Topa tudo por dinheiro | Lucas 12.13-21

8º Domingo após Pentecostes

31/07/2022

 

Amados irmãos, amadas irmãs,

se hoje você acertasse os números da loteria e ganhasse alguns milhões de reais, o que você faria com tanto dinheiro? Você já chegou a pensar sobre isso? Você poderia comprar uma casa nova, ou um carro novo; você poderia deixar o dinheiro rendendo juros na poupança; poderia investir em um negócio; poderia ajudar a sua família ou outras pessoas necessitadas; ao pensarmos sobre isso, já sabemos que a nossa imaginação “viaja longe”.

O dinheiro é importante. Negar essa verdade seria uma grande tolice. Quem de nós poderia viver um dia sequer sem dinheiro? Isso seria completamente impossível. Sem dinheiro, não compramos pão, não limpamos e mantemos as nossas casas, não conseguimos viajar, enfim, sem dinheiro a vida se torna inviável. Mas, qual tem sido o papel do dinheiro na sua vida? Qual tem sido o papel do dinheiro na sua família? Você se considera um bom administrador dos recursos que possui?

Infelizmente, muitas vezes o mal uso do dinheiro pode trazer problemas graves a pessoas e suas famílias. Quantas famílias estão brigadas por causa de heranças não bem resolvidas? Aliás, o primeiro conselho que Martinho Lutero dá à preparação para a morte é que os bens sejam repartidos antes do falecimento, evitando, assim, brigas entre os familiares1; quantos amigos estão brigados por causa do dinheiro? Quantas famílias vivem o luto por causa do roubo seguido de morte? Quantas pessoas estão estressadas, ansiosas ou até depressivas por causa da montanha de dívidas que acumularam para si?

Isso sem contar a questão do status. Vivemos em uma sociedade onde através das redes sociais somos um espetáculo que todos devem assistir e aplaudir. Por isso, o poder de compra se tornou uma peça-chave para a felicidade: “compramos coisas que não queremos para impressionar pessoas das quais não gostamos”2. Talvez, hoje em dia, mais que ter dinheiro, tornou-se importante parecer que se tem dinheiro. A aparência foi colocada acima da essência. Portanto, qual deve ser o papel do dinheiro na vida do cristão? O que a Palavra de Deus tem a nos dizer sobre esse delicado assunto?

1 O PROBLEMA DO APEGO AO DINHEIRO

Na história contada por Jesus encontramos alguém que era dono de muitas terras. O produto do campo ainda nem foi colhido e ele já está planejando toda a sua vida. Em momento algum Jesus o incrimina por ser dono de muitas terras ou por ser um homem rico. Na verdade, a crítica de Jesus vai em direção a outro fato. Prestemos atenção no texto bíblico: “Que farei, pois não tenho onde armazenar a minha colheita? Já sei! Destruirei os meus celeiros, construirei outros maiores e aí armazenarei todo o meu produto e todos os meus bens. Então direi à minha alma: ‘Você tem em depósito muitos bens para muitos anos; descanse, coma, beba e aproveite a vida.’”. (Lucas 12.17-19).

Conseguimos entender a raiz do problema? Aquele homem era alguém encurvado em si mesmo. Ele não conseguia pensar em ninguém a não ser nele mesmo. Entretanto, com tantas propriedades, será que aquele homem conquistou tudo sozinho? Certamente que não|! Ao encher o seu coração de orgulho, ele não lembrou da sua equipe e nem da sua família. Por ele e para ele eram todas as coisas!

Portanto, o alerta realizado por Jesus é sobre o lugar que o dinheiro ocupa em nossos corações. Assim nos diz o Salmo 62.10: “Se as riquezas de vocês aumentam, não ponham nelas o coração.” Conforme Mateus 6.21, Jesus disse: “onde estiver o seu tesouro, aí estará também o seu coração”. Também o apóstolo Paulo falou sobre o dinheiro, dizendo: “Mas os que querem ficar ricos caem em tentação, em armadilhas e em muitos desejos insensatos e nocivos, que levam as pessoas a se afundar na ruína e na perdição. Porque o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e atormentaram a si mesmos com muitas dores”. (1 Timóteo 6.9-10). Assim, o mesmo dinheiro que pode ser uma bênção para uma família e comunidade pode também se transformar em maldição quando é administrado com orgulho, egoísmo e por status diante das outras pessoas. O problema não é o dinheiro, mas o apego ao dinheiro.

2 O PROBLEMA DA TOLICE

Talvez o homem da parábola seria elogiado pelo mundo como alguém prudente; Jesus, porém, o chamou de louco! Contudo, em que reside a sua tolice já que estava se preparando para uma grande colheita?

