Prédica: Salmo 98
Leituras: Colossenses 3.12-17 e Lucas 1.46-55
Autoria: Christoph Küstner e Franciele Vanessa Sander
Data: Jubileu dos 500 Anos da Reforma
Data da Pregação: Aberta
Proclamar Libertação - Volume: XL
Lutero e a música
Cantem um cântico novo!
1. Introdução
Os textos escolhidos para esta celebração animam para o louvor através da música. Eles foram muito apreciados pelo reformador Martim Lutero e ainda hoje são referência para a nossa própria prática comunitária e de fé.
A música cria realidade na vida das pessoas, cria sentimento de pertença, gera comunidade. Mais do que o ensinamento, mais do que seu conteúdo teológico, dirigidos ao cérebro dos ouvintes, a música, sua melodia e seus ritmos ecoam nas profundezas da alma. (Mauro Batista de Souza)
No texto à comunidade de Colossos, Paulo anima as pessoas para uma postura de humildade, cuidado mútuo e gratidão a Deus. Em consequência de sua graça, ele recomenda o ensino e a alegria expressa através da música, “louvando a Deus com salmos e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração” (v. 16).
O texto do Magnificat foi muito valorizado pelo reformador, que dentre outras coisas escreveu: Hoje todo mundo está cheio desse tipo de servir e louvar a Deus com canto, pregação, música de órgão, pífaros, e o Magnificat é cantado maravilhosamente. Ao mesmo tempo, porém, é lamentável que usemos esse precioso cântico de modo inteiramente destituído de vigor e sabor. (OSel 6,31)
O texto escolhido para a pregação deste culto especial é o Salmo 98. Esse salmo começa com o liturgo animando a comunidade para cantar um cântico novo ao Deus Rei. O que significou um cântico novo para o salmista, para Lutero e o que significa, também, para nós hoje? Neste auxílio, buscamos dar algumas pistas para refletir sobre essas questões.
2. Exegese
2.1 – Entendendo o Saltério
O conjunto de salmos unidos em um único livro tem o nome hebraico de Tehillim – Livro dos louvores/hinos. Ele não é um bloco único e homogêneo e conta com diferentes partes escritas, adaptadas e compiladas em diversos períodos da história de Israel. Alguns dos salmos podem dar pistas de local e momento histórico, todavia a confi rmação dessas informações é muito difícil. Por volta do século III a.C. foram reunidos em um único livro conhecido como Saltério.
A maioria dos pesquisadores concorda que o livro pode ser dividido em cinco partes, cada uma delas sendo concluída com uma doxologia, isto é, uma exclamação de louvor (1-41, 42-72, 73-89, 90-106, 107-150).
Para Carlos Mesters, o Livro dos Salmos foi o livro mais divulgado e conhecido por ser uma composição vinda do povo. São cantos que brotaram e que refletem a relação do povo com Deus e de Deus com o povo. Em seu entendimento, as pessoas viam nos cantos um pretexto de sua própria vida e, por que não dizer, um reflexo da mesma. Dessa maneira, os salmos atingem o fim para o qual foram inspirados: fazem descobrir quem somos e qual a nossa responsabilidade, dando-nos esperança e fazendo-nos caminhar sempre em direção ao que Deus nos propôs.
2.2 – Entendendo o Salmo 98
O Salmo 98 faz parte dos salmos de entronização. Neles, Javé é exaltado como o rei supremo, que é levado a seu trono e deve ser exaltado por todas as nações. Javé é o dominador das forças caóticas e das nações da terra. Rios, montes e mares são chamados para louvar junto com a comunidade (v. 7-8). Um elemento parece caracterizar esses textos: a entronização, isto é, a presença repetida da fórmula jahweh malak, Javé reina. Essa aclamação aparecia nas liturgias que celebram a vitória de Javé sobre seus inimigos. Há indícios de que esses salmos teriam sido usados nas liturgias que celebravam a realeza de Javé, estabelecida no monte Sião.
Os salmos de entronização constituíram o centro de uma cerimônia de culto do antigo Israel. As particularidades dessa festa, e até mesmo a sua datação, ainda estão em debate, mas é provável que acontecesse nas festividades de ano-novo. De forma dramatizada, o cortejo, carregando a Arca da Aliança, relembraria o domínio de Javé sobre o mundo. Essa seria uma festa de intensa alegria e muita música. Deus acaba de chegar solenemente em meio aos gritos de alegria. Por isso os povos devem bater palmas. Por isso um canto de louvor deve ser entoado. Os poderes vencidos por Javé são, em parte, as forças caóticas do mundo e também as outras nações. Os salmos de entronização giram em torno de um único acontecimento que está prestes a se realizar e, parcialmente, já está presente: Javé é Rei!
