Tu, a tua mãe, esposa e filha podem ter ou vir a contrair o HIV!

Artigo

14/05/2007

Mulher, entre 25 e 55 anos, heterossexual, casada e com uma vida conjugal aparentemente estável. Quantas mulheres tu conheces que podem ser descritas desta forma? Eu mesma conheço dezenas delas. A minha mãe cabe nesta descrição! E foram elas, inclusive a minha mãe (!), que vieram à minha cabeça no momento em que fui confrontada com as últimas estatísticas divulgadas pelo Ministério da Saúde (MS) , referente ao número de casos de HIV/Aids entre mulheres. Segundo o MS, o número de mulheres infectadas com vírus HIV aumentou em 44% no país nos últimos dez anos. E qual o perfil destas mulheres? Certamente são prostitutas... é o que nós gostaríamos de acreditar. Engana-se quem pensa assim! São mulheres, entre 25 e 55 anos, heterossexuais, casadas e com uma vida conjugal aparentemente estável. Agora, peço que pares de ler por um instante e penses nas mulheres que tu conheces e que se encaixam nesta descrição.

Pensaste? Lembraste de incluir a tua mãe? E tu mesmo/a, está na lista das pessoas que têm ou que podem vir a contrair o vírus?! Se tu pensas que não, (não) lamento ter que te informar que és uma “presa fácil” do HIV, por que, ao contrário de muitos e muitas de nós, o HIV não discrimina, não faz acepção de pessoas (Tg 2.9).

Refletindo as estatísticas:

É a mais dura verdade que a Aids, 25 anos após seu aparecimento, mudou de rosto e vem quebrando muitos dos tabus que estiveram associados à infecção pelo vírus e à doença. O mito de que à Aids é uma doença que atinge apenas pessoas homossexuais criou entre as pessoas heterossexuais uma falsa segurança de imunidade. Hoje as estatísticas nos mostram que 55 mulheres são infectadas com o vírus a cada minuto. Em 1985, logo após os primeiros registros de casos de HIV/Aids, havia 26,5 casos da doença entre homens para cada mulher infectada. Em 2006 os dados se igualaram, na razão de um homem infectado para cada mulher infectada pelo HIV. Dados, cruéis dados, estão aí para sacudir a mentalidade amplamente difundida entre nós de que “comigo não vai acontecer”.

As últimas estatísticas, de 2006, revelaram que no mundo todo há um total de 40,3 milhões de pessoas vivendo com HIV ou Aids. Do total, 25,8 milhões estão na África, o continente mais afetado. A América Latina está em terceiro lugar, com 1,8 milhão de casos registrados. No Brasil, que é internacionalmente conhecido pela sua política de prevenção e de tratamento às pessoas soropositivas, estima-se que haja 620 mil pessoas infectadas, das quais 66% não sabem que são portadoras do vírus. Este dado é preocupante, pois o “não saber” e a falta de cultura do cuidado com o próprio corpo e com o corpo de seu/sua parceiro/a pode contribuir enormemente para que o vírus continue fazendo novas vítimas.

Segundo relatório do Fundo da ONU para a Infância (Unicef), mais de 500 mil crianças nasceram com o HIV, apenas no ano de 2006. Destas, apenas poucas tiveram acesso à medicação antiretroviral, que não cura, mas que eleva a qualidade de vida da pessoa soropositiva. Refletindo sobre este fato podemos dizer que uma criança que nasce soropositiva e não tem acesso à medicação que necessita é condenada à morte pelo estado. Isso nos alerta para sermos Igreja comprometida com a realidade, pois o nosso silêncio diante de casos como este, nos coloca como coniventes com esta situação e em atitude antievangélica. O Cristo que estamos chamados/as a testemunhar veio para que todas as pessoas tenham vida, e vida em abundância! (Jo 10.10).

Outra estimativa assustadora é que no ano de 2010 haverá no mundo 400 mil crianças órfãs pela Aids. Não há instituições suficientes para abrigar todas estas crianças, nem mesmo para acolher as crianças órfãs que temos hoje. Aos poucos, surge também aqui um “novo modelo de família”: irmãos/ãs mais velhos cuidando das crianças menores. É bastante provável também, que se os pais faleceram em decorrência da Aids, as crianças também estejam infectadas e que mais cedo ou mais tarde, a doença também irá se manifestar nelas.

Para finalizar esta parte das estatísticas, gostaria de te convidar para refletir sobre mais uma pergunta: Tu já imaginaste que teu avô e tua avó podem ter HIV/Aids?

Pois bem, mais uma vez os dados estão aí para quebrar de uma vez por todas o mito de que a Aids seja uma doença que atinge apenas o público homossexual. Entre pessoas idosas registrou-se um crescimento significativo da epidemia, visto que, entre 1996 e 2005, a taxa de incidência entre homens na faixa etária de 50-59 anos, cresceu de 18,2 para 29,8 casos (a cada 1000). E entre mulheres, a incidência saltou de 6 para 17,3 casos, neste mesmo período.

