Sejam sempre humildes, bem educados e pacientes,
suportando uns aos outros com amor.
Façam tudo para conservar, por meio da paz que une vocês,
a união que o Espírito dá. (Efésios 4.2,3)
Em nosso mundo só progride e cresce quem pode competir. Instala-se uma luta pelo poder científico, tecnológico e econômico. Na beira da estrada do progresso ficam as vítimas da luta pelo poder. Essa realidade competitiva também envolve as igrejas, fazendo-as competir no “mercado religioso”. Os meios de luta que se usam nem sempre são tão puros, por mais piedosos e religiosos que se apresentem.
No convívio entre os discípulos de Jesus já havia problemas de competição e luta pelo poder. E Jesus os desafiou dizendo: se alguém quer ser o primeiro, deve ficar em último lugar e servir a todos (Mc 9.35). Nas comunidades da Igreja Antiga não era diferente. Podemos deduzir isso das admoestações na carta aos Efésios acima transcritas. Elas se dirigem para dentro de uma realidade em que justamente se manifesta o contrário de humildade, boa educação, paciência e amor. Aparentemente era difícil suportar uns aos outros e cultivar a unidade. Por isso a recomendação de empenhar-se pela preservação da união.
A unidade está em Cristo que por nós morreu na cruz e ressuscitou para que tivéssemos aquela esperança que conduz à vida eterna todas e todos que nele crêem. Por isso, ELE é a nossa paz (Ef 2.14). Por meio do Santo Batismo somos incorporados no corpo de Cristo, na grande família de Deus. Essa membresia e essa fé é um presente, dado por Deus. A salvação não é resultado dos esforços de vocês; portanto, ninguém pode se orgulhar de tê-la (Ef 2.8,9). Por gratidão, pois, servimos uns aos outros, já que Cristo nos serviu, serve e servirá. Sendo ELE o cabeça, o Senhor ao qual com grata alegria nos subordinamos, somos livres para nos sujeitarmos uns aos outros (confira Ef 5.21). Não temos mais necessidade de sermos donos da verdade, mas procuramos compartilhar o poder de decisão.
Esse é o desafio para o relacionamento de obreiras e obreiros entre si e desses com líderes leigos. Em conjunto são co-responsáveis pela missão de Deus, na e através da comunidade, do sínodo e da igreja como um todo. Contudo, cada qual tem sua tarefa específica, em seu respectivo âmbito, devendo prestar contas, diante de Deus e das pessoas. Isso está devidamente regulamentado nos documentos normativos da igreja.
O primeiro e o último documento normativo da igreja é a Bíblia (AT e NT). Ela é o testemunho de fé de diferentes pessoas em diferentes tempos e lugares. Isso explica o fato de haver maneiras distintas de falar sobre a história de Deus com o mundo. Apesar de toda peculiaridade, porém, testemunham sobre o mesmo Deus que faz encarnar o seu amor em tempos e situações específicos. Esse amor, que tomou forma concreta e singular, na pessoa e obra de Jesus Cristo, é o fio vermelho que perpassa toda a Bíblia. É a chave para entender bem a intenção e a mensagem de todo texto bíblico. Ele precisa de interpretação contextualizada. Por causa disso Paulo afirma que a fé vem pela mensagem e a mensagem vem por meio da pregação a respeito de Cristo (Rm 10.17).
Justamente em torno dessa afirmativa surgiram contendas e divisões na igreja. Exemplo ilustrativo disso já existe em 1 Co 3. Mil anos depois, a própria igreja se dividiu em uma do ocidente e outra do oriente. A nossa igreja luterana surgiu, não por vontade de Lutero, mas por causa de sua excomunhão, por volta de 1530 d.C. Posteriormente houve subdivisões em outras igrejas evangélicas, processo que ainda continua acontecendo.
Se perguntarmos pelas causas de tanta desunião, certamente encontraremos muitas respostas e razões mais ou menos convincentes. No fato de haver tantas igrejas cristãs se manifesta, por um lado, a multiformidade da expressão de fé e, por outro, a limitação, a impaciência e o desamor humanos. E isso de maneira quase simultânea. É verdade que a fé não existe em forma pura, evidente e duradoura, mas a temos em “vasos de barro” (2 Co 4.7), quer dizer, em formas vulneráveis, ambíguas e transitórias.
