Celebração


ID: 2651

Tem alguém lá fora? | 1 Coríntios 15.19

Domingo da Páscoa

16/04/2022

 

Amados irmãos, amadas irmãs,

“tem alguém lá fora?”1 Deus realmente existe? A ressurreição é um fato? Ou os céus estão vazios e não há nenhum sentido para a nossa vida a não ser a própria vida que acontece aqui e agora diante dos nossos olhos? “Tem alguém lá fora” ou só existe aquilo que posso tocar, sentir, provar, repetir?

No ano de 1979 a banda britânica de rock progressivo Pink Floyd lançava seu álbum “The Wall” (A Parede) que apenas três anos mais tarde, em 1982, foi transformado em um filme profundo e enigmático. No lado A do Disco 2 do álbum temos a segunda faixa que se chama “Is there anybody out there?” Com um tom bastante sombrio, melancólico e até misterioso, um homem pergunta quatro vezes se há alguém do outro lado da parede, como se estivesse procurando o próprio Deus do outro lado do muro. A sequência de perguntas termina sem nenhuma resposta e com um místico dedilhar de um violão. O fundo da música é preenchido com diversos efeitos sonoros e falas que remetem à rotina da vida cotidiana com notícias, sirenes, falas etc. A pergunta feita pela banda Pink Floyd em 1979 permanece importante e, ao mesmo tempo, enigmática. Afinal de contas, tem alguém lá fora? Há alguém do outro lado? Sim? Não?

A ressurreição de Jesus Cristo é um dos maiores enigmas da humanidade. Especialmente nos últimos três séculos, vários teólogos, historiadores, arqueólogos, filósofos e pessoas das mais diversas áreas do conhecimento tem se debruçado sobre o assunto. As respostas obtidas por estes pesquisadores são as mais variadas: alguns dizem que Jesus ressuscitou apenas na imaginação dos discípulos que ainda estavam vivenciando seu luto; outros vão afirmar que o corpo de Jesus foi roubado da sepultura e que foi por isso que seu túmulo estava vazio; alguns vão dizer que a ressurreição não aconteceu, haja visto que isso nunca mais aconteceu; outros vão permanecer firmes na convicção de que o mais importante sobre a ressurreição não é se ela aconteceu, mas o que ela significa. Perguntas não faltam. E nós, acreditamos que “há alguém lá fora” nos céus? Como responder a estas dúvidas?

Para chegarmos à verdade, precisamos primeiro responder a uma pergunta fundamental. A pergunta é: “Quem foi Jesus?”. A resposta que damos a esta pergunta modifica completamente o significado da páscoa e da ressurreição. Se considerarmos que Jesus foi apenas um grande sábio, um filósofo ou um revolucionário, então ele não poderia ressuscitar, pois não passou de um ser humano tal qual você e eu; se Jesus foi apenas um grande mestre, então a sua morte na cruz não é salvífica para a eternidade, pois ele foi somente um homem como nós que viveu e morreu por uma causa importante; se respondermos a pergunta “quem foi Jesus?” afirmando apenas a sua humanidade, então, de fato, a ressurreição se torna um fato improvável ou até impossível.

De qualquer forma, Jesus Cristo é um personagem que marcou a história. A sua importância foi tanta que ele foi o único capaz de dividir a história em antes e depois de si mesmo. O escritor irlandês C. S. Lewis comenta sobre isso. Ele diz:

Um homem que fosse meramente um ser humano e dissesse o tipo de coisa que Jesus disse não seria um grande mestre de moral. De duas uma, ou ele seria um lunático — do nível de alguém que afirmasse ser um ovo frito — ou então seria o diabo em pessoa. Faça a sua escolha. Ou esse homem era, e é, o Filho de Deus; ou então um louco ou algo pior. Você pode descartá-lo como sendo um tolo ou pode cuspir nele e matá-lo como a um demônio; ou, então, poderá cair de joelhos a seus pés e chamá-lo de Senhor e Deus. Mas não me venha com essa conversa mole de ele ter sido um grande mestre de moral, pois ele não nos deu essa alternativa e nem tinha essa pretensão.2

Ou Jesus era um maluco, ou Jesus era Deus! Dessa escolha depende a nossa fé. É da escolha do Jesus certo de que depende se hoje comemoramos a Páscoa de verdade ou só por tradição e faixada. Quem foi Jesus? Ele não foi apenas um homem, mas é o Deus-homem, ou o Deus-Filho. Jesus é o próprio Deus que se fez gente, mas sem deixar de ser Deus. Ele se faz um de nós mesmo continuando a ser ele mesmo. Em sua humanidade, Jesus é em tudo igual a nós, exceto no pecado, pois ele nunca pecou; em sua divindade, Jesus é em tudo igual ao Pai, exceto na paternidade, pois Jesus não é o Pai e o Pai não é o Filho. Se Jesus é Deus, então recebemos uma maravilhosa notícia: tem alguém lá fora!

