Capela Luterana



ID: 2547

O que acontece após a morte? | Lucas 16.19-31

22º Domingo após Pentecostes - Culto com lembrança das pessoas falecidas no último ano

04/11/2022

 

Amados irmãos, amadas irmãs,

todos nós já perdemos pessoas a quem amamos. Diante desta situação, uma das perguntas que vem à nossa mente é o que vêm após a morte. Esta é uma pergunta que vêm à nossa mente no âmbito espiritual, visto que no sentido biológico, sabemos exatamente o que acontece após a morte: a decomposição e a transformação da matéria em coisas novas.

O tema “morte” faz parte da vida, bem como da vida de fé. Nós querendo ou não, a morte é uma realidade presente em toda a criação de Deus. E, com certeza, a pergunta sobre o pós-morte é muito antiga. Eu lembro que quando eu era criança, me perguntava muito sobre o que acontecia após a morte. Lembro que quando tinha uns 8 anos de idade, conversava com um primo dois anos mais jovem sobre o que acontecia após a morte. A “teologia” que eu tinha em mente naquela idade era que os bons vão para o céu e os maus vão para o inferno.

Antes de qualquer coisa, precisamos compreender que a morte é um mistério. Temos, a partir da Palavra de Deus, muitos indicativos do que vêm após à morte, mas, com certeza, como humanos, não temos todas as respostas.

Queridos e queridas, em primeiro lugar, precisamos aprender que o texto que acabamos de ler e ouvir é uma parábola. As parábolas não possuem a função de formular doutrinas sobre Deus ou as coisas de Deus. A função das parábolas é dar uma “lição” a partir de exemplos do dia a dia do contexto histórico onde os seus receptores se encontravam. A ideia era que as pessoas, ao ouvirem a parábola, colocassem em prática no dia a dia os ensinamentos aprendidos (cf. Lc 10.37).

Para compreender a lição de uma parábola, precisamos identificar para quem ela está sendo contada. A pergunta é: para quem Jesus quis anunciar a sua lição? Os fariseus!

Desde Lucas 15, quando Jesus conta três parábolas de coisas perdidas e encontradas (Moeda, ovelha e filho), os fariseus se queixavam de Jesus por estar andando com pecadores. Em Lc 15.1-2 nos é dito que pecadores e publicanos se aproximavam de Jesus para ouvir suas palavras. Após Jesus anunciar as parábolas, os fariseus persistiam o ridicularizando e questionando (cf. Lc 16.14). Por isso Jesus lhes conta a parábola, a estória, do rico e do mendigo.

Devemos destacar que o objetivo da parábola não é proclamar uma doutrina acerca do mundo dos mortos. A pergunta da parábola não é se mortos estarão em lugares diferentes e se poderão conversar e dialogar neste local. Ela também não está interessada em saber se Abraão já está ou não no mundo dos mortos. O verdadeiro centro, objetivo e pergunta que a parábola faz é se os fariseus (devemos lembrar de 15.1-2 e 16.31) algum dia poderão crer no evangelho (v. 31). Mesmo que alguém volte dos mortos para anunciar a verdadeira justiça de Deus, os fariseus (público-alvo da parábola) seriam incapazes de crer.

Com isso, não temos totalmente esclarecida a questão da morte e a possibilidade de um lugar dos mortos, ou “mundo dos mortos”. Ele é de uma localização incerta. Para compreendermos “o mundo dos mortos”, precisamos ver o mundo como os personagens bíblicos o enxergavam: eles viam a realidade de baixo para cima. Nós, por causa da ciência, enxergamos o mundo de cima para baixo. A visão antiga judaico-cristã de mundo era da terra como o centro do universo. O sol e as estrelas são penduricalhos no céu. Estamos no meio. Embaixo de nós estão as profundezas, ou seja, o sheol, o hades. Ali os judeus e, posteriormente, cristãos achavam que era o lugar onde mortos ficavam. A expressão Jesus desce ao mundo dos mortos significa que Jesus desceu à realidade da morte. Não é um lugar de condenação, mas uma realidade. Mundo dos mortos pode, simplesmente, designar a condição daqueles que morreram. Não se trata, necessariamente, de um depósito de mortos. Pelo contrário: é uma afirmação metafórica sobre aqueles que já morreram.

Quando Jesus morre, nós ganhamos a vida. Vivemos por causa do fôlego da vida que Deus soprou em nós. O mesmo nos é retirado no momento da morte. Como afirmou o Pr. John Owen: “a Morte da Morte na Morte de Cristo.1” A morte é parte da vida. “Quem não está preparado para morrer, também não está preparado para viver!2” Para morrer, basta estar vivo. Isto não é fatalismo, mas aponta o amor de Deus, pois Deus ama algo tão frágil como o pó, do qual somos feitos. A Bíblia aponta (Sl 39; 49; 90) que a vida é curta. Mas cuidado: isso não significa cair no hedonismo! Devemos saber e reconhecer que somos passageiros.

