao condenado. O seu paterno coração/ deu, para a minha salvação, o que há de mais precioso. — Ao Filho disse o Pai no céu: o tempo está chegado; à terra desce, ó Filho meu, e salva o condenado! Liberta-o de pecado e dor, morrendo, sê-lhe o Redentor: que tenha nova vida! — Obedeceu de coração/ o Filho ao Pai amado. Tornou-se em tudo meu irmão/ e, pobre e desprezado, ele ocultou o seu poder/ e um simples homem veio a ser: lutou por minha causa.

Esse amor incondicional de Deus é real e concreto. Desde o nosso batismo ele nos foi oferecido de graça, sem mérito, sem obra, sem feito ou pagamento. Importa receber este amor, estender as mãos vazias, enfim, abraçar essa oferta graciosa de vida, juntamente com as irmãs e os irmãos na comunidade. (...)

3. Sinais da gratuidade

Onde este amor nos envolve, cativa e fascina, ali acontece o milagre: o Eterno, que justifica, acolhe e agracia o pecador, lança os seus raios de luz, de graça e esperança para dentro do nosso mundo político e religioso. E em meio a este mundo marcado pela cruel e desumana competição vão surgindo sinais de gratuidade. - Onde acontece isso? Não seria ilusão? Vejo isso acontecendo, por exemplo:

- numa paróquia ou comunidade economicamente mais forte que pratica a partilha com uma comunidade mais fraca;

- onde um sínodo com maiores recursos financeiros e humanos estabelece uma parceria com um sínodo em necessidade;

- onde desaparecem as discriminações entre homem e mulher, obreiro e leigo, negros e brancos, e todos juntos se empenham pela construção de uma sociedade sadia;

- onde há empenho em favor do meio ambiente, pela natureza, em favor da vida das plantas e dos animais;

- Também quando candidatos/as ou pessoas em funções de liderança não mais encaram a sua eleição como promoção e status, mas como oportunidade para servir e ser útil à comunidade;

- enfim, quando nos damos conta de que, diante de Deus, todos somos pecadores e carecemos de méritos e que por isso a justificação pela graça de Deus também vale para o outro: a esposa, o marido, o filho e o vizinho. Por sua graça, Deus nos torna livres para perdoar e amar, servir e construir novas formas de vida em comunidade.

Espero que esse concílio tome consciência da necessidade de recuperarmos essa nossa identidade confessional, a verdade bíblica da Reforma, tão relevante para o mundo de hoje. Sob esse enfoque, com vistas à relevância da nossa fé e do nosso serviço para a sociedade em que vivemos, foi aprovada e implantada a reforma da constituição da IECLB. E com vistas a novos impulsos deverão ser trabalhados os documentos normativos complementares neste concílio. Devem ser instrumentos facilitadores e animadores, que desemboquem em propostas concretas de missão e diaconia, em novos modelos de construir comunidades participativas, comunidades que vivem e testemunham este Evangelho libertador da justificação somente por graça e fé. A tarefa da IECLB, portanto, está definida: pregar, ensinar e viver este Evangelho da salvação por graça e fé, com alegria, com todos os recursos e métodos à nossa disposição, na união de forças e com os dons que Deus nos concedeu. É tempo oportuno.

Termino com uma palavra de Lutero: Vamos, porque Deus nos confiou grande tarefa, embora sabendo que não passamos de vasos de barro; ele nos ajuda a fim de que seu poder seja glorificado em' nossa fraqueza. Ele fez o início, e ele o levará a bom termo. Amém.

Fonte: Novo Jeito de Ser igreja. Textos Selecionados. Editora Sinodal São Leopoldo/RS, 2002.
 


Autor(a): Huberto Kirchheim
Âmbito: IECLB / Instância Nacional: Concílio / Organismo: Editora e Gráfica Sinodal - ASE
Testamento: Novo / Livro: Romanos / Capitulo: 3 / Versículo Inicial: 21 / Versículo Final: 28
Título da publicação: Novo Jeito de Ser Igreja. Textos Selecionados / Editora: Editora Sinodal / Ano: 2002
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 30041
Não somos nós que podemos preservar a Igreja, também não o foram os nossos ancestrais e a nossa posteridade também não o será, mas foi, é e será aquele que diz: Eu estou convosco até o fim do mundo (Mateus 28.20).
Martim Lutero
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