Prédica: Mateus 20.1-16
Leituras: Gênesis 15.1-6 e Romanos 3.9-28
Autor: Ricardo Willy Rieth
Data Litúrgica: Dia da Reforma da Igreja
Data da Pregação: 31/10/2004
Proclamar Libertação - Volume: XXIX
Tema:
1. Texto/Contexto
Significativo é o fato de Mateus concluir a parábola dos trabalhadores na vinha com as palavras sobre os primeiros e os últimos. Com isto estabelece uma relação com a pergunta de Pedro acerca da recompensa a ser recebida pelos discípulos por causa da renúncia empreendida em favor do seguimento a Jesus. Na parábola, o pagamento começa pelos últimos (v. 8). O sentido disso é que, na compreensão de Mateus, tal parábola representa uma advertência dirigida aos discípulos. Estes não deveriam querer colocar-se acima de outros pelo direito à recompensa ou por sentimento de superioridade.
A parábola também tem outra conexão com as passagens anteriores do evangelho. Jesus responde a pergunta do jovem rico dizendo: “O bem é um só” (19.17). Na parábola é falado acerca do bem (v. 15). É provável que Jesus narre essa parábola levando em conta o tipo de gente que se encontra entre seus primeiros ouvintes – fariseus, escribas, intérpretes da lei –, que se escandalizavam com seu comportamento. Intenção semelhante à que tinha ao contar a parábola dos dois filhos (Lc 15.1-3 e 11-32). Em ambos os casos, o comportamento de Jesus é defendido contra acusações oriundas desses círculos.
v. 1 – As palavras de abertura comparam o Reino dos céus a um proprietário que, ao amanhecer, sai a contratar trabalhadores para a sua vinha. A vinha é uma imagem para Israel, sendo aqui relacionada ao proprietário e vista, portanto, como âmbito do senhorio de Deus.
v. 2 – O acordo salarial repousa sobre uma tratativa verbal que acabou fixando um pagamento usualmente dado a um diarista: um denário.
v. 3 – Na hora terceira, isto é, de manhã, entre 8 e 9 horas, o proprietário procura mais trabalhadores e encontra alguns no mercado. Estão lá debalde, pois não encontraram serviço.
v. 4 –Também eles são enviados à vinha com a promessa de que receberão o que lhes cabe.
v. 5 – Nas horas sexta e nona, respectivamente, ao meio-dia e no princípio da tarde, repete-se a ação do proprietário.
v. 6 – Novamente, o proprietário vai ao mercado, desta vez a uma hora do encerramento da jornada, na décima primeira hora. Novamente encontra desocupados. Como a lida na vinha o exige, busca mais força de trabalho. Do contrário, as tarefas não serão concluídas. Pergunta aos desocupados pelo motivo de sua condição momentânea.
v. 7 – Estes respondem que ninguém os contratou. Nisso transparece, por meio dessa parábola, o alto índice de desemprego existente na Palestina na época de Jesus. O historiador Flávio Josefo relatou acerca de frentes de trabalho instituídas em Jerusalém após a conclusão do templo, as quais tinham por objetivo ocupar o grande número de desempregados. Também o proprietário os encontra e envia para sua vinha.
v. 8 – O administrador é encarregado de pagar os empregados, recebendo a ordem expressa de iniciar remunerando os últimos.
v. 9 – O pagamento inicia com a grande surpresa de que aqueles que vieram por último, trabalhando apenas uma hora, não recebem somente uma parcela de denário, mas um denário completo, equivalente a toda uma jornada de trabalho. O senhor da vinha indica com isso que quer ajudar os desempregados, que precisam sobreviver juntamente com suas famílias. A pergunta pela própria culpa ou não em relação a seu destino não chega a ser colocada. Trata-se de uma manifestação do bem.
v. 10 – Tal atitude desperta nos demais a expectativa de que receberão mais por seu trabalho. Em seu caso, porém, a grande surpresa vem para causar uma frustração, pois recebem exatamente o valor acordado.
v. 11 – A frustração leva a resmungar contra o proprietário, que, de acordo com seu ponto de vista, teria agido de forma injusta.
v. 12 – Sua argumentação deixa isso explícito: eles assumiram a carga de uma longa jornada de trabalho, cumpriram sua tarefa fustigados pelo calor do vento sul e são equiparados a quem trabalhou apenas uma hora no frescor do entardecer. O proprietário, por sua vez, está próximo do local em que se dá o pagamento e escuta a reclamação.
v. 13 – Ele responde ao porta-voz do grupo reclamante, chamando-o de “amigo”, “companheiro” (cf. Mt 22.12 e 26.50). Não contradiz que os primeiros realmente trabalharam todo o dia com grande esforço. Enfatiza, isto sim, que não está fazendo injustiça ao porta-voz e seus companheiros.