Este é o fundamento da nossa fé. Não há como comemorar a Páscoa sem crer em Jesus como Deus-homem. Vamos ao que a Bíblia diz:

• Nasceu de mulher, como todo ser humano: “Mas, quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher, nascido debaixo da lei”. (Gálatas 4.4);

• Jesus Cristo é o Deus que se esvazia a si mesmo: “Cristo Jesus que, mesmo existindo na forma de Deus, não considerou o ser igual a Deus algo que deveria ser retido a qualquer custo. Pelo contrário, ele se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se semelhante aos seres humanos”. (Filipenses 2.5-7);

• Jesus é o Deus que, mesmo sendo Deus, se compadece das nossas fraquezas: “Porque não temos sumo sacerdote que não possa se compadecer das nossas fraquezas; pelo contrário, ele foi tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado”. (Hebreus 4.15);

• Jesus é Deus que se fez homem, mas sem deixar de ser Deus: “Também sabemos que o Filho de Deus já veio e nos tem dado entendimento para reconhecermos aquele que é o Verdadeiro. E nós estamos naquele que é o Verdadeiro, em seu Filho, Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna”. (1 João 5.20);

• Ele assumiu a nossa maldição na cruz para nos tornar benditos: “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se ele próprio maldição em nosso lugar – porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro”. (Gálatas 5.13);

• Ele não pecou, mas foi tornado o próprio pecado para nos livrar dos nossos pecados: “Aquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós, para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus”. (2 Coríntios 5.21);

Este é o Jesus que cremos: o Deus-homem! Este é o fundamento que nos permite crer na Páscoa enquanto ressurreição verdadeira de Jesus. Não há como ser cristão sem crer na ressurreição do corpo. É a fé na ressurreição que impulsionou os primeiros cristãos a criarem as primeiras comunidades de fé que, com o tempo, espalharam-se até os confins da terra. É o ouvir da Palavra da cruz e ressurreição de Jesus que gera a fé para que a Igreja creia e cresça. Do contrário, a fé é lentamente morta e a Igreja diminui e morre.

O pastor inglês John Stott resumiu muito bem a verdadeira fé em Jesus ao dizer as seguintes palavras:

O Filho de Deus não permaneceu na segura imunidade de seu céu, distante do pecado e da tragédia humana. Ele de fato entrou em nosso mundo. Esvaziou-se de sua glória e humilhou-se para servir. Assumiu a nossa natureza, viveu a nossa vida, suportou as nossas tentações, vivenciou nossas tristezas, sentiu nossas dores, carregou nossos pecados e morreu nossa morte. Ele participou profundamente da nossa condição de seres humanos. Nunca se afastou das pessoas que se esperaria que ele evitasse. Foi amigo dos marginalizados da sociedade e até mesmo tocou nos intocáveis. Não poderia ter sido mais igual a nós. Foi a total identificação do amor. Mesmo assim, ao identificar-se conosco, não abriu mão de sua própria identidade, nem a alterou de maneira alguma, pois, tornando-se um de nós, mesmo assim, continuou sendo ele mesmo. Ele passou a ser humano, mas sem deixar de ser Deus.3

Esse é Jesus. Se aquilo que se diz sobre Jesus não fala sobre sua encarnação, morte e ressurreição, então esse ensino deve ser rejeitado como falso. Se Jesus não é confessado como está nas Escrituras, então ele não é o Jesus verdadeiro, mas um Jesus criado pelas expectativas humanas. O Espírito Santo – Terceira Pessoa da Trindade – só irá convencer a nós do Cristo das Escrituras: “Nisto vocês reconhecem o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa isso a respeito de Jesus não procede de Deus; pelo contrário, este é o espírito do anticristo, a respeito do qual vocês ouviram dizer que viria e que agora já está no mundo”. (1 João 4.2-3). Se não confessarmos com as nossas bocas que Jesus Cristo é o Deus que se fez carne e habitou entre nós (cf. João 1.14), então o Espírito de Deus não está entre nós; ao contrário, quem está então entre nós é o espírito do anticristo, ou seja, daquele que se coloca no lugar de Cristo.

