200 Anos de Presença Luterana no Brasil



ID: 3277

Hermann Dohms (1887-1956)

A procura de um caminho para a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil

01/01/1987

É difícil escrever ou falar a respeito de uma pessoa, a qual não se conheceu pessoalmente. As impressões são mais distantes. No entanto, há uma impressão de Hermann Dohms que está muito próxima de mim; trata-se da IECLB. Ouvi falar deste homem pela primeira vez na manha de 5 de dezembro de 1956. Os sinos do templo da Comunidade Evangélica de Montenegro, os quais haviam silenciado por algum tempo, em virtude do incêndio que devorara nossa igreja em agosto, e que agora estavam montados sobre modesta armação de madeira, dobravam, anunciando o falecimento de uma pessoa. Perguntei ao P. Bertholdo Weber: Quem faleceu? A resposta foi: O Presidente Dohms! O nome não me disse muito. Só anos mais tarde, como estudante do Instituto Pré-Teológico e da Faculdade de Teologia, em São Leopoldo, pude conhecer Hermann Dohms um pouco mais.

Se algum de seus ex-alunos tivesse que falar sobre Dohms, ele, certamente, acentuaria facetas importantes de seu ponto de vista. Poderia falar de suas capacidades pedagógicas no Instituto Pré-Teológico, poderia falar de suas capacidades teológicas na revista Deutsche Evangelische Blätter für Brasilien, poderia falar de suas capacidades como professor de Teologia, poderia falar de sua capacidade de homem de finanças, de político, filósofo, e de muitas outras facetas desta vida tremendamente rica. No entanto, todos estes aspectos seriam apenas facetas, pequenos recortes, que estavam a serviço de um alvo maior. Em uma carta a seu antigo colaborador, Ferdinand Schröder, Dohms escreveu em certa ocasião: Nada me atinge que também não atinja nosso alvo: A Igreja (Mich berührt nichts, was nicht unser Ziel berührt: Die Kirche). Foi a serviço desta Igreja que esteve toda a sua vida. Por isso posso afirmar que o nome Hermann Dohms significa a procura de um caminho para a Igreja Evangélica, originalmente nascida de imigração alemã, aqui neste país, no Brasil.

A partir desta afirmação, apresento Hermann Gottlieb Dohms a partir de sua Igreja, falando da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, antes de H. Dohms, e da igreja Evangélica de Confissão Luterana com H. Dohms.

I
Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil antes de Hermann Dohms

Talvez o leitor esteja esboçando um sorriso! Igreja de Confissão Luterana, antes de H. Dohms? Existe isso? Existe! É claro que não existe de forma estruturada. Não existem pastor-presidente, pastores-regionais e toda a nomenclatura que hoje conhecemos. Mas a Igreja, ela existe. Segundo o Credo Apostólico, ela é a Comunhão dos Santos e existe onde pessoas são reunidas em torno da Palavra de Deus e dos Sacramentos. E, esta Igreja existe, em sua, forma luterana, desde 1824, no Brasil. É verdade, nela também encontramos tradições calvinistas (penso nos imigrantes da região do Palatinado) e tradições unidas (penso nos súditos prussianos), mas também é verdade que estas tradições deram sua contribuição valiosa para nossa Igreja. Diria até que as tradições unidas nos ajudaram a criar uma IECLB, a partir de tradições calvinistas e luteranas.

