Jubileu dos 500 Anos da Reforma



ID: 2929

O céu começa aqui

01/09/2017

O CÉU COMEÇA AQUI

Lutero nasceu e a Reforma se deu em um período de muitas transformações. Em seus dias, o poder da Igreja e do papa entravam em declínio. Suas contestações, apresentadas em 31 de outubro de 1517, colaboraram para o descrédito do catolicismo estabelecido – já que apontavam os abusos que envolviam as vendas de cargos eclesiásticos e, principalmente, a negociação da absolvição dos pecados.

Em paralelo, o humanismo renascentista desviava o foco do absolutismo religioso, dando valor ao ser humano e às suas capacidades. O intelecto fomentava a busca pela verdade. Com a criação de colégios e a reformulação das universidades, as línguas populares ganhavam espaço.

A prensa de tipos móveis criada por Gutenberg (por volta de 1439) permitia a disseminação e a circulação das ideias. As pessoas passaram a ler e a formar opinião própria. As doutrinas foram sendo substituídas pelas experiências. Humanistas como Erasmo baseavam-se em textos e não mais na tradição ou no papado. Nicolau Copérnico, nascido em 1473, desenvolvia a teoria heliocêntrica do Sistema Solar, colocando o astro no centro do universo. Entre 1490 e 1492, o cartógrafo alemão Martin Behaim criava o que ficou conhecido como Globo Terrestre de Nürnberg. Mais adiante, de 1519 a 1522, Fernão de Magalhães realizava a primeira viagem de circum-navegação. Um pouco antes, em 1500, os portugueses chegavam à América e fundavam aqui as primeiras colônias europeias. À essa altura, Lutero ainda não desconfiava da importância do novo continente, mas percebia algo novo.

Já pertencente ao mosteiro agostiniano, onde ingressou em 1505 – quando tinha 22 anos –, foi enviado a Roma em 1511, para tratar de questões relativas à ordem. Começou, então, a desvendar esse mundo maior. Conforme relata Susan Leigh (2016) no livro Lutero: Ecos do Martelo, acompanhado de outro padre, o monge andou 40 dias e percorreu mais de 1.400 quilômetros entre a Alemanha, os Alpes Suíços e a Itália. Em sua viagem, passou por Florença – lugar de muito dinheiro e cultura. Durante o trajeto, adoeceu e foi atendido no Ospedale di Santa Maria Nuova, onde Leonardo da Vinci realizava seus estudos anatômicos (proibidos pela Igreja) para compreender o corpo. Foi também em Florença que, em 1510, pouco menos de um ano antes da passagem de Lutero, falecera o pintor italiano Sandro Botticelli – conhecido, entre outras obras, pela pintura de O Nascimento de Vênus.

Criava-se, portanto, uma nova perspectiva para o mundo e para as artes. Passou-se a pensar e a pintar de forma diferente. O Renascimento desenvolvia a estética do belo. O portrait – pintura de pessoas – substituía o registro de cenas piedosas. As imagens do inferno e do purgatório, que remetiam à penitência, cediam lugar ao corpo. A escultura David, de Michelangelo, com realismo anatômico, destacava a integralidade dos seres humanos: a alma importa, mas o corpo também importa. O teto da Capela Sistina, com afresco realizado pelo pintor italiano entre 1508 e 1512, é lugar de registro e evidencia as mudanças dessa época. Os humanistas começavam a coletar, a partir de Florença, o saber que foi rejeitado ou ocultado pela Igreja.

Nesse contexto de ebulição, as igrejas de arquitetura gótica – como a catedral alemã da cidade de Colônia –, com seus expressivos verticalismos, ainda apontavam para o firmamento – lembrando que esse deveria ser o objetivo de vida de quem quisesse encontrar a paz. A Igreja tentava manter sua imponência e vendia indulgências com o propósito de arrecadar recursos para o pagamento de suas despesas – como a construção da Basílica de São Pedro, iniciada em 1506, por exemplo.

De volta a Wittenberg, e tendo presenciado todas essas novidades em Roma – capital cultural e religiosa de toda a Europa, segundo Susan Leigh (2016) –, Lutero se sentia perturbado. Continuou seus estudos, contudo, e, em 1512, tornou-se doutor em Teologia. Começou sua carreira de professor de Bíblia na Universidade de Wittenberg e, logo em seguida, passou a supervisionar 11 mosteiros agostinianos da região. Mesmo assim, ainda temia que não fosse amado e aceito por Deus. A mudança só veio quando teve que interpretar para seus estudantes a epístola de São Paulo aos Romanos. Deus sempre lhe tinha sido mostrado como ser que controla a vida das pessoas, extremamente justo. Por isso, assim como seus contemporâneos, Lutero entendia “justiça” como recompensa aos bons e castigo aos maus e, por esse motivo, tinha medo de Deus. 

Ao interpretar Romanos, deparou-se com a formulação de que a justiça divina se revela no Evangelho e nela tropeçou, pois viu contradição: Evangelho significa boa notícia, mas que boa notícia é essa, se Deus castiga quem é mau e só recompensa quem é bom? Foi continuando a ler a passagem que verificou a sequência das palavras de Paulo, o autor de Romanos: o justo viverá a partir por fé. A partir daí, Lutero sentiu-se liberto. Não eram mais necessárias as cartas de crédito que garantiam o céu. Não eram mais necessários intermediários para se chegar a Deus. Foi então que o monge passou a expressar em palavras o que Michelangelo pintara no teto da Capela Sistina: o dedo de Deus tocando o dedo de Adão. Essa descoberta inverteu os valores da época, mudou muita coisa e levou à excomunhão e ao banimento de Lutero, em 1521. Antes disso, olhava-se para o céu e se produziam ou adquiriam muitas boas obras para assegurar a felicidade celeste. Agora, sabia-se que ela já havia sido concedida de graça. Em gratidão, era possível mudar a direção do olhar para mirar a terra e as criaturas, fazendo obras para preservá-las. Para Lutero, portanto, a comunhão, a fidelidade e o amor deveriam ser vividos aqui e agora. 

Suas ideias se espalharam e alteraram os modos de vida do seu tempo e se refletem ainda hoje, no nosso. A vida presente passou a ser o foco das ações. Uma boa obra, portanto, não almeja o depois, mas a melhoria da vida em comunidade na qual estamos inseridos aqui e agora.

Dizia Lutero que “não são as boas obras que fazem o bom cristão; o bom cristão faz boas obras”. Portanto, é no nosso cotidiano que devemos ser éticos e úteis, satisfazendo por meio de nossas atividades as necessidades reais de nossos irmãos sem que, para isso, esperemos recompensa. Essa ideia é abordada no Tratado sobre a Liberdade Cristã, que escreveu em 1520.

Em síntese, o que Lutero nos ensina é que devemos desfrutar desse mundo, com ética e vivê-lo no amor, preservando-o. Nossos esforços, então, devem ser direcionados para o nosso dia a dia, no local em que estamos inseridos. É aqui e agora que se colocam os sinais da esperança que se tem.
 


Âmbito: IECLB
Área: História / Nível: 500 Anos Jubileu
Natureza do Texto: Artigo
ID: 43607

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