Qual é o critério último para sabermos se Jesus, de fato, ressuscitou? A nossa confissão sobre Jesus. O critério é Jesus. Se ele foi só um ser humano, então não há ressurreição; agora, se ele é o Deus-homem, então não lhe foi difícil vencer a morte. Jesus é o Deus que morreu na cruz. O Deus cristão é o Deus que morre e carrega sobre si toda a miséria e desgraça humanas. Não foi apenas o homem Jesus quem morreu na cruz; Deus morreu na cruz! O Deus-homem morreu na cruz. E o mesmo Deus-homem ressuscitou no terceiro dia, matando a morte. Isso nos dá a certeza e a esperança de que nele, também nós venceremos a morte no dia da nossa ressurreição.

Amados irmãos, amadas irmãs,

tem alguém lá fora? Sim. Jesus! Mas não apenas “lá fora”. Não! Deus continua presente. Jesus continua sendo o Emanuel – Deus conosco. O Cristo vivo e ressurreto não é uma presença de Deus apenas “lá fora”, nos céus, mas também aqui entre nós. O Cristo que ressuscitou é o mesmo Jesus que foi pregado na cruz. O Deus conosco é o Deus que sabe o que é sofrer e que, por isso, está conosco em nosso sofrimento. Ele sofreu todo o nosso castigo, toda a nossa miséria e toda a nossa desgraça na cruz para nos livrar do castigo, da miséria e da desgraça. Ele pegou sobre si a nossa desgraça e nos entregou a sua graça.

Desta forma, quem sabe a pergunta não seja mais “tem alguém lá fora?”, mas “tem alguém aqui dentro?” Jesus vive em nossos corações? O Cristo vivo faz parte das nossas vidas? Ou só buscamos a ele quando precisamos? Ou só cremos quando é conveniente? Ou só o seguimos porque nascemos no cristianismo e isso nos foi imposto?

Irmãos e irmãs, a ressurreição de Jesus só é impossível em um mundo sem Deus, onde não há ninguém do outro lado – ou aqui, conosco – e em que a realidade se basta em nós mesmos, no que podemos sentir, ver e provar. Só desacredita da ressurreição quem não acredita em Deus, pois quem acredita em Deus, crê que Deus tem o poder de ressuscitar mortos.

A morte é uma realidade bem presente entre nós: doenças, violência, guerra, terror, acidentes, desastres naturais... Estamos cercados pela realidade da morte. Como cristãos, não somos escravos da realidade, mas confessamos que a morte não é o fim. Jesus ressuscitou e podemos crer no amanhã. Se Jesus ressuscitou, o nosso coração é preenchido de alegria e esperança. Do contrário, seremos tristes e melancólicos: “Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos as pessoas mais infelizes deste mundo”. (1 Coríntios 15.19). Sem a fé na ressurreição restará em nós um vazio que nunca seremos capazes de preencher por nós mesmos. Então creiamos: “Mas, de fato, Cristo ressuscitou dentre os mortos”. (1 Coríntios 15.20a). O Jesus vivo não foi visto apenas por uma dúzia de pessoas, ao contrário: “Depois, foi visto por mais de quinhentos irmãos de uma só vez”. (1 Coríntios 15.6a).

Tem alguém lá fora e tem alguém aqui dentro! Se assim crermos de todo o nosso coração, que tenhamos uma abençoada Páscoa. Amém.


DOMINGO DE PÁSCOA | DOURADO | CICLO DA PÁSCOA | ANO C

17 de Abrl de 2022


P. William Felipe Zacarias


1 WATERS, Roger.Is there anybody out there?”. in: PINK FLOYD. The Wall. Nova Iorque, CBS, p1979. 2 LP. Disco 2. Lado A. Faixa 2.

2 LEWIS, C. S. Cristianismo puro e simples. São Paulo: Thomas Nelson Brasil, 2017. p. 71-72. Edição do Kindle.

3 STOTT, John. Ouça o espírito, ouça o mundo. São Paulo: ABU Editora, 1992. p. 399.


Autor(a): P. William Felipe Zacarias
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio dos Sinos / Paróquia: Sapiranga - Ferrabraz
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Testamento: Novo / Livro: Coríntios I / Capitulo: 15 / Versículo Inicial: 19 / Versículo Final: 19
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 66716
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