Uma pausa para a gratidão

Em meio às pesadas lutas, um tempo de recobrar esperança

15/07/2019

“1 A ti, Senhor, elevo a minha alma. 2 Em ti confio, ó meu Deus. Não deixes que eu seja humilhado nem que os meus inimigos triunfem sobre mim! 3 Nenhum dos que esperam em ti ficará decepcionado; decepcionados ficarão aqueles que, sem motivo, agem traiçoeiramente. 4 Mostra-me, Senhor, os teus caminhos, ensina-me as tuas veredas; 5 guia-me com a tua verdade e ensina-me, pois tu és Deus, meu Salvador, e a minha esperança está em ti o tempo todo. 6 Lembra-te, Senhor, da tua compaixão e da tua misericórdia, que tens mostrado desde a antiguidade. 7 Não te lembres dos pecados e transgressões da minha juventude; conforme a tua misericórdia, lembra-te de mim, pois tu, Senhor, és bom. 8 Bom e justo é o Senhor; por isso mostra o caminho aos pecadores. 9 Conduz os humildes na justiça e lhes ensina o seu caminho.” Salmos 25:1-9 NVI

Uma pausa para a gratidão

Nada como uma pausa.

Na música a pausa pode ser conhecida como “fermata”. É um sinal colocado sobre a nota ou pausa, indicando que devemos sustentá-la em aproximada-mente metade do valor da figura que a antecede. Uma outra forma de definir esta “suspensão é que o tempo de duração fica a critério do intérprete. Acho isso mais simpático e útil: dar um tempo à critério do momento que se vive.

Neste salmo, atribuído a Davi, se usa o alfabeto hebraico para dar uma ordem às súplicas contidas nos vinte e dois versículos. Esta oração é, ao mesmo tempo, uma declaração de confiança e uma súplica. São pedidos de orientação em meio a uma realidade cercada de inimigos. Para Davi, embora rei de Israel, os inimigos raramente representavam pessoas concretas ou reinos que estivessem planejando um ataque contra a soberania do Estado de Israel. Inimigos eram, isto sim, as oposições ideológicas.

A exemplo do que acontece nos dias atuais, os inimigos da causa de Deus afirmavam que as pessoas devem viver e agir segundo a sua própria astúcia. Segundo diversos salmos, a vitória destes inimigos significaria uma dupla desmoralização: a de Davi e a do próprio Deus. Ou seja, se o ser humano depende apenas de sua própria astúcia, Deus fica descartado. Não é este o cenário que vivemos em nossos dias, cada vez mais intensamente?

Portanto, a pausa faz se necessária. É hora de refletir.

(O Salmo 25 é composto de súplica por vitória, 1-3; súplica por ensino, 4-5; súplica pela anamnese de Deus, 6-7; reconhecimento da direção divina, 8-10; reconhecimento da instrução à pessoa que teme o Senhor, 11-15; súplica por perdão, 16-18; súplica por livramento, 19-21; súplica pela redenção de todo povo, 22.)


Primeiro gesto

O gestual no culto cristão tem significado profundo. A forma como as pessoas celebrantes se apresentam diante da comunidade faz parte de uma linguagem litúrgica de devoção e respeito. O gesto de Davi nos faz entender, pela sua linguagem corporal, que tem profundo respeito a este Deus a quem dirige sua súplica.

Elevo a minha alma. Equivale a demonstrar, e não apenas dizer, que o autor dedica a sua vida ao Senhor. Devemos imaginar aqui o gesto dos braços apontando para cima. Com este gesto, pede humildemente que Deus lhe ensine a agir responsavelmente dentro daquela demanda que estava vivendo. Embora Davi não estivesse demonstrando nenhum sinal de dúvida diante da ação de Deus, temia que as pessoas ao seu redor pudessem perder esta confiança. A pressão ideológica dos inimigos era tamanha que poderia colocar a perder toda a fé e confiança no Criador. Por isso o gesto e fato de se deixar ensinar por Deus é tão fundamental na vida do povo de Deus.

Resgate da memória

Na filosofia platônica se buscava, através de exercício, a gradativa recordação de experiências pessoais com o objetivo de redescobrir dentro de si as verdades essenciais e latentes. Isto poderia levar até a um tempo anterior ao de sua existência empírica. Evidentemente este não era o caminho proposto pelo salmista. Ele pede em oração — ou seja, pela intervenção divina — para que Ele faça o povo recordar toda sua experiência pregressa com o Deus libertador.
Se recupera a memória dos feitos de Deus 1) recordando os Seus caminhos ou a Sua história pessoal com Seu povo, 2) se deixando guiar pelas evidências verdadeiras e não conjeturas sem comprovação. Ou seja, também na área da fé há de se prestar atenção nos fatos e não nos fakes.