Como cristãos, nós não cremos que a alma e o corpo se separam após a morte. Nós não temos corpo e alma: nós somos corpo e alma. É tudo uma coisa só! (Cf. Sl 84.2). Uma palavra hebraica importante é néfesh que significa ar; no novo testamento, a palavra grega equivalente é pneuma. “Quando se diz a respeito de Raquel (Gn 35.18) que sua néfesh “saiu” quando ela morreu, só se pode pensar na respiração.”3  Portanto, a néfesh é o fôlego de vida. Ao ser retirado, tem-se a morte.

Jesus, ao morrer na cruz, também teve retirada de si a néfesh/pneuma (cf. Mc 15.37; Lc 23.46; Jo 19.30). O corpo e a alma não se separam. Jesus morreu em corpo e alma.

O mesmo acontece conosco. Em nossa morte, a alma não se separa do corpo e vai para o céu. Mas corpo e alma são guardados por Deus na morte.

Isso pode parecer bastante estranho para nós, mas é o que nos diz a Palavra de Deus. A doutrina de que a alma volta para Deus é uma doutrina grega modernizada pelo espiritismo (a quem devemos respeitar), mas que não possui base bíblica.

Ao mesmo tempo, também não cremos que o corpo não tenha valor para Deus. No Credo Apostólico, confessamos que cremos “na ressurreição do corpo”. Em 1 Co 15.42-45 diz: “Pois assim também é a ressurreição dos mortos: semeia-se o corpo na corrupção, ressuscita na incorrupção. Semeia-se em desonra, ressuscita em glória. Semeia-se em fraqueza, ressuscita em poder. Semeia-se corpo natural, ressuscita corpo espiritual.”

Jesus não ressuscitou apenas o seu “fantasma”, mas ressuscitou com corpo e, inclusive, com as marcas de sua paixão na cruz. Em Lc 24.38-42, Jesus diz: “Por que estais perturbados? E por que sobem dúvidas ao vosso coração? Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; apalpai-me e verificai, porque um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho. Dizendo isso, mostrou-lhes as mãos e os pés. E, por não acreditarem eles ainda por causa da alegria, e estando admirados, Jesus lhes disse: tendes aqui alguma coisa que comer? Então, lhe apresentaram um pedaço de peixe assado [e um favo de mel]. E ele comeu na presença deles.” Um fantasma não pode ser apalpado e também não pode comer. Jesus ressuscitou com o corpo.

Em 1 Ts 4.13-18, o apóstolo Paulo diz: “Irmãos, não queremos que vocês ignorem a verdade a respeito dos que dormem, para que não fiquem tristes como os demais, que não têm esperança. Pois, se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também Deus, mediante Jesus, trará, na companhia dele, os que dormem. E, pela palavra do Senhor, ainda lhes declaramos o seguinte: nós, os vivos, os que ficarmos até a vinda do Senhor, de modo nenhum precederemos os que dormem. Porque o Senhor mesmo, dada a sua palavra de ordem, ouvida a voz do arcanjo e ressoada a trombeta de Deus, descerá dos céus, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro; depois, nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com eles, entre nuvens, para o encontro com o Senhor nos ares, e, assim, estaremos para sempre com o Senhor. Portanto, consolem uns aos outros com estas palavras.” Portanto, Paulo compara a morte ao sono da noite. Assim como ao dormir, não vemos o tempo passar, da mesma forma os mortos em Cristo dormem na sepultura aguardando a ressurreição dos mortos, mesmo sem ver a passagem do tempo.

Amados irmãos, amadas irmãs,

O que acontece após a morte? Somos aguardados pelo amor de Deus. Dormimos na esperança, aguardando a volta do nosso Senhor Jesus Cristo que ressuscitará nosso corpo e nossa alma para a vitória eterna. A alma não se separa do corpo e o corpo não se separa da alma, mas ambas são guardadas por Deus na sepultura. Entretanto, nosso nome permanece vivo na memória de Deus. No último dia, ele chamará o nosso nome assim como chamou o nome de Lázaro e dirá “vem para fora!” (cf. Jo 11).

A pergunta que Jesus faz aos discípulos é para nós também: por que estamos preocupados? Temos esperança. Façamos como diz o apóstolo Paulo: consolemos uns aos outros com estas palavras.

Amém!


22º DOMINGO APÓS PENTECOSTES | VERMELHO | TEMPO COMUM | ANO C

06 de Novembro de 2022


P. William Felipe Zacarias


1 OWEN, John. Por quem Cristo morreu?. 1648. capa.

2 WANKE, Roger. “Seminário II: As Concepções de Morte no AT”. São Bento do Sul: FLT, 2012. Anotações em sala de aula.

3 WOLFF, Hans Walter. Antropologia do Antigo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2007. p. 38.

 

 


Autor(a): P. William Felipe Zacarias
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio dos Sinos / Paróquia: Sapiranga - Ferrabraz
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Área: Espiritualidade / Organismo: Capela Luterana
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 16 / Versículo Inicial: 19 / Versículo Final: 31
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 68547
MÍDIATECA
Jamais a fé é mais forte e gloriosa do que ao tempo da maior tribulação e tentação.
Martim Lutero
© Copyright 2024 - Todos os Direitos Reservados - IECLB - Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - Portal Luteranos - www.luteranos.com.br