O fato de haver muitas igrejas cristãs diferentes no mínimo é ambivalente. Apesar disso, Cristo não se envergonha de lhes emprestar o seu nome. É esse o milagre do Verbo que se fez carne (Jo 1.1ss.); e a encarnação continua depois de Natal e Pentecostes, até os nossos dias.
Assim como cada família se caracteriza por seu nome, sua origem, seu lugar, sua cultura, sua religião e seu nível social, assim também cada igreja define sua identidade. Já vimos que não basta dizer que a Bíblia é a única norma, pois vemos necessidade de lê-la a partir e com vistas a Cristo (Lutero a lia perguntando pelo que move e promove a Cristo). Com critério tão elevado, porém, a mãe e o pai não podem ensinar a fé para seu filho. Por isso Lutero escreveu os Catecismos Maior e Menor, que resumem o cerne do evangelho como dádiva comprometedora. Atualizam e contextualizam os Credos da Igreja Antiga. Representam, pois, mais dois elementos normativos da nossa identidade luterana. Um outro elemento normativo é a Confissão de Augsburgo, escrita por Melanchthon com o aval de Lutero. Ela foi apresentada, em 1530, aos líderes da igreja ocidental como instrumento reconciliador para evitar a cisão, não obtendo, porém, o êxito intencionado. Bíblia, Credos Antigos, Catecismos Menor e Maior e Confissão de Augsburgo, portanto, são os documentos normativos da IECLB, que nos integram na grande família luterana.
Não podemos ignorar, porém, que desde Lutero já se passaram quase 500 anos. O tempo e o lugar em que ele escreveu com determinada intenção, mudaram. Assim como não estamos em Corinto no tempo de Paulo, nem na Alemanha no tempo de Lutero, mas no Brasil no ano de 2001, há necessidade de articular e concretizar, para dentro de nosso contexto, a fé em Cristo que atua pelo amor. É por isso que a nossa igreja, quando se formou como IECLB em 1968, se deu uma Constituição, que foi profundamente reformada em 1998. Ela é detalhada e contextualizada pelos seguintes documentos normativos com caráter complementar: Regimento Interno (RI), Estatuto do Exercício Público do Ministério Eclesiástico (EEPME), Regulamentos do Exercício Público dos Ministérios (Pastoral – REPMP, Catequético – REPMC, Diaconal – REPMD e Missionário – REPMM). Esses documentos complementares formam o segundo nível de documentos normativos. Mas isso ainda não bastou para definir e contextualizar a missão da IECLB. Por isso surgiram documentos com caráter de orientação e posicionamento doutrinário quanto à confessionalidade, prática da vida comunitária e da missão. Trata-se de normas emitidas pelo Conselho da Igreja, ou pela Presidência em colaboração com os Pastores Sinodais, ou mesmo aprovados em Concílio. Neste terceiro nível de normas constam documentos como por exemplo: Manifesto de Curitiba (1970), Catecumenato Permanente (1974), Nossa Fé Nossa Vida (1980), Ministério Compartilhado (1994), Manifesto de Chapada dos Guimarães (2000). Esses documentos exemplificam bem a constante preocupação em atualizar e contextualizar a missão de Deus na comunidade e através dela.
A visão do Ministério Compartilhado influenciou fortemente a nova Constituição e o novo Regimento Interno da IECLB, aprovados no Concílio de 1998. É óbvio que esses documentos normativos são comparáveis a um esqueleto que precisa ser preenchido com carne, ou seja, com vida. Nesse sentido a Presidência, em colaboração com os Pastores Sinodais, elaborou o documento orientador IECLB às portas do novo milênio (1999). Ele atualiza nossa identificação de Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, para dentro do atual contexto.
