Zeitgeist

Artigo

25/11/2005


A linguagem da filosofia empresta e nos permite aplicar o termo Zeitgeist. A tradução literal seria espírito do tempo ou, talvez, num jeito mais popular, a onda do tempo. Conceitos e palavras se originam e se inspiram em experiências que expressam a maneira de viver, de pensar, de ser ou, então, refletem as crenças da humanidade. Enquanto o rio da história segue seu curso e ritmo, são trazidos à luz novos paradigmas, outros valores se adaptam a novas realidades e verdades se aliam às experiências do cotidiano..

Em sua excelente obra, cujo título é: O Ser Humano em Busca da Sua Identidade, o líder eclesiástico e teólogo pastor dr. Gottfried Brakemeier, ex-presidente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e ex-presidente da Federação Luterana Mundial, aborda com muita profundidade os reflexos que o Zeitgeist efetua em relação à realidade humana na medida em que a pessoa busca sua identidade.

Lembra o autor os embaraços modernos que ameaçam a qualidade de vida e o futuro da dignidade humana. O mundo secular emancipado de Deus enfrenta sérias dificuldades, por exemplo, em relação ao poder, que nos acompanha desde os primórdios, denominado de pecado. O pecado pressupõe a aceitação da própria culpa e da liberdade de autocrítica. Seres humanos de vida auto-suficiente resistem à idéia de aceitar a culpa própria; o conceito de pecado não é sem problemas. Uma das características do mundo religioso moderno é propagar um Deus que exige pouco e que não desafia para compromissos. O Deus que, no mundo religioso de mercado, está em alta é aquele que satisfaz individualmente, promete vantagens, promove a prosperidade e faz o indivíduo viver dos louros do sucesso. O espírito do tempo degradou o poder do pecado ao nível do deslize moral. É resultado da fraqueza humana e dos próprios limites, nada mais do que uma força negativa na essência da pessoa humana. O pecado foi desmistificado como poder que quebra o relacionamento entre o Deus criador e as criaturas.

O espírito do tempo gera conformismo diante dos poderes que ditam as regras do jogo do mundo moderno. O espírito do tempo submete a sociedade às leis de mercado e aposta na política desenvolvimentista, cujos avanços e conseqüências estão fugindo de nosso controle. Até quando o planeta Terra suportará, submisso, os caprichos do egoísmo humano e suas agressões? Mãos aparentemente invisíveis produzem desmandos, contrários à justiça e em oposição à valorização humana, e trazem o desequilíbrio da balança social. O espírito do tempo é indiferente às crises do ser humano - elas se manifestam pelo rosto da injustiça, da falta da fraternidade e da ausência de humanidade. Pessoas humanas criadas à imagem de Deus, mas desqualificadas como objetos, degradadas a tubos de ensaio, como se fossem robôs teleguiados, se reduzem a caricaturas. Sua existência é medida pela funcionalidade e seu valor depende da produção.

Aos olhos da fé cristã, a pessoa humana tem a possibilidade de reconhecer que sua existência acontece neste mundo amado por Deus, sendo cuidada pela misericórdia de Jesus Cristo. Filhos e filhas deste Deus da graça sabem que a vida humana transcorre em meio a cargas e a tentações. O Deus revelado em pessoa humana declara o seu amor de forma muito autêntica, sem condicioná-lo à produtividade ou à funcionalidade humana. O Evangelho, a boa notícia de Cristo, questiona os anseios do Zeitgeist. Em contraposição, oferece um novo espírito, o espírito da verdade. Por causa de Jesus Cristo, a dignidade da pessoa humana, o exercício da liberdade, a valorização de sua vida são conseqüências da ação criativa do próprio Deus. A confiança em Jesus Cristo promove novos cidadãos e cidadãs neste mundo.

Se o espírito do tempo, o Zeitgeist, provoca ansiedade, causa medo, aumenta o pessimismo e submete a humanidade a fardos pesados, o novo Espírito - fruto da presença do Evangelho encarnado - traz alegria, promove esperança contagiante e motiva ao serviço. A ferramenta do amor nos compromete com a vida e com a transformação do mundo.

Em razão da proximidade do tempo litúrgico do Advento, há razões de sobra para repartir os bons desejos de um abençoado e alegre tempo de Advento. O Filho de Deus, verdadeiro sol do amor, vem e se comunica, mediante a manjedoura e a cruz. À revelia do Zeitgeist, Ele deixa um recado fundamental: a luz da esperança brilha em meio à escuridão do mundo!

Manfredo Siegle
pastor sinodal do Sínodo Norte-catarinense
da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB)
em Joinville - SC

Jornal A Notícia - 25/11/2005


Autor(a): Manfredo Siegle
Âmbito: IECLB / Sinodo: Norte Catarinense
Área: Publicações / Nível: Publicações - Artigoteca
Natureza do Texto: Artigo
ID: 7451
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