v. 14 – Lembra-o de que haviam acordado o valor de 1 denário, justamente o que agora estava sendo pago. Receberam o que lhes cabia, devendo pegá-lo e ir embora.
v. 15 – Essa vontade expressa é explicada com a pergunta: “Não tenho a liberdade de fazer o que quiser com o que é meu?” Tal liberdade, contudo, não é arbitrária como poderia transparecer, mas é a liberdade de praticar o bem. A pergunta pelo direito à liberdade é sucedida por outra, igualmente dirigida ao porta-voz. Com ela o proprietário desvela que a indignação dele e de seus companheiros é fruto da dureza de seu coração. Seus olhos não se dirigem amorosamente a seus colegas de trabalho, ao passo que seu patrão os presenteia com seu amor. O olho maligno indica, aqui, um olhar destituído de amor e marcado pela dureza de coração, que olha invejosamente para o próximo quando o bem acontece em sua vida. Se o bem procedesse conforme o direito, então o direito, que deveria proteger e promover a vida, limitaria esta e a ameaçaria. O bem que presenteia, por outro lado, está dirigido à vida em plenitude. O bem presenteia graciosamente quando o direito é incapaz de fazê-lo. A parábola não traz a resposta dos primeiros. Na verdade, ela chama aqueles que são os primeiros à conversão para o bem, para que não clamem por direito contra os pobres a partir de um coração endurecido, mas se alegrem e se tornem participantes do bem quando este se manifesta.
v. 16 – Em razão do bem, os últimos serão os primeiros; por causa da falta de amor, os primeiros serão os últimos.
2. Meditação
A meditação abaixo foi preparada juntamente com o P. João Artur Müller da Silva, tendo integrado a celebração de abertura da 1a Conferência Nacional Interluterana (Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil/Igreja Evangélica Luterana do Brasil), realizada em Rodeio, SC, em 1998. Posteriormente, foi adotada em cultos da Reforma em diferentes ocasiões em comunidades da IECLB e da IELB.
Conduzidas pelo próprio Lutero, as pessoas perguntam por sua identidade como Igreja cristã, buscando respostas a partir de símbolos marcantes em sua vida de fé. A partir da dinâmica da meditação, a comunidade pode estabelecer relações entre o conteúdo da parábola e aquilo que marca, identifica a Igreja cristã.
Cadê a Igreja? Onde está o povo cristão?
Narrador 1 – Cadê a Igreja? Onde está o povo cristão? O reformador Lutero, em seu livro “Dos concílios e da Igreja” ([3ª parte]. In: OSel 3, 409s. Meditação baseada em Lutero, M.), tentou responder isso. Desenhou um retrato falado da Igreja. Falou de sete sinais de reconhecimento da Igreja, também chamada por ele de “santo povo cristão”.
Cadê a Igreja? Onde está o povo cristão? É o que nós queremos nesta celebração da Reforma. Em nossa meditação, seremos auxiliados por palavras do reformador e por coisas que fazem parte do nosso dia-a-dia.
I)
Narrador 1: Cadê a Igreja? Onde está o povo cristão? Vamos trazer a Bíblia, o devocionário Castelo Forte e um microfone.
Narrador 2: “Reconhecemos esse santo povo cristão quando ele tem a santa Palavra de Deus… Referimo-nos à Palavra externa, pregada oralmente por pessoas como eu e tu. Cristo deixou a Palavra como sinal externo para reconhecer sua Igreja…”
N. 1: Naquilo que falamos, onde está a Palavra de Deus? Pelos meios que usamos levamos a Palavra de Deus? As pessoas às quais falamos ouvem a Palavra de Deus?
II)
N. 1: Cadê a Igreja? Onde está o povo cristão? Vamos trazer uma bacia com água.
N. 2: “Reconhecemos o povo cristão no Batismo. No Batismo, quando é ensinado, crido e administrado corretamente, segundo a ordem de Cristo. … Pois é um santo banho do novo nascimento pelo Espírito Santo. No Batismo tomamos banho. Somos lavados de pecados e morte pelo Espírito Santo…”
N. 1: Que tal nossa higiente diária? E o nosso banho de cada dia? Recebe a atenção devida ou o transformamos em uma “lavadinha” ritual? Com nosso banho, como povo cristão, somos reconhecidos ou permanecemos irreconhecíveis? Por outro lado, quem nos lava quando tomamos banho: Espírito Santo ou a confiança em nossa própria capacidade de regeneração?
III)
N. 1: Cadê a Igreja? Onde está o povo cristão? Vamos trazer o cálice e o pão.
N. 2: “Reconhecemos o povo cristão no Sacramento do Altar. Quando é administrado, crido e recebido corretamente de acordo com a instituição de Cristo. É um sinal público. É um meio de salvação valioso, deixado por Cristo. Por meio do Sacramento do Altar seu povo é santificado. Assim, esse povo também se exercita e confessa publicamente que é cristão.”