Primeira estrofe (v. 1-3) – Um hino de vitória: vitória é a palavra que predomina nessa estrofe e que dá vazão ao cântico novo. Não é possível afirmar, com certeza, qual é o motivo da vitória, mas se pode pressupor que seja o fato de o povo exilado poder voltar à terra prometida. Deus, mais uma vez, é aquele que com a sua mão e seu braço poderoso salvou o seu povo operando maravilhas. Ao contrário do que havia acontecido com o Israel sob a tutela do povo opressor, Deus age com justiça e fidelidade. Essa palavra costuma acompanhar a ideia do amor constante de Deus. A promessa feita a Abraão mais uma vez se cumpre. Essa confiança mantinha acesa a esperança do povo e precisava ser celebrada.
Segunda estrofe (v. 4-6) – O louvor universal a Yahweh: Deus, Rei maravilhoso e poderoso, deve ser exaltado por todos os povos, e isso acontece através da música. A música aqui é bem específica: harpas e canto, trombetas e sons de buzinas. Champlim busca descrever esse momento de modo entusiástico: O cortejo seguia caminho na direção do templo, a fim de celebrar a cerimônia de entronização, fazendo de Yahweh, uma vez mais, o Rei de Israel e, de fato, o Rei Universal. O coro avançava cantando; as trombetas tocavam; os instrumentos musicais também; as mulheres dançavam. O coro convoca todos os povos de todos os lugares a juntar-se ao cântico, no espírito do evento, com uma dedicação correspondente a Yahweh como o Rei da vida. Há grande ruído de alegria, regozijo e atividade frenética. Diz aqui o original hebraico, literalmente “explodi e cantai em voz alta”, como se fossem águas precipitando-se, tal qual o estampido de um raio caído do céu.
Terceira estrofe (v. 7-9) – Louvor da criação: ao colocar os rios, montes e mares a louvar a Deus, o autor do calmo parece atestar, de forma absoluta, a universalidade do reinado de Yahweh. Segundo Champlin, esse momento é a chegada do cortejo ao templo e quando os sacrifícios são iniciados. Enquanto isso, a música continua a ser feita e a dança continua. No templo, conclui-se a proclamação de que Javé, uma vez mais, foi coroado e proclamado Rei Universal. No final do salmo, há uma fala messiânica e profética de que ele virá para julgar o mundo com justiça e os povos com equidade. Como pessoas cristãs, entendemos a consumação dessa profecia no Cristo, vindo de Deus, para a nossa salvação. Essa certeza dá-nos motivos para cantar, tocar e dançar para o nosso Senhor, que é Rei sobre todo o universo e Senhor sobre toda a justiça.
3. Meditação
O texto do Salmo 98 foi escolhido por nós por deixar bem claro que Deus deve ser louvado. A forma mais plena de fazer isso é através da música que envolve todo o corpo da pessoa e toda a comunidade. Lutero sabia da importância da música, pois ela esteve presente durante toda a sua vida. Havia música em sua casa com família e pessoas que por lá passavam, mas também em suas recomendações para a prática de fé das comunidades. Além disso, em diversos momentos, Lutero cobrou das autoridades que reconhecessem o valor da música na prática do ensino e também das pessoas que com ela trabalhavam (para mais informações sobre a música na biografia de Lutero veja as indicações bibliográficas).
Ao falar sobre o Livro dos Salmos em seu prefácio (OSel 8), Lutero eleva--o à categoria de pequena Bíblia por conter o verdadeiro coração dos santos que o escreveram. Para ele, qualquer pessoa encontra palavras vindas do coração de quem os escreveu e encontra conforto para si mesma ao lê-los.
Lutero recomenda a leitura dos salmos como quem come do maná do deserto, como um presente de Deus para todas e todos nós. Onde quer que cristãos tenham se reunido para adorar e louvar a Deus, eles entoaram canções – de fé e confiança, de penitência e confissão, de exílio e renascimento, de confissão e salvação. Ao longo de vinte séculos de história cristã, palavras juntas têm sido um meio para cantar o velho em uma nova terra. (SCHALK, Carl F. Paradigmas de Louvor, p. 39)
Para Lutero, a música é criação e dádiva de Deus. Ele escreveu: Eu gostaria que todas as artes, particularmente a música, estivessem a serviço daquele que as concebeu e criou (OSel 7, 481). Ele entendia a música como proclamação, isto é, como instrumento através do qual Deus fala a seu povo. Do mesmo modo, Lutero via a música como forma de expressão do sacerdócio geral das pessoas que creem. Lutero compara a alegria do evangelho com música alegre e bem feita, entoada pelas pessoas que creem no Deus encarnado em Jesus Cristo. Para ele, a música é aliada na proclamação do evangelho e instrumento de Deus para tocar o coração e a mente das pessoas.
No Salmo 98, lemos que nosso Deus é Rei. Mas que tipo de rei é esse? Que vitória esse rei nos dá? Nosso Deus é Rei, mas um rei que se entrega e nos convida&nbs