Num dia do ano de 1897, o P. Paul Dohms acompanhou seu filho Hermann Gottlieb, nascido em Sapiranga (a antiga Fazenda Leão) a 3 de novembro de 1887, até o porto de Rio Grande, onde o entregou aos cuidados do capitão do vapor Maceió. Não vamos acompanhar a viagem do jovem. Vamos ficar aqui no Brasil e olhar a Igreja Evangélica. Existem imigrantes e descendentes destes no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo. Entre estes imigrantes formaram-se comunidades evangélicas, onde muitas vezes o pastor fora inicialmente, escolhido entre os próprios imigrantes. Mais tarde, a partir de 1864, sociedades missionárias começaram a enviar pastores para o pastoreio dessas comunidades. O trabalho foi difícil. Muitos relatos nos dão conta da situação nestes tempos. Em 1868, em São Leopoldo, sob a orientação do P. Hermann Borchard, algumas comunidades haviam tentado criar um Sínodo, uma Igreja estruturada, que, porém, desapareceu poucos anos após a volta de seu idealizador para a Alemanha. Nossas comunidades já haviam desenvolvido seu sistema de vida independente. Elas não aceitavam, sem mais, uma estrutura que, mesmo procurando unir as comunidades para defender seus interesses perante o Estado brasileiro, parecia estar tirando delas uma parcela de sua liberdade. Esta situação de independentismo era geral entre as comunidades evangélicas em todo o Brasil. A Igreja terminava para a maioria nas fronteiras da própria comunidade. Alguns pastores reuniam-se esporadicamente em conferencias pastorais e através destas esboçava-se uma pequena união de nossa Igreja. Não podemos esquecer também que as distâncias, a falta de meios de comunicação tornavam também quase que impraticáveis os contatos entre as diversas comunidades. Em 1886, quando da fundação do Sínodo Riograndense, Wilhelm Rotermund convidou o P. Johann Jakob Zink para que viesse a São Leopoldo, participar da fundação desta organização. Zink residia em Rio Claro, Estado de São Paulo, e teve que declinar do gentil convite de Rotermund por causa da distância e da falta de comunicação. Sua paróquia era bastante extensa. Tinha que atender ainda Campinas, São Paulo e Santos!

Apesar de todas as dificuldades existentes, Wilhelm Rotermund, Pastor em São Leopoldo, conseguiu criar, com o auxílio de colegas e de membros de comunidades, no ano de 1886, o Sínodo Riograndense. Um ano mais tarde, aliás, Hermann Dohms iria nascer. Não nos podemos imaginar nada de grandioso sob o nome Sínodo Riograndense. Toda a receita do Sínodo até a Primeira Guerra Mundial consistia de uma coleta anual levantada naquela cidade, onde se realizava o concílio sinodal! Para financiar os trabalhos do Sínodo, o Comitê para os Alemães Protestantes no Brasil, com sede em Barmen/Alemanha, levantava fundos consideráveis. Assim, todo o trabalho do Pastor Michael Hätinger, que exerceu as funções de pregador itinerante no Rio Grande do Sul, sendo mais tarde fundador e diretor dos Asilos Pella e Bethania, foi financiado pelo dito Comitê. - O Sínodo de Rotermund sobreviveu às muitas crises que surgiram e soube ser um eficaz instrumento na defesa dos interesses dos cristãos evangélicos. Mas, por outro lado, era uma instituição fraca, fraca em finanças, sentindo uma falta crônica de pastores e, esta e uma pílula difícil de ser engolida, uma instituição voltada para a Alemanha, não enraizada no Brasil. Esse último ponto talvez mereça uma reflexão mais profunda. Apesar de todos os esforços de Rotermund para formar a juventude teuto-brasileira (penso em seus muitos livros, que vão desde a gramática da Íngua portuguesa até o livro de religião), não éramos uma Igreja com seus olhos plantados no Brasil.

A visão de nossos membros estava mais fincada na longínqua Alemanha do que nestas plagas. A visão de nosso membro era idealizada. Ele pensava em uma Alemanha que era o símbolo daquilo que aprendemos ser um país-das-mil-maraviIhas. Esta visão tem suas origens históricas. No Brasil, os imigrantes estiveram originalmente isolados. Isolados também politicamente. Só pouco a pouco e que foram conseguindo introduzir-se na política. Eram monarquistas em seu país de origem e monarquistas continuaram a ser no Brasil. Na política, tenderam, com o tempo, mais para o Partido Liberal de Gaspar Silveira Martins do que para o Partido Conservador, reduto de seus maiores adversários: os latifundiários. Eram monarquistas e monarquistas ficaram. Poucos eram, no final do Império, os descendentes de alemães adeptos de ideias republicanas. Sobremaneira maior era o número de adeptos das ideias liberais. O azar deles foi o fato de o Partido Liberal haver fornecido os últimos gabinetes do Império e de Gaspar Silveira Martins haver sido indicado como último Primeiro Ministro do Império, fato que levou seu adversário Deodoro da Fonseca, um monarquista (!), a proclamar a República a peso da força militar. Dizem que a briga entre Deodoro e Silveira Martins se originou por causa de uma mulher. Por causa dessa mulher os teuto-brasileiros saíram perdendo. Pois, proclamada a República, os antigos conservadores passaram em massa para o Partido Republicano. Os antigos latifundiários eram agora republicanos. Como latifundiários eram adversários dos pequenos agricultores. Essa divergência veio a se acentuar ainda mais quando no Rio Grande do Sul eclodiu a Revolução Federalista. Os grandes perdedores foram os Liberais de Silveira Martins e, com eles, os descendentes dos imigrantes. Estes foram completamente alijados da vida política.

