Li o texto indicado pelo lecionário ecumênico para a pregação. A primeira reação foi de encontrar outro texto. Mas aí está uma das grandes vantagens de seguir um lecionário: deixar-se desafiar por textos que a primeira vista não nos parecem tão claros.
Li e reli Eclesiastes 1.2,12-14,2.18-23. As palavras “É ilusão, é ilusão, diz o Sábio. Tudo é ilusão... é tudo como correr atrás do vento” ecoavam em meus pensamentos. Perguntava-me, quem fala algo assim?
A primeira impressão parece alguém depressivo, alguém que perdeu a alegria, a esperança. Continuei olhando o texto e no versículo 18 (Tudo o que eu tinha e que havia conseguido com o meu trabalho não valia nada para mim. Sabia que teria de deixar tudo para o rei que ficasse no meu lugar.) outra hipótese surgiu: é alguém desiludido. Trabalhou, tinha posição privilegiada e perdeu seu posto. Vendo que o seu trabalho provavelmente não iria adiante ou porque não se sentiu recompensado afirma: é tudo ilusão, é como correr atrás do vento...
Viajando nos pensamentos e tentando entender, olhei adiante e, fora da delimitação sugerida, reparei no v. 15: “Ninguém pode endireitar o que é torto, nem fazer contas quando faltam os números”. Logo veio outra hipótese: este que escreve cruzou os braços! Ou seja, trabalhou, tentou, agiu e percebeu que de nada adianta, nada muda, nada melhora, por isso é tudo ilusão, é como correr atrás do vento, ou como dizem os v.22-23: “Nós trabalhamos e nos preocupamos a vida toda e o que é que ganhamos com isso? Tudo o que fazemos na vida não nos traz nada, a não ser preocupações e desgostos. Não podemos descansar, nem de noite. É tudo ilusão”.
Diante destas palavras tão negativas me intrigava o texto ao afirmar que estas eram palavras de um sábio. Sábio em que sentido? Pois à luz do evangelho de Lucas 12.13-21 a sabedoria surgiu. Jesus sendo interpelado a auxiliar na disputa entre irmãos pela herança afirma e esclarece: “- Prestem atenção! Tenham cuidado com todo tipo de avareza porque a verdadeira vida de uma pessoa não depende das coisas que ela tem, mesmo que sejam muitas”. Jesus aponta para verdadeiras riquezas, para aquilo que verdadeiramente vale à pena. E é isto que o sábio fazia quando dizia é tudo ilusão ou é como correr atrás do vento. O sábio nos leva a refletir se estes sentimentos e hipóteses de personalidade, na verdade, não são os nossos?
O sábio nos questiona. Será que não estamos correndo atrás do vento, de coisas que são ilusão? No tempo que temos, do qual reclamamos constantemente que está cada vez mais curto, será que investimos em coisas que realmente tem valor ou ilusões? Pois quantas vezes temos tempo para assistirmos a TV e não temos tempo para brincar com os/as filhos/as, sair com a esposa ou esposo, visitar amigos/as? Colocamos o trabalho em primeiro lugar para conquistar estabilidade econômica e esquecemos-nos de valorizar quem nos rodeia, valorizar nossa fé, nossa comunidade. Corremos o risco de um dia, avaliando a vida, dizermos: Foi tudo ilusão, foi como correr atrás do vento. Ou entendermos as palavras de Jesus em Lc 11.20: “...Seu tolo! Esta noite você vai morrer; aí quem ficará com tudo o que você guardou”?
O sábio nos ajuda a avaliarmos nossa vida. O sábio nos ajuda a refletirmos se ali onde investimos nosso tempo, nossos argumentos, nossas energias, nosso dinheiro é para encontrarmos a verdadeira liberdade que vem de Cristo ou se estamos cegos pela ganância, pelo individualismo, pelo radicalismo. As nossas escolhas, o que deixamos para trás valeram a pena? Os sacrifícios que fizemos compensaram?
Deus não desampara o seu povo. Deixar de olhar para Deus é como correr atrás do vento, é ter de afirmar: tudo é ilusão.
Carlos Romeu Dege
Pastor Vice-Sinodal
Sínodo Noroeste Riograndense