Como reagimos diante destes fatos?

A fidelidade, em todas as faixas etárias, infelizmente é uma utopia na sociedade em que vivemos. As estatísticas desmontam nossa ilusão de matrimônios com relações monogâmicas. Cada qual pode responder pela “sua fidelidade”, mas não pela de seu/sua companheiro/a. Evidentemente que isso tudo está muito longe do ideal bíblico e cristão, mas é nesta sociedade em que nós vivemos e é para dentro dela que nós precisamos pensar nosso jeito de ser Igreja. Condenar este tipo de relações é o que a igreja vem fazendo há seculos. Esta posição condenatória tem conseguido apenas que as pessoas se afastem da igreja ou que levem uma vida dupla, divididos entre “sagrado e profano”. Permanecer em silêncio, como se não tivessemos consciência da realidade que nos cerca, tampouco contribui para a solução do problema. No Posicionamento da IECLB sobre a questão do HIV e da Aids podemos ler que nós “temos que ter em conta a realidade assim como ela se apresenta e aí servir em solidariedade e amor.”

Para nós é muito cômodo pensar na Aids como uma realidade distante de nós e racionalmente saber que os dados são terríveis, mas que não tem nada haver com a nossa vida nem com a vida das nossas comunidades. A minha motivação em apresentar aqui todos estes dados, que podem ser conferidos no site do Ministério da Saúde, foi justamente alertar para o fato de que o HIV e a Aids estão próximos de nós, muito próximos, se não já em nós. Muitas vezes já ouvi que os/as Evangélico-luteranos/as não vivem isolados/as da sociedade, mas que fazem parte dela. Complemento a frase dizendo que fazem parte também das tristes estatísticas em torno da Aids.

O que nós temos a dizer diante desta realidade? O que a IECLB tem a dizer diante destes dados e em favor da vida destas pessoas, imagem e semelhança de Deus? As pessoas soropositivas que vem domingo após domingo às nossas comunidades encontram espaço de acolhida, de solidariedade? Ou precisam viver sozinhas com as suas dores, dúvidas e medos? Ou será que elas já desistiram de buscar espaço no Corpo de Cristo?

Nós gostamos de esquecer que as maiores crises vividas pelas pessoas que contraem o HIV são geradas pela própria Igreja através de nossas posições, silêncios e julgamentos (muitas vezes fundamentados em moralismos e não no mandamento do amor!). Nós devemos uma resposta, e uma resposta ancorada no amor e no exemplo de Cristo, as pessoas que vivem com HIV e Aids! Amar ao próximo como a nós mesmos, implica em cuidar do próximo, também da sua saúde física. Precisamos criar em nossas comunidades uma cultura do cuidado: Nós somos parte da maravilhosa criação de Deus e fomos criados a sua imagem e semelhança (Gn 1.26). A imagem e semelhança com Deus não nos coloca como “juízes do mundo”, mas nos coloca como responsáveis por cuidar da criação. Isso implica em cuidar do próprio corpo e saúde, bem como do corpo e da saúde de nossos irmãos e irmãs. A saúde espiritual também passa pela saúde física.

Todos sabemos que...

... o HIV não é contraído pelo ar, como o vírus da gripe, por exemplo. As formas de transmissão são basicamente três e amplamente conhecidas por todas e todos nós: através das relações sexuais sem o uso do preservativo, do contato com sangue infectado e a transmissão vertical (de mãe para criança durante a gestação, parto ou pelo leite materno). Sabendo disto, não precisamos mais querer fundamentar nossa resistência em nos relacionarmos com as pessoas soropositivas no medo de também contraírmos o vírus. Ao estender a mão, dar um abraço, partilhar comida, sentar no mesmo banco da igreja, cantar os mesmos hinos, olhar para ela, perguntar se está precisando de alguma coisa e/ou se podes ajudar em algo, nisto tu tens 0% de chance de contrair o vírus do HIV e 100% de chances de estar contribuíndo para que aquela pessoa tenha a sua dignidade preservada e mais vida em seus dias!

Irmão e irmã! Tu também és IECLB e estás chamado/a a colocar as tuas mãos a serviço de minimizar o mal decorrente do HIV e da Aids! Aprendamos das palavras e ações de Jesus o significado de: “Sede misericórdiosos como também é misericordioso o vosso Pai. (Lc 6.32)

Nádia Cristiane Engler


Autor(a): Nádia Cristiane Engler
Âmbito: IECLB
Área: Missão / Nível: Missão - Diaconia / Subnível: Missão - Diaconia - Saúde e alimentação
Natureza do Texto: Artigo
ID: 63526
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