Restou-lhes sua germanidade, seus valores, seus costumes próprios. Alem disso, o positivismo que agora se tornou ideologia dominante criou um tipo de Estado que se interessava somente pelas finanças; no mais valia a máxima positivista aplicada ao ensino: Ensine quem puder, aprenda quem quiser. E foi isso que os descendentes dos imigrantes fizeram: ficaram com sua germanidade e seus valores culturais trazidos da Europa. Criaram sua sociedade e viveram realmente isolados. Na mesma época dava-se no Reino Alemão a queda de Bismarck, o chanceler que até é então evitara as tentativas daqueles que desejavam uma política pangermanista agressiva. Sob os seus sucessores, como p. ex. Caprivi, os pangermanistas lançaram-se em busca de seus ideais e vieram a encontrar no Brasil descendentes teutos isolados da vida do país. Sua política encontrou chão fértil. Muito foi investido por parte do Reino Alemão em escolas, jornais, visitas de navios alemães. Inclusive uma cartilha com cenas da vida do Kaiser chegou a ser impressa e distribuída no Brasil. Os pangermanistas esperavam com sua política de preservação de germanidade conseguir mercados para a industria alemãs. O resultado foi outro: nos dias da Primeira Guerra Mundial, os descendentes de alemães tiveram que pagar por esta política do Reino Alemão e pela política do Estado Brasileiro, que os isolara politicamente. No contexto desse isolamento também nossa Igreja se isolou. Hermann Dohms faria parte do grupo daqueles que procuraria reintegrar esta Igreja no desenvolvimento da nação brasileira.

Quando o jovem Hermann Dohms embarcou para a Alemanha, desembarcou em Joinville o Pastor Otto Kuhr, que vinha com a incumbência de criar em nossas terras um Sínodo Luterano. De seu trabalho, já em 1905, surgiria o Sínodo Evangélico Luterano de Santa Catarina, Paraná e outros Estados da América do Sul. O nome trazia em si grandes pretensões, mas também este sínodo foi pequeno e cheio de dificuldades. Seis anos mais tarde, em 1911, criava-se em Blumenau a Associação de Comunidades Evangélicas de Santa Catarina e Paraná, que reunia as comunidades e paróquias de Santa Catarina e Paraná que não haviam se unido ao Sínodo Luterano. No ano seguinte, 1912, os evangélicos do Brasil Central uniam-se no Sínodo Evangélico do Brasil Central. Alguns passos importantes deveriam ser dados até que se conseguisse formar destes quatro sínodos uma Igreja brasileira. Neste trabalho, Hermann Dohms teria sua participação decisiva. Voltemos agora à cidade de Rio Grande, em 1897.

II

Igreja Evangélica de Confissão Luterana com Hermann Dohms

      
Chegando à Alemanha, Dohms frequentou de 1898 a 1907 o Johanneum, em Gütersloh, uma instituição da Associação Missionária da Renania, cuja finalidade era a formação dos filhos de missionários. Aqui se combinava educação cristã e humanística. Desta escola, Dohms tiraria o modelo para o seu Instituto Pré-Teológico. A cópia foi fiel, inclusive no coro de trombones. Mais tarde, Dohms enviaria muitos dos alunos da família do IPT para Güters¬loh, que passou a ser a porta de ingresso dos brasileiros evangélicos em universidades alemãs. - As influências recebidas na casa paterna, bem como sua própria vocação levaram-no ao estudo de Teologia. Na época em que se decidiu pelo pastorado, Dohms se encontrava sob forte influência de círculos pietistas. Por isso, teve grandes reservas frente a “Teologia Acadêmica e não foi estudar Teologia em universidades alemãs e sim em Basiléia, na Escola de Pregadores. Aqui, porém, entrou em contato com a Teologia Acadêmica, assistindo aulas na Faculdade de Teologia da Universidade local. Aqui se deu a grande descoberta de sua vida: a teologia de Friedrich Schleiermacher (1768-1834). O pensamento deste teólogo vai permanecer constante na vida de Dohms. Em 1908, segue para Leipzig e, em 1909, para Halle. Sua atenção concentra-se na teologia de Martin Kahler (1935-1912), Albrecht Ritschl (1822-1889) e Ernst Troeltsch (1865-1923). Mais tarde, Dohms dirá que se deve questionar como Troeltsch e responder como Kahler. Após colaborar por dois anos como professor no Johanneum, em Gütersloh, prestou o Primeiro Exame Teológico, e, em fins de 1911, passou a frequentar o Seminário de Pregadores em Soest na Westfália. Esta estada em Soest tem um significado especial. Foi aqui que amadureceu o plano de ação que mais tarde poria em prática no Brasil. Reconheceu, aqui, que o método de trabalho até então usado no Sínodo Riograndense” era inviável. Segundo sua concepção, deveria surgir uma Igreja Evangélica de Rito Alemão no Brasil, uma igreja independente, de características próprias, mas mesmo assim ligada a ecumene.  

