Amados irmãos, amadas irmãs,
estamos diante de um texto escandaloso. Certamente a imagem de um rei entrando na grande Jerusalém montado em um jumentinho chocou muitos presentes – especialmente os mais poderosos. Nas expectativas humanas, espera-se que um rei apareça com toda a pompa e prestígio que lhe são inerentes. Atualmente, reis e rainhas sempre aparecem com um brilho e um luxo que lhes são muito característicos. Andam nos melhores carros e são cercados por muitos seguranças...
Esse não é o caso de Jesus. Mas ele não é apenas um rei, mas o próprio Deus – a segunda Pessoa da Trindade. Tudo o que existe foi criado por meio dele (cf. João 1.1-14). Foi por meio dele que o Pai criou todo o universo em sua inimaginável vastidão. Estamos diante do próprio Deus que se fez carne e habitou entre nós! Não é apenas um homem! Não é apenas um filósofo! Não é somente um sábio! Não pode ser reduzido a um revolucionário! Jesus Cristo é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem; em tudo igual a nós, exceto no pecado – conforme confessa o Credo Cristológico da Calcedônia de 451 d. C.
É isso que torna essa cena chocante! Deus entra em Jerusalém não com uma grande cavalaria para lhe proteger; também não entra em Jerusalém em um luxuoso Rolls-Royce; também não entra em Jerusalém armado ou em um tanque de guerra. Não! Ele simplesmente destrói qualquer realeza que tenhamos imaginado. Ele vem ao contrário das nossas expectativas humanas e cobiçosas. Jesus entrou em Jerusalém montado em um jumentinho, cria de jumenta, como o profeta já havia anunciado (cf. Zacarias 9.9).
Gianni Vattimo, um filósofo contemporâneo, diz o seguinte sobre Jesus: “a mensagem cristã que fala de um Deus que se encarna, se rebaixa e confunde todas as potências deste mundo...”1 Sim. O Deus cristão é um Deus que nos confunde! No Domingo de Ramos, ele nos convida a desviarmos o olhar do poder para que olhemos para a sua humildade.
Os poderosos são confundidos e humilhados pelo Deus que entrou em Jerusalém montado em um jumentinho, cria de jumenta. As pessoas querem o poder, mas Deus se fez fraco; as pessoas querem a ostentação, mas Deus age com modéstia; o ser humano quer subir de posição, Deus desce de posição – sem deixar de ser ele mesmo!
Que preciosa lição esse texto nos traz! Ele nos mostra para onde devemos olhar: para os fracos, não para os fortes; para os fracassados, não para os poderosos; para os pequeninos, não para os grande. Como diria o grande poeta gaúcho Mário Quintana:
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!2
E assim aconteceu: Sua entrada “triunfal” foi aclamada pelo povo mais simples e odiada pelos poderosos que sentiram-se ameaçados diante da liderança de Jesus. É o que canta o Padre Zezinho na linda música “Um Certo Galileu”:
Um certo dia, ao tribunal
alguém levou o jovem Galileu!
Ninguém sabia qual foi o mal
e o crime que ele fez; quais foram seus pecados.
Seu jeito honesto de denunciar
mexeu na posição de alguns privilegiados.3
Ao entrar em Jerusalém montado em um jumentinho e com o povo ao seu lado, Jesus tocou na ferida do poder – e tocou para doer. De fato, ele veio para causar uma confusão mental aos poderosos desse mundo que são capazes de tudo para manterem seu poder, prestígio e ostentação. Não respeitam leis nem limites para continuarem exercendo suas funções: se precisarem passar por cima de indígenas e do meio-ambiente para continuarem onde estão, certamente farão. Se for necessário matar, certamente matarão! Aliás, foi isso mesmo que aconteceu com Jesus, segundo o relato bíblico e sua interpretação, novamente na música do Pe. Zezinho:
E mataram a Jesus de Nazaré
e no meio de ladrões puseram sua cruz.
Mas o mundo ainda tem medo de Jesus
que tinha tanto amor.4
O Deus que se permite ser pendurado em uma cruz e morto não é o Deus dos poderosos, mas dos fracassados. Esse também é um lembrete do Domingo de Ramos que abre a nossa Semana Santa: Quem segue o caminho de Jesus, com Jesus e em Jesus poderá sofrer a perseguição e a morte. Quem segue as palavras e as ações de Jesus poderá ser perseguido, cancelado, humilhado e morto! Quem arriscar viver de verdade os ensinamentos de Jesus estará fadado a em algum momento fracassar. O próprio Jesus afirmou: “Bem-aventurados são vocês quando, por minha causa, os insultarem e os perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vocês”. (Mateus 5.11).
Isso me lembrou palavras fortes do sociólogo Darcy Ribeiro (1922-1997) que guardo comigo no coração. Ele diz:
Fracassei em tudo o que tentei na vida.
Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
Tentei salvar os índios, não consegui.
Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei.
Mas os fracassos são minhas vitórias.
Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.
Amém! Nós vivemos a fé cristã para fracassarmos! Tentarão calar a nossa boca – como fizeram com Doraci Edinger, Martin Luther King Jr. e tantos outros – mas não calarão a nossa voz e a nossa mensagem. Vivamos a humildade do Domingo de Ramos diariamente. Olhemos pelos que mais precisam: os pobres, humildes e fracassados. Eles são os pequeninos. Por meio deles, sirvamos ao próprio e humilde Jesus. Amém.
DOMINGO DE RAMOS | VIOLETA | CICLO DA PÁSCOA | ANO A
02 de Abril de 2023
P. William Felipe Zacarias
1 VATTIMO, Gianni. Depois da Cristandade. Rio de Janeiro: Record, 2004. p. 101.
2 Caderno H. 2a. edição. São Paulo: Globo, 2006. p.107. Conferido novamente em sua Poesia Completa – Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005, p. 257.
3 FERNANDES DE OLIVEIRA, José. Um certo galileu. in: ZEZINHO, Pe. Um Certo Galileu. São Paulo: EPD; Paulinas Discos, p1981. Lado A, Faixa 1.
4 FERNANDES DE OLIVEIRA, p1981. Lado A, Faixa 1.