Celebração


ID: 2651

A fé de Abraão e a nossa fé

Prédica

17/03/2019

Texto: Gênesis 15.1-12; 17-18

Prezada Comunidade
Estimados ouvintes da rádioweb LuteranosUAI

Abraão é chamado de Pai da fé, o patriarca e fundador do povo de Israel. Ele é descrito em todo o Antigo Testamento como o pai do povo de Deus (Salmo 47.9), como aquele que fez aliança com Deus: Deus lhes dará uma terra e promete que jamais deixará de proteger a ele e aos seus descendentes. E referindo-se a descendência Deus diz: ”Em ti serão benditas todas as famílias dessa terra” (Gn 12.3).

Abrão é natural de Ur dos caldeus (hoje isso pertence ao Iraque), um lugar que a 3 mil anos atrás era muito próspero e com uma civilização avançada, que havia desenvolvido a agricultura, a matemática e a medicina, comparável com a civilização egípcia. Ur tinha um sistema de canais que garantiam a agricultura. Todo esse conhecimento era uma garantia de riqueza. A vida em Ur era melhor que em outros lugares do mundo. No entanto, já o pai de Abrão (chamado Tera) abandona Ur e vai para as areias quentes do deserto na região de Harã, uma terra de nômades e pastores. Talvez ele pensasse que o conhecimento em UR pudesse ajudar a melhorar a vida também em outros lugares.

É em Harã que Deus chama a Abrão e lhe faz uma promessa de terra e descendência. Deus desafia ao Abrão – de 75 anos - para um novo projeto de vida. E ele vai. Aceitar os desafios de maneira impulsiva é mais comum nos jovens do que nos velhos. Mas, Abrão mostra que a pessoa assume novos projetos, novos desafios na vida, continua sendo uma pessoa que mantem dentro de si o espírito da juventude.

No entanto, o tempo foi passando e Abrão sente cada dia que a idade pesa. Suas forças se esvaem, passaram-se quase 20 anos desde que Abrão saiu de Harã. O seu conhecimento aprendido em Ur e a benção de Deus haviam feito dele uma pessoa com muitos bens. Mas, já com mais de 90 anos de idade, Abrão já não vê como poderia cumprir-se a promessa de Deus que ele – Abrão – seria o pai de uma grande nação.

Desta maneira, Abrão começa a sentir a dor de uma ferida interna que a cada dia ficava mais profunda. De que adiantava todo seu êxito, seus bens e a terra se eles não tinham para quem deixar tudo isso? O que o está angustiando a Abrão era que aquela promessa de Deus para eles parece que foi esquecida.

O texto que ouvimos fala então de um ritual com sacrifício de animais, que acabam dando a Abrão a certeza que as promessas de Deus continuam válidas. Não vamos entrar em detalhes sobre a origem desse ritual. O mais importante para nós hoje é que aprendemos com a experiência de Abraão que ninguém é imune a dúvidas, incertezas e medos. A vida de Abraão nos ensina que não temos de ser heróis vinte-e-quatro-horas-por-dia para sermos pessoas de fé. Também uma pessoa de fé pode perder o ânimo e ficar apavorada com o seu futuro. Às vezes, a vida nos deixa numa encruzilhada.

Em resposta a sua angústia, Abraão recebe de Deus uma palavra que diz: Abrão, não tenha medo (Gn 15.1). Essa é a palavra que Deus vai repetindo para todas as pessoas que o seguem durante os séculos vindouros: Não tenha medo.

Deus sabe que a fé nele vai sendo construída aos poucos dentro das pessoas, principalmente quando enfrentarmos nossos medos, nossos incertezas e nossas dúvidas. As situações difíceis na vida fortalecem ou matam a nossa fé. Quem se deixa levar pela maldade esse vai perdendo a fé em Deus. Sem fé em Deus, a vida vai se tornando cada vez mais desesperadora. Todos nós passamos por frustrações e decepções em nossa vida. Mas pessoas que vão perdendo a fé, também se tornam pessoas incapazes de perdoar. Pessoas que perdem a fé em Deus- geralmente - não são pessoas impulsivas, - mas elas vão cultivando sentimentos de ódio e de vingança. Elas começam a planejar sua vingança. Tudo é muito racional. A crueldade vai aumentando dentro delas e elas acabam realmente acreditando que ao matar outras pessoas elas estão fazendo um bem para a humanidade.

Pessoas que cultivam a fé em Deus sabem que quando deus diz a Abraão não tenha medo. Eu o protegerei de todo perigo e lhe darei uma grande recompensa (v. 1), isso não significa que não haverá obstáculos pelo caminho. Nós adoramos a Deus não porque Ele tornará suave o nosso caminho, mas porque Ele nos dá o seu amor e a sua graça que alimentam em nós a confiança para que possamos seguir andando, mesmo quando o caminho for pedregoso.

O texto nos mostra que Abraão está angustiado e inquieto para saber como Deus pretende cumprir a sua promessa. Deus então conduz Abrão para fora da sua tenda - para fora de suas preocupações - e o faz olhar para o alto, para as estrelas e compara a sua descendência com a multidão de estrelas no firmamento. O texto bíblico diz então: Abrão creu em Deus e por isso o Senhor o aceitou. (v.6)

Portanto, Abrão é chamado o pai da fé não por ter condutas sobre-humanas, fantásticas. Ele foi um homem cheio de dúvidas, medos e até de erros. Ele se destaca na história bíblica, porque busca a Deus em meio às crises e recebe dele orientação e promessas que possam sustentá-lo no dia-a-dia.
Quando nós hoje escutamos falar sobre pessoas de fé, normalmente ouvimos falar de pessoas que “não tem problemas familiares”, “não ficam desempregadas” e “não ficam doentes”. E se algo disso acontecer com elas, então ouvimos que elas sempre são pessoas que demonstram firmeza, que encaram a dificuldade como uma provação na fé.