Prestado o Segundo Exame Teológico, em 1913, Dohms regressou ao Brasil, em 1914. Voltava casado, após haver estado afastado da terra natal por cerca de 15 anos. Em março de 1914, foi ordenado, em Sapiranga, pelo Presidente do Sínodo Riograndense, Wilhelm Rotermund (1843-1925) e assumiu a Comunidade Evangélica de Cachoeira do Sul.

A partir de sua comunidade, em Cachoeira, Dohms começou a influenciar toda a vida do Sínodo Riograndense. Em 1919, começou a publicar Deutsche Evangelische Blätter für Brasilien (Folhas Evangélicas Alemãs para o Brasil). Nesta revista passou a desenvolver seu programa de uma Igreja Evangélica de Rito Alemão no Rio Grande do Sul. (Deutsche Evangelische Kirche von Rio Grande do Sul). Para que esse alvo fosse alcançado, Dohms apresentou três exigências ao Sínodo: 1o) O Sínodo tem que se preocupar com a formação de pastores e mestres provenientes do grupo teuto-brasileiro. Isso será feito através da fundação e da manutenção de uma Escola Normal e de uma Escola de Teologia. 2o) O Sínodo tem que se constituir em uma Igreja de bases populares (Volkskirche) no Brasil, em completa independência do exterior. 3o. O Sínodo deve procurar, como Igreja, uma filiação a Federação das Igrejas Territoriais Alemãs que manifeste e assegure a ligação interna com a Igreja Evangélica da Alemanha. Estas exigências já haviam sido apresentadas em anos anteriores, mas não haviam sido concretizadas. Uma das características de Dohms, porém, é o fato de fazer exigências e de concretizá-las. A 19 de julho de 1921 ele iniciaria com as atividades do Instituto Pré-Teológico, em sua própria casa. Ali esta escola iria continuar se desenvolvendo até 1927. Neste ano é transferida para São Leopoldo. Propiciava a seus alunos uma formação humanística e teológica. Mais tarde eles deveriam estudar Teologia na Alemanha, pois as condições ainda não permitiam a instalação de uma Escola de Teologia no país. Por ocasião do Concilio Sinodal de Santa Maria (1916), Dohms comunicou que sua comunidade e outras quatro estavam dispostas a colocar 4% de sua receita a disposição do Sínodo. Outras comunidades seguiram este exemplo, e, desde então, existem contribuições de comunidades para o trabalho da organização sinodal. Em 1919, Dohms apresentou uma moção que requeria uma nova constituição para o Sínodo. O projeto apresentado era de sua autoria e veio a ser aceito com pequenas alterações. O Sínodo recebeu o nome de Deutsche evangelische Kirche von Rio Grande do Sul, sendo, porém, de se notar que Dohms traduz o termo deutsche com de rito alemão. Decisivo é, porém, o fato de que ele procura determinar o Sínodo confessionalmente: A Confissão de Augsburgo e o Catecismo Menor de Lutero são considerados escritos confessionais da Igreja Evangélica de Rito Alemão no Rio Grande do Sul. Este dado e importante, pois até então o Sínodo Riograndense não tivera uma base confessional clara. Em 1929, Dohms alcança a terceira exigência de seu programa: a filiação a Federação de Igrejas da Alemanha.

