Amados irmãos, amadas irmãs,
somos pó e ao pó voltaremos; então por que damos atenção a vaidades?
O autor de Eclesiastes acerta muito bem quando diz que “tudo é vaidade”. Por causa de vaidades e orgulhos pessoais, geramos intrigas, criamos problemas, nos estressamos, nos magoamos, nos machucamos, nos matamos! A vida está passando. Ao pó nós voltaremos. Como você tem vivido a sua vida?
A vida é mais curta do que você imagina. Benjamin Disraeli diz uma frase muito sábia: “a vida é muito curta para ser pequena”. De fato, a vida já é curta; mas, o ser humano tem facilidade em transformar a vida que já é curta em uma vida pequena. O que está apequenando a sua vida? O que torna sua vida “pequena”? O que te incomoda?
Bem, estamos na Quarta-Feira de Cinzas, o início oficial da Quaresma. Gosto de ver a Quaresma como esse tempo oportuno para consertarmos algumas coisas que estão erradas nas nossas vidas. Esse é o tempo de roçar o inço e deixar o melhor de nós aparecer – a partir da fé em Cristo, claro.
A vida é curta. Ao pó voltaremos. Este tempo do calendário litúrgico não é uma obrigação, mas uma oportunidade para quem verdadeiramente busca a conversão da sua vida e a transformação dos seus relacionamentos. A Quaresma é tempo de preparação porque nos prepara tanto para a escura e triste Sexta-Feira da Paixão quanto para a luminosa e alegre manhã do Domingo de Páscoa. Quem aproveita esse tempo de verdade, colhe os frutos! Por isso, neste ano, começamos a fazer o culto da Quarta-Feira de Cinzas, pois entendemos que esse é um importante momento para a nossa avaliação, reflexão e transformação pessoal à luz do Evangelho de Cristo.
A vida é curta. Então, o que a Quarta-Feira de Cinzas e a Quaresma nos ensinam sobre aproveitarmos melhor o tempo que nos resta? O que Jesus nos ensinou sobre isso?
1 CARIDADE
O texto bíblico previsto para este dia inicia falando da caridade, especificamente sobre a doação de esmolas a quem precisa. Contudo, o ensinamento de Jesus sobre a caridade é um ensinamento que parece ser “contra a propaganda”. A doação deve ser feita com humildade, sem buscar a aparência ou o reconhecimento exterior. O que importa é Deus enxergar o nosso coração! Deus não está interessado que multidões vejam e saibam o que fazemos; Deus está interessado na nossa intenção: é real ou a mera busca pela aparência?
Vivemos hoje mais que nunca a “era da exposição”. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman diz: “Na era da informação, a invisibilidade é equivalente a morte”. Ou seja: não ser visto nas redes sociais é como não existir! Através das redes sociais, dancinhas, teatrinhos e outras coisas, cada um apresenta a si mesmo como espetáculo a ser consumido por um público. A pessoa se transforma em um produto! O que importa são os likes! E, quando não há likes, há a tristeza, a depressão – “pois é como se eu não existisse!”
Nesse sentido, o ensinamento de Jesus é claro: as pessoas veem o exterior, mas Deus nos encontra em secreto! Ele conhece a verdadeira intenção no nosso coração. Deus conhece se queremos reconhecimento ou ajudarmos ao próximo sem pretensão. Diante de Deus não há hipocrisia, pois Deus enxerga por trás da máscara!
Portanto, Quaresma é tempo de intensificar a caridade – não para sermos vistos, reconhecidos e aplaudidos, mas para servirmos com fidelidade a Deus por meio do próximo. Essa é a intenção da caridade. Esse é o verdadeiro e mais autêntico amor ao próximo. A Deus não importa a aparência pública; a Deus, importa quem realmente somos em secreto.
2 ORAÇÃO
A Quaresma é uma oportunidade para intensificarmos a nossa vida de oração. Esse é um tempo especial para buscarmos maior intimidade em nosso relacionamento com Deus. Como está a sua vida de oração? Como está o seu relacionamento com Deus? Deus ainda conhece o som da sua voz? Ou faz tempo que Deus não escuta a sua oração?
Conforme o ensinamento de Jesus em Mateus 6.5-6, o importante é a intimidade com Deus. Também a oração não deve ser uma prática de “propaganda e marketing pessoal”. A oração é conversa com Deus. Não é “auê” para promover ao próprio ser humano, mas relacionamento que glorifica tão somente a Deus. Jesus disse: “Mas, ao orar, entre no seu quarto e, fechada a porta, ore ao seu Pai, que está em secreto. E o seu Pai, que vê em secreto, lhe dará a recompensa.” (Mateus 6.6). Não subestime o poder da oração – principalmente neste tempo de Quaresma, em que experimentamos o deserto, a seca, o vazio, a busca pela vida e vida em abundância prometida por Jesus. Valorize seu tempo de intimidade com Deus.
3 JEJUM
Da mesma forma, conforme Jesus, também o jejum não deve ser utilizado para promoção pessoal. Jesus disse: “Mas você, quando jejuar, unja a cabeça e lave o rosto, a fim de não parecer aos outros que você está jejuando, e sim ao seu Pai, em secreto. E o seu Pai, que vê em secreto, lhe dará a recompensa.” (Mateus 6.17-18). Mais uma vez, o importante não é “o mundo inteiro” ficar sabendo que você está jejuando; ao contrário, o importante é que Deus saiba disso! E Deus pode usar o jejum para transformar você.