No entanto, não é isso que Deus pede de nós. Na história de vida de Abrão vemos que ele teve tempos bons e outros nem tanto. Ele torna-se instrumento de Deus não porque ele era poderoso, inquebrantável e de uma fé a prova de tudo. Abrão está no caminho de Deus porque ele não esconde de Deus as suas fraquezas, suas dúvidas, suas necessidades e frustrações.

E Deus só lhe pede que ele seja o que ele é: uma pessoa que reconhece a sua fragilidade. Porque somente quem aceita a sua fragilidade pode ser alimentado, sustentado, fortalecido, encorajado e animado por Deus. Pessoas que se consideram auto-suficientes, arrogantes e querem ser imunes ao sofrimento humano, - essas pessoas são tomadas pelo ódio e por isso, não tem lugar para Deus.

Abrão mostra que se buscamos a Deus com nossas incertezas, nossos medos, nossas dúvidas, então certamente vamos ouvir também hoje as palavras que Deus disse a Abrão: Não tenha medo. Eu o protegerei de todo perigo e lhe darei uma grande recompensa.

Essa palavra de Deus tem sido lembrada por muitas outras pessoas na história do povo de Israel. Quando Moisés roga pela misericórdia de Deus para que Deus não destruísse o povo, depois de eles terem trocado a Deus por um bezerro de ouro, Moisés diz assim: Lembra-te de Abrão, de Isaque e de Israel, teus servos, aos quais por ti mesmo tens jurado e lhes disseste: multiplicarei a vossa descendência como as estrelas do céu, e toda esta terra de que tenho falado, dá-la-ei a vossa descendência, para que a possuam por herança perpetuamente (Êx 32.12).

Nos dias de tristeza por causa do exílio na Babilônia, o povo exilado era animado com a recordação da promessa feita a Abrão: Mostrarás a Jacó a fidelidade e a Abraão a misericórdia, as quais juraste a nossos pais, desde os dias antigos (Mq 7.20). Isaías chamava Abrão de rocha: Olhai para a rocha de que fostes cortados e para a caverna do poço em que fostes cavados (Is 51.1). O apóstolo Paulo enfatiza que ter fé é agir como Abraão (Rm 4.19), isso é reconhecer que – quando os fatos não são nada favoráveis- mesmo assim não deixar de crer em Deus. Se Deus ressuscita mortos e chama a existência as coisas que não existem, porque ele não poderia transformar qualquer outra situação? Para o apóstolo Paulo, os verdadeiros descendentes de Abraão são os que têm fé (Gl 3.7).

A doutrina da justificação pela fé também tem por contexto também a Abraão que creu apesar de todas as circunstâncias contrárias. Abraão mostrou ao mundo que ter fé significa ter esperança. Abrão conheceu a tristeza e amargura, mas ele não nos deixou só lamentos. Deixou-nos a certeza que Deus não se esquece de suas promessas. Abraão deixou-nos a esperança, não a esperança do verbo esperar, mas a esperança do verbo esperançar. “Esperançar é uma espera ativa, é se levantar apesar das contrariedades, esperançar é ir atrás, esperançar é construir. Esperançar é não desistir, mas juntar-se com outros e fazer de outro modo” (Paulo Freire). Por isso, quando tudo parecer impossível de realizar, lembre-se de Abrão e de como Deus lhe concedeu a bênção de ser pai de muitas nações.

E essa promessa de Deus é reafirmada também em Jesus que disse:
Não fiquem aflitos. Creiam em Deus e creiam também em mim (Jo 14.1)
Venham a mim, todos vocês que estão cansados de carregar as suas pesadas cargas, e eu lhes darei descanso. (Mateus 11.28)

Portanto, Deus nos anima hoje a buscar em sua palavra orientação e novas palavras que nos conduzam ao caminho da fé e da esperança. Esse ano de 2019 tem sido um luto atrás do outro. Centenas de pessoas morreram por conta da irresponsabilidade de empresários e por conta da maldade e do ódio social - cada dia mais crescente. E assim como Abrão, também nós temos dúvidas e temor sobre o futuro.

Nessa nossa situação de incertezas, Deus nos faz olhar por frestas – como a história de Abraão - que nos permitem ver a vida em novas perspectivas, em meio a esses tempos de aflição e de desespero. A história de Abraão nos diz que a nossa fé tem muito a ver com nossas atitudes. E assim como Abrão, também nós deveríamos nos preocupar com o mundo que vamos deixar aos nossos descendentes.
As centenas de mortes desse ano são consequências de algo. Precisamos começar a falar sobre as causas de tanta irresponsabilidade, de tanta violência, de tanto ódio.

Que exemplo de vida e de fé estamos dando e vamos vamos deixar para aqueles(as) que virão depois de nós? Afinal, nós não apenas escolhemos o mundo em que vivemos hoje, mas as consequências desse nosso mundo vão chegar também aos nossos netos e netas.
Amém.

Oração:
Ó Deus das frestas e das esperanças,
dá-nos paz para esperar nossa visão ser ampliada para além das frestas. Inunda o nosso coração com esperança viva. Dá-nos momentos especiais de amor em comunidade. Em Jesus, Amém.
(Milton Schwantes, 2011)
 


Autor(a): Nilton Giese
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Belo Horizonte (MG)
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Área: Comunicação / Nível: Comunicação - Programas de Rádio
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Testamento: Antigo / Livro: Gênesis / Capitulo: 15 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 18
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 51212
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