O caminho da simplicidade ativa

As pessoas simples são, certamente, aquelas que com mais liberdade e alegria se deixam conduzir pelo Deus bondoso e justo. Assim como fez com Davi, Deus não exige de nós justiça e perfeição, não reivindica de nós um passado que não tenha sido vivido no pecado. O que Deus nos oferece é uma nova responsabilidade. Nova responsabilidade a partir de uma nova oportunidade.

A nova justiça é caracterizada pela bondade de Deus. Por isso Deus é acessível justamente às pessoas que, com humildade e dependência, se deixam guiar. Certamente não podemos pensar aqui em uma passividade religiosa, numa leniência ou tolerância excessiva.  Quando o orador suplica que Deus mostre o caminho aos pecadores, sugere que estes se tornem pró-ativos. A súplica tem a intenção de que sejam pessoas que reproduzam o caminho da justiça divina com determinação e suavidade.

A justiça de Deus é profundamente protagonista à medida que resgata as pessoas humildes da sua subvalorização neste mundo pós-moderno. Pessoas aparentemente sem valor são aquelas que passam a evidenciar a justiça e bondade de Deus.

Conclusão – Deus é fiel

As demandas dos tempos modernos praticamente não nos permitem parar. Quanto maior a cidade em que vivemos, maior será a falta de tempo e oportunidade de se fazer o que realmente importa. As igrejas estão vazias ou cheias de mentes vazias. Pensar e refletir com mais profundidade parece cansar a humanidade. Bem por isso é mais fácil pagar que outros pensem por nós. Esse fenômeno acontece também em nível de fé. Por que pensar se o Pastor pode fazer isso por mim e, no final das contas, vai acabar dando um empurrãozinho da minha alma para dentro do céu?

O inimigo de Davi, assim o disse no início, era a ideologia do “eu posso sem Deus”. Na leitura que fizemos da parábola do Bom Samaritano igualmente vemos uma tensão ideológica no ar: os maus não podem se misturar aos bons e, muito menos, servir de um bom exemplo de amor. O exemplo trazido por Jesus é tenso. Não é politicamente correto.

O que se conclui é que a fidelidade de Deus vai muito além dos nossos conceitos ideologicamente pré-estabelecidos e politicamente aceitos pelos que nos são iguais. O amor e a misericórdia vai além dos nossos conceitos e sempre terá como crivo a cruz de Cristo. Este crivo nos é apresentado pela Palavra que, assim o aceitamos, é palavra de Deus. No entanto a maioria das pessoas já não tem mais uma memória crítica dos fatos. São consumidoras de produtos prontos e não se incomodam em se deixar levar pela vibe do momento. Quem nos conduz, na verdade, são os bancos de dados e algoritmos. Quando você pede por um exame especializado no seu seguro saúde, você ainda acha que são médicos que vão determinar se o exame pode ou não ser realizado? Não! São os algoritmos que vão determinar. Não é mais a medicina, ou a ética do cristianismo, e sim o dataísmo. Esta é a religião do séc. XXI.

“No seu livro Homo Deus, de 2016, Yuval Noah Harari aprofunda a ideia de Dataísmo, enquadrando-a num contexto histórico. Argumenta que todos as estruturas políticas e sociais podem ser vistas como sistemas de processamento de dados: ‘O Dataísmo declara que o universo consiste em fluxos de dados e que o valor de qualquer fenómeno ou entidade é determinada pela contribuição que dá para o processamento de dados’.” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Dataismo)

Mas Deus é deferente. Continua fiel. E enquanto estivermos vivos, podemos nos deixar levar pelo gostoso embalo de fazer uma pausa de gratidão e recordar da misericórdia divina. Você já pensou em agradecer a Deus pelo senso crítico que Ele lhe concede? Eleve seus braços aos céus. Agradeça pelo fato de você poder olhar a Deus e não se deixar levar pelas ondas corruptoras deste século.

Descanse em Deus!

Amém!
 


Autor(a): Pr. Rolf Rieck
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Rio de Janeiro - Martin Luther (Centro-RJ)
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Testamento: Antigo / Livro: Salmos / Capitulo: 25 / Versículo Inicial: 1 / Versículo Final: 9
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 52575
REDE DE RECURSOS
+
Não somos nós que podemos preservar a Igreja, também não o foram os nossos ancestrais e a nossa posteridade também não o será, mas foi, é e será aquele que diz: Eu estou convosco até o fim do mundo (Mateus 28.20).
Martim Lutero
© Copyright 2024 - Todos os Direitos Reservados - IECLB - Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - Portal Luteranos - www.luteranos.com.br