Em 1926, Dohms passa a fazer parte da diretoria do Sínodo, na qualidade de tesoureiro. Aqui Ihe é dada a possibilidade de levar avante a autonomia financeira do Sínodo. Desde 1935 o peso da direção como Presidente do Sínodo Riograndense Ihe cai sobre os ombros. Aqui, o teólogo, pedagogo, homem de finanças, veio a mostrar suas maiores capacidades. Enfrentou a época da guerra, da nacionalização, evitou a transferência pura e simples das discussões teológicas da Alemanha para o Brasil. Nesta época de crise responsabilizou-se pelo envio de seus alunos do Instituto Pré-Teológico e de leigos experimentados para o trabalho pastoral nas comunidades, iniciando assim com o trabalho da Escola de Teologia. Finda a guerra, a luta continuou. Não havia recursos, mas paulatinamente foram surgindo a Escola de Teologia e a Federação Sinodal. Esta última, surgida em 1949, adotaria desde 1954 o nome de Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil.

Por trás do programa de Dohms vamos encontrar uma concepção teológica claramente definida. Ela é movida, constantemente, pela pergunta relativa ao correto relacionamento entre a Igreja e o povo, do qual ela se compõe. Segundo ele, a Igreja se dirige a pessoas humanas, é formada por pessoas humanas, e deve encarnar sua mensagem no grupo ao qual se dirige. Para ele, Igreja é Igreja quando se preocupa com o homem todo, com suas dores, seus sofrimentos, suas alegrias. Ela se transforma em seita, quando só se preocupa com o 'espiritual'. Em sua Teologia encontramos paralelos com exigências contemporâneas de uma indigenização da Igreja; em sua Teologia encontramos a preocupação pela identidade da Igreja em seu ambiente cultural. O ambiente cultural da Igreja Evangélica no Rio Grande do Sul era o dos teuto-brasileiros. Era em relação a eles que Dohms via sua missão de Iíder evangélico. Cria ele que o sentido da história da Igreja é: Individuação do cristianismo, i. é, entrada do Evangelho nas individualidades criadas por Deus, especialmente nesta ou naquela etnia. Fé cristã não é algo a-histórico, mas algo que tem a ver com nossa história muito humana e pessoal. Iríamos longe demais caso quiséssemos nos aprofundar agora em todo o pensamento teológico de H. Dohms. Certo é que a partir de sua concepção teológica, que pretendia uma Igreja enraizada na realidade brasileira, Dohms lançou apelos para a criação de um sistema educacional do Sínodo, visando fortalecer as escolas comunitárias, fundar o Instituto Pré-Teológico e o Ginásio Teuto-Brasileiro, hoje Colégio Sinodal e a fundação de uma Escola de Teologia para a formação de uma classe de pastores que esteja familiarizada e Iigada com as situações do país e para dar à Igreja mais e mais o caráter de uma instituição enraizada no povo. Este último ponto somente veio a ser concretizado em 1946, mas jamais caiu fora de seus planos. A partir desta sua concepção de Igreja como uma instituição enraizada no povo, surgiu também sua exigência de uma Igreja comunitária autônoma, que desenvolvesse e cultivasse uma vida cultural própria. Esta última exigência passou a ser o Leitmotiv do Sínodo. Dohms quis e exigiu que a Igreja do grupo étnico teuto fosse uma Igreja que tivesse suas bases completamente no Brasil e que se ativesse às peculiaridades culturais de seu grupo.