Outrossim, o documento IECLB no pluralismo religioso auxilia obreiras e obreiros e pessoas colaboradoras e líderes para que possam dar resposta sobre a nossa fé evangélica de confissão luterana, em meio ao atual mundo religioso. Objetiva afirmar positivamente quem somos, como vivemos em comunidade, como realizamos culto e como servimos nesse mundo pluralista. Justamente para viabilizar a nossa convivência em comunidade, sínodo e IECLB e para melhorar os resultados de nossa ação missionária, necessitamos de um mínimo de consensos em torno dessas bases norteadoras (p. 2). O documento identifica os paradigmas e os parâmetros dentro dos quais exercitamos ampla e criativamente a liberdade de celebrar culto luterano, realizando nossa presença e ação missionárias. Essa ampla área é identificada, em analogia ao semáforo, pelo sinal verde. Estabelece sinais de alerta (amarelo) para evitar que o testemunho se dilua, ou mesmo, se perca em meio a tantas ofertas religiosas. Tudo o que, de alguma forma, ultrapassa esses limites, põe em cheque a nossa identidade e confessionalidade luteranas e, como tal, não contribui em nada para a construção e edificação de comunidade da IECLB. Pelo contrário, desintegra a comunhão e prejudica a nossa contribuição específica. Observamos, pois, os sinais de vermelho, pensando em nosso próprio bem, em termos de integridade comunitária de IECLB. Ao mesmo tempo, honramos os limites, visando a força e eficácia do testemunho missionário luterano no mercado religioso. Os sinais vermelhos, portanto, não nos querem cercear a liberdade, mas garantir aquele mínimo de consenso, necessário para a convivência fraterna e indispensável para a credibilidade de nosso testemunho missionário (p.2). O XXII Concílio da Igreja (outubro de 2000), segundo ata, reforçou que o documento está em vigor e que seja efetivamente aplicado.
A IECLB precisa ser missionária se é que quer ser da Igreja de Cristo. Precisa crescer, portanto, no sentido mais amplo da palavra. Contudo, não queremos crescer a qualquer preço, aceitando acriticamente conceitos da teologia da autojustificação, ou seja, da prosperidade, da justificação por obras. Tampouco podemos aceitar práticas litúrgicas alheias à confessionalidade luterana. Queremos e devemos crescer, sim! Mas crescer, sobretudo, na fé que age por meio do amor (Gl 5.6). A aprendizagem e a prática da fé representam a qualidade do crescimento que, certamente, terá também conseqüências numéricas e quantitativas.
O Plano de Ação Missionária da IECLB, igualmente aprovado no Concílio de 2000, compromete a nós, comunidades, sínodos, entidades, instituições e movimentos na IECLB, com o mesmo desafio de Recriar e criar comunidade juntos para que haja Nenhuma comunidade sem missão e Nenhuma missão sem comunidade! Define a comunidade como objeto e instrumento da missão de Deus no mundo. Ela acontece pela vivência solidária e terapêutica em comunidade bem como pelo ultrapassar de quaisquer fronteiras.
Esse ultrapassar, porém, requer muita consciência da própria identidade. Ela não é algo estático, absoluto, mas é dinâmica e se sabe em constante processo. Mas justamente por isso ela necessita de referenciais e paradigmas. É nesse sentido que esses documentos devem ser entendidos e observados em todos os níveis. Caso contrário, quebramos a unidade de corpo, chamada IECLB, que faz parte do corpo de Cristo.
Acompanhamento e avaliação acontecem em todos os níveis. Começa na comunidade onde obreiro e obreira em co-responsabilidade com o Presbitério e o Conselho Paroquial devem zelar pela identidade e a unidade confessionais. Em segunda instância, o mesmo vale em nível sinodal onde o Pastor Sinodal em co-responsabilidade com o Conselho Sinodal assessoram e instrumentalizam as comunidades em sua tarefa missionária, inclusive exercem o ordenamento jurídico e doutrinário, em nome da IECLB. Em terceira instância, a Presidência, assessorada pela reunião dos Pastores Sinodais, procura estar atenta às necessidades constantes de contextualização de nosso testemunho. Elabora, em conjunto e com o aval do Conselho da Igreja, metas e critérios missionários, norteadores para toda a igreja. Sobre a questão de monitoramento fala o item 5.11 do documento IECLB no pluralismo religioso.
Os documentos orientadores definem a releitura necessária e legítima dos documentos normativos. Objetivam contextualizar e atualizar nossa presença e ação missionárias para hoje. Como orientação nos unem e nos comprometem numa mesma missão e, por conseguinte, devem ser estudados e observados.
Assim, saúdo a todos, irmãs e irmãos em Cristo, por meio da admoestação apostólica:
Façam tudo para conservar, por meio da paz que une vocês, a união que o Espírito dá.
Ano de 2001
Huberto Kichheim
Pastor Presidente