N. 1: Nossa conduta em relação à Ceia do Senhor identifica a comunhão de um povo cristão? Ou, pela falta de comunhão, revela ao mundo a existência de povos que vivem a desunião e a discórdia?
IV)
N. 1: Cadê a Igreja? Onde está o povo cristão? Vamos trazer um pedaço de corda amarrado a um tijolo e um pedaço de corda desamarrado.
N. 2: “Reconhecemos o povo de Deus nas Chaves usadas publicamente… Pois Cristo as deixou para serem um sinal público e um meio de salvação. Isto para que, através delas, o Espírito Santo (por conquista pela morte de Cristo) santifique novamente os pecadores que caíram em pecado. E para que os cristãos confessem que são um povo santo sob Cristo neste mundo.”
N. 1: Em nossa Igreja, em nosso povo cristão, há lugar para pessoas pecadoras? Em nosso dicionário de virada do milênio, ainda se encontram as palavras “pecado” e “perdão”?
V)
N. 1: Cadê a Igreja? Onde está o povo cristão? Vamos trazer uma veste talar [primeiro ela é estendida sobre os outros símbolos, ocultando-os].
N. 2: “Reconhecemos a Igreja exteriormente quando consagra ou convoca servidores eclesiásticos. Ou quando possui cargos que ela deve prover. As funções de quem é bispo, pároco ou pregador são necessárias. Gente que administre e exerça publicamente ou em particular a pregação da Palavra de Deus, o Batismo, a Ceia do Senhor, as Chaves. Gente que faça isso por causa e em nome da Igreja. Muito mais, porém, gente que o faça por causa da instituição de Cristo.”
N. 1: Nossos ministérios escondem sua condição de ministério da Igreja? Existem em função de si próprios? [Nesse momento se retira a veste talar de cima dos demais símbolos e se a estende ao lado deles.] Ou será que eles revelam sua condição de ministério da Igreja? Será que nossos ministérios existem em função da Palavra de Deus, do Batismo, da Ceia do Senhor e do Ofício das Chaves?
VI)
N. 1: Cadê a Igreja? Onde está o povo cristão? Vamos trazer hinários e cancioneiros, um violão e uma flauta.
N. 2: “Reconhecemos exteriormente o santo povo cristão na oração pública de louvor e agradecimento a Deus. Podes ter a certeza de que aí está um povo de Deus santo e cristão: onde vês e ouves que se ora e aprende a orar o Pai-nosso; também onde se cantam salmos e hinos espirituais, segundo a Palavra de Deus e a verdadeira fé; e, além disso, onde se ensinam o Credo, os Dez Mandamentos e o catecismo publicamente.”
Pergunta: Com nosso culto nos identificamos ou nos escondemos como povo cristão? Em nosso culto privilegiamos o conteúdo em detrimento da forma? Ou apostamos tudo na forma em detrimento do conteúdo?
VII)
N. 1: Cadê a Igreja? Onde está o povo cristão? Vamos trazer um crucifixo e uma cruz.
N. 2: “Reconhecemos exteriormente o santo povo cristão na santa cruz. Ele tem que sofrer toda sorte de desgraça e perseguição. Como dizemos no Pai-nosso, esse povo sofre toda espécie de tentação e mal da parte do diabo, do mundo e da carne. Ele tem de afligir-se, desalentar-se, atemorizar-se interiormente, ser pobre, desprezado, doente, fraco. Ele tem de sofrer exteriormente, a fim de tornar-se semelhante à sua cabeça, Cristo. E isto deve acontecer apenas por um motivo: o de ater-se firmemente a Cristo e à Palavra de Deus…”
N. 1: Que cruz nos identifica? Um ornamento vazio, que lembra um senhor distante e ausente? Uma cruz distante e ausente, assim como é distante e ausente nosso testemunho? Que cruz nos identifica? Será uma cruz repleta de sentido? Uma cruz cheia da Palavra encarnada, que se solidariza com as pessoas em sua miséria e desgraça? Uma cruz que não se conforma com o pecado, que o denuncia e vive na perspectiva de sua superação?
Voto final: Cadê a Igreja? Onde está o povo cristão? Que Deus Criador, nosso Senhor Jesus Cristo e o Espírito Santo nos abençoem em nossa tentativa de dar resposta à pergunta por nossa identidade como povo cristão. Amém.
Bibliografia
GRUNDMANN, Walter. Das Evangelium nach Matthäus. 6. ed. Berlim: EVA, 1986.
COMISSÃO Interluterana de Literatura. 1a Conferência Nacional Interluterana. São Leopoldo/Porto Alegre: Sinodal/Concórdia, 1998.
Proclamar Libertação 29
Editora Sinodal e Escola Superior de Teologia