Mas, o que é o jejum? Conforme a medicina, quando nos alimentamos, uma grande quantidade de sangue é bombeada para a região do estômago e do intestino para que consigamos fazer a digestão. Quando jejuamos, o sangue e se concentra no cérebro, oxigenando mais o cérebro, o que nos torna mais concentrados na nossa oração. E, claro, o jejum é uma prática importante, mas que precisa ser realizado com cuidado para não prejudicar a saúde da pessoa que jejua.
Contudo, há outros jejuns que podemos fazer nessa quaresma. Daria, por exemplo, de fazer um jejum de redes sociais. Você conseguiria ficar sem facebook até o Domingo de Páscoa? Ou quem sabe um jejum de televisão; ou um jejum de algo na qual você se apega muito. Esse sacrifício é importante para que aprendamos a depender mais de Deus.
4 TESOURO
Nosso texto termina com Jesus ensinando sobre os tesouros: “Não acumulem tesouros sobre a terra, onde as traças e a ferrugem corroem e os ladrões escavam e roubam; mas ajuntem tesouros no céu, onde as traças e a ferrugem não corroem, e onde ladrões não escavam nem roubam. Porque, onde estiver o seu tesouro, aí estará também o seu coração”. (Mateus 6.19-21). Palavras duras e difíceis de ouvir – mas não podemos arrancá-las da Bíblia. Estão ali!
Aqui Jesus está de fato apontando para a transitoriedade da nossa vida. Somos pó e ao pó voltaremos. Não sabemos o dia da nossa morte, mas sabemos que a vida neste mundo tem um fim. E, como sabemos, não levaremos nada conosco em nosso caixão. Atrás do carro da funerária não vai um caminhão de frete. No caixão, não tem gavetas. Por isso, a pergunta é: você está preparado para aquele dia? Quando Deus chamar você, ressuscitarás para a vida eterna? Você tem certeza da sua salvação?
Graças a Deus, o próprio Jesus ajuntou o tesouro nos céus quando pagou pela nossa salvação com o preço da sua própria vida na cruz. Mas, o diagnóstico continua possível de ser feito: “onde estiver o seu tesouro, aí estará também o seu coração”. Onde está o seu tesouro? Qual é o seu verdadeiro tesouro? Onde está o seu coração?
Quaresma é tempo de refletir sobre isso: sobre como nos aprisionamos a bens e coisas materiais e nos esquecemos facilmente das coisas de Deus; sobre como facilmente acreditamos que somos salvos por nossos bens e nos esquecemos da salvação já realizada por Deus em Jesus Cristo; sobre como caímos facilmente na tentação.
Amados irmãos, amadas irmãs,
estamos entrando na Quaresma. Deus vê o que está no nosso coração. Deus está interessado na sua versão privada, não na sua versão pública. Onde precisamos corrigir o nosso caminho? Onde a nossa vida precisa de consertos? Onde a nossa vida precisa de perdão, recomeço e reconciliação?
A verdade é que o chamado da Quaresma é um chamado ao arrependimento, não apenas individual, mas coletivo:
· o oposto da caridade é o egoísmo;
· o oposto da oração é a autoconfiança;
· o oposto do jejum é a autossatisfação;
· o oposto do tesouro no céu é o tesouro na terra.
Sem arrependimento, não há transformação e mudanças. Mudas é difícil. Mudar dói! Deixar Deus nos transformar é doloroso. Contudo, após a dor, vem a cura – que é o perdão!
Vivemos hoje um momento de crises: é crise na política, é crise na economia, é crise no meio ambiente. Como chegamos a esse ponto? Porque o ser humano não consegue dar um passo para trás, se arrepender e repensar se sua jornada está o conduzindo a um bom futuro.
Parece ter se tornado uma prática comum negar responsabilidade ou evitar reconhecer quando nossas ações são destrutivas ou prejudiciais. Pouco arrependimento verdadeiro se seguiu à crise econômica, muito trabalho está sendo feito para negar a responsabilidade humana pelas mudanças climáticas, e os sistemas quebrados que sobrecarregam os países em desenvolvimento com dívidas que superam qualquer ajuda recebida não são facilmente reconhecidos nos corredores do poder. No entanto, antes que possamos começar a criar o mundo com o qual sonhamos, devemos admitir nosso pecado – nossa ganância, nossa negligência, nossa ignorância, nosso egocentrismo, nossa idolatria, nosso consumo. E para fazer esse trabalho de arrependimento de forma eficaz, precisamos de um renascimento espiritual global, pois apenas à luz do Reino de Deus podemos ver nossa necessidade e obter uma visão do que nós, como espécie, podemos nos tornar.[1]
Se a humanidade não se arrepender dos seus caminhos de destruição, voltaremos todos ao pó mais rápido que imaginamos. Sem arrependimento, não há futuro; sem arrependimento, não há começo; sem arrependimento, não há sonhos!
Estamos na Quaresma. Aproveitemos esse tempo para reavaliar as nossas vidas, lembrando que somos pó e que ao pó voltaremos, valorizando o que realmente importa! Deixe de lado, brios, o orgulho e “vaidades pessoais”. Busque o perdão e a reconciliação através da caridade, da oração, do jejum e do tesouro no céu. Não vale a pena ficarmos brigando. O tempo passa! Que Deus te ajude a curar suas feridas.
E a paz de Deus, que excede todo entendimento, guardará os vossos corações e as vossas mentes em Cristo Jesus, amém.