Vindo a situação de nacionalização, de guerra, Dohms viu-se forçado a concentrar a atividade eclesiástica ao mínimo necessário. Quem conhece nossa história, sabe que tivemos naqueles tempos o homem certo na direção. Apesar de todas as dificuldades pelas quais passou nesta época de guerra e, com ele, a Igreja Evangélica no Rio Grande do Sul, Dohms afirmou, em 1946, em Santa Cruz do Sul, por ocasião do Concilio Sinodal: Quero crer que todos nos temos a impressão de que a longa época das cousas de pequena monta para a Igreja Evangélica no Rio Grande do Sul passou desde há algum tempo. Estamos diante de tarefas grandes, às quais tem que corresponder plenamente a largueza de vistas e a generosidade das nossas atitudes, para que a Igreja possa bem servir as vastas populações evangélicas brasileiras e a esta terra. Sim, as cousas de pequena monta haviam passado. Vinham as cousas de grande monta: A Faculdade de Teologia e a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Aos conciliares, reunidos em Santa Cruz do Sul, Dohms ainda diria: Temos que corresponder à expectativa dos três Sínodos irmãos, dos outros Estados do Brasil, que de nós esperam a iniciativa de uma cooperação mais estreita que, sem interrupção de qualquer ordem, terá por fim o estabelecimento da Igreja Evangélica Luterana no Brasil. Não duvido de que a respectiva moção terá o apoio integral desta Assembléia que bem saberá avaliar a significação da existência de uma Igreja Evangélica Brasileira. Dohms pôs-se novamente a trabalhar e certamente não haverá ninguém que venha a dizer que a IECLB não foi seu trabalho. Falando de sua compreensão de IECLB, em 1950, Dohms pode afirmar que a Igreja é uma impossibilidade humana e quer ser reconhecida como tal, para que exista puramente como possibilidade de Deus para o homem. A IECLB é dádiva de Deus e só poderá continuar a existir enquanto ela se compreender como tal: O ser da Igreja é como dádiva de Deus dado ou não dado. Sendo assim uma congregação que de fato e Igreja sobre o fundamento comum, só poderá afirmar não ter outro fim senão o de ser o que realmente é. Neste caso, porém, deve refletir bem no que ela afirma. Não fala ela de um objetivo, mas sim de uma dádiva. A IECLB existe no Brasil e para Dohms isto significa: Tem ela aqui sua pátria e seu campo de ação. Constitui-se aqui como entidade jurídica e administrativa, com os próprios meios materiais, em plena autonomia e em concordância com a legislação brasileira. Tem sua vida aqui, no povo e Estado brasileiros, em cujo destine se acha entrelaçada com os seus membros. Procura com todo o seu serviço o bem desta terra e de seu povo. Que a Federação como Igreja resolutamente queira edificar assim e levar assim a co-responsabilidade para que na pátria brasileira seja procurada a honra de Deus, anunciada sua Palavra, que sejam ensinados e cumpridos os seus mandamentos, e nisso que reside um dos motivos pelos quais nossas comunidades tão entusiasticamente a acolheram. No final de sua exposição, Dohms chega a quatro pontos. Estes quatro pontos, teses, são espelho de uma tremenda continuidade em sua teologia e um legado para nos hoje:

1o) A Federação Sinodal é igreja de Jesus Cristo no Brasil com todas as consequências que daí resultarem para a pregação do Evangelho neste país e a co-responsabilidade para a formação da vida política, cultural e econômica de seu povo.
2o) Esta Igreja é confessionalmente determinada pela Confissão de Augsburgo e o Pequeno Catecismo de Luther. Ela pertence à família das igrejas moldadas pela Reforma de Martin Luther, e quando adotar em lugar de 'Federação Sinodal' a denominação de igreja, o que esperamos para breve, exprimi-lo-á nesta mesma denominação.
3o)Como Igreja assim determinada confessionalmente a Federação Sinodal se encontra na comunhão das igrejas reapresentadas no Conselho Ecumênico, as quais admitem o Evangelho de Jesus Cristo, que nos transmite a Sagrada Escritura, como única regra e diretriz de sua obra evangélica e de sua doutrina.
4o) A Federação Sinodal cultiva a comunhão de Fé com a Igreja-Mãe, a Igreja Evangélica na Alemanha, que pela sua organização básica evidencia a comunhão da cristandade evangélica na Alemanha e se enquadra na ordem da Ecumene.

Essas teses de 1950 são as mesmas que o jovem pastor Dohms apresentara em 1919, ressalvando-se as mudanças históricas ocorridas. Comparando-se as teses de 1919 com as de 1950, e a Constituição do Sínodo Riograndense de 1922 com a Constituição da Federarão Sinodal de 1950, e com a Constituição da IECLB de 1968, veremos que o pensamento de Hermann Gottlieb Dohms continua presente. Desta maneira podemos concluir que a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil é seu maior legado para nós. 


P. Dr. Martin N. Dreher - São Leopoldo, RS

(Fonte:    Anuário Evangélico 1987. Editora sinodal, São Leopoldo/RS, p. 157-171)


Autor(a): Martin Norbert Dreher
Âmbito: IECLB
Área: História
Área: História / Nível: 200 Anos de Presença Luterana no Brasil / Instância Nacional: Presidência
Natureza da memória: Testemunhas - pessoas
Natureza do Texto: Artigo
ID: 12696

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