Aqui encontramos um grande e real problema de administração. A pouco tempo assisti a um pequeno documentário contando a história da extinta TV Tupi. A Tupi não foi apenas a primeira emissora de TV do Brasil, mas também uma das grandes líderes de audiência por muito tempo. Porém, seu fundador, chamado Assis Chateaubriand, não poderia ser considerado um bom homem de negócios. Apaixonado por arte, Chateaubriand se fixou em comprar quadros caríssimos para a cidade de São Paulo. Onde ele conseguia o dinheiro? Chateaubriand passava na sua emissora de televisão e retirava o quanto queria. Assim aconteceu por muito tempo até a emissora entrar em uma crise econômica tão grave ao ponto de sua concessão ser caçada pelo Ministério das Comunicações.

Portanto, o problema do homem da parábola não era ele ser dono de um negócio. O problema foi a sua má administração. Ele pensou apenas em si mesmo. Com os recursos que estava para ganhar caso a colheita fosse, de fato, recorde, ele poderia gerar mais empregos com dignidade e salários justos, movimentar a economia e ajudar a mais pessoas. Porém, como ele pensou? “é tudo meu”.

Um coração egoísta é, desde o início, o fim de qualquer negócio ou empreendimento. Qualquer negócio em que o empreendedor saca de maneira recorrente das receitas estará inevitavelmente fadado ao fracasso. Cada vez mais empreendedores de sucesso admitem que para irem bem em suas empresas, precisam separar as finanças pessoais das finanças das suas empresas. Sem essa divisão, a cobiça pessoal poderá se tornar uma grande despesa e um grande fardo à empresa ao ponto de ela quebrar.

Assim, a grande questão colocada por Jesus na parábola é o lugar que o dinheiro e os bens ocupam em nossas vidas. Muitas vezes, o dinheiro e os bens estão em um lugar quase sagrado e intocável, assumindo, inclusive, o lugar de Deus. Os Shoppings Centers podem facilmente ser interpretados como grandes “templos de consumo” onde reina o deus dinheiro e o deus egoísmo, servidos por seus adoradores consumistas.

3 O PROBLEMA DA LOUCURA

Jesus nos diz, conforme Mateus 6.33: “Busquem em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas lhes serão acrescentadas”. Este é exatamente o princípio que faltou ao homem da parábola. Ele buscou primeiro as próprias vontades e seguiu primeiro à própria cobiça ao invés de buscar a Deus. É por isso que ele foi chamado de louco.

O texto bíblico nos diz: “Mas Deus lhe disse: “Louco! Esta noite lhe pedirão a sua alma; e o que você tem preparado, para quem será?” Assim é o que ajunta tesouros para si mesmo, mas não é rico para com Deus”. (Lucas 12.20-21). Aquele homem poderia ser muito rico; porém, riqueza alguma poderia salvar a sua vida naquela noite.

Podemos ser tratados pelos melhores médicos e sermos internados nos melhores hospitais; porém, nada disso pode evitar a inevitável morte. Os recursos financeiros talvez até consigam a atrasar um pouco. Contudo, dinheiro nenhum no mundo pode manter uma pessoa viva para sempre. Além disso, o nosso dinheiro não pode comprar o céu. Para a eternidade com Deus não existe compra de ingresso antecipado. Aquele homem lembrou com clareza das coisas do mundo presente, mas esqueceu completamente das coisas do mundo futuro. Esteve tão encurvado em si que não era livre o suficiente para enxergar e servir a Deus.

Nenhum de nós conhece o dia de amanhã. Assim nos diz Tiago, o irmão de Jesus: “Escutem, agora, vocês que dizem: “Hoje ou amanhã, iremos para a cidade tal, e lá passaremos um ano, e faremos negócios e teremos lucros.” Vocês não sabem o que acontecerá amanhã. O que é a vida de vocês? Vocês não passam de neblina que aparece por um instante e logo se dissipa. Em vez disso, deveriam dizer: “Se Deus quiser, não só viveremos, como também faremos isto ou aquilo”. (Tiago 4.13-15). Provérbios 16.1 nos diz: “O coração do ser humano pode fazer planos, mas a resposta certa vem dos lábios do Senhor”. E a sabedoria do Salmo 90.12 nos lembra: “Ensina-nos a contar os nossos dias, para que alcancemos coração sábio”. Jesus também disse: “De que adiantará uma pessoa ganhar o mundo inteiro e perder a sua vida?” (Mateus 16.26). Portanto, é loucura trocar vidas por dinheiro, relacionamentos por dinheiro e a própria eternidade futura pelos prazeres do mundo presente.

Amadas irmãs, amados irmãos,

o convite de Jesus é a vivermos com simplicidade. Isso não significa abandonar tudo aquilo que “temos” de uma hora para a outra, mas a administrarmos as coisas que “possuímos” com sabedoria ao ponto de não sermos escravos de nada, nem mesmo do dinheiro ou das posses.

Uma vida com simplicidade nos liberta de termos de viver o tempo todo por status, ou seja, por aparência; nos liberta também de estresses e ansiedades relacionados a dívidas acumuladas; nos liberta da depressão quando achamos que nunca teremos ou seremos como as pessoas que tem mais posses que a gente. Simplicidade não significa não ter dinheiro ou posses, mas administrar tudo isso com tamanha sabedoria ao ponto do dinheiro e das posses não esconderem o que realmente importa: Deus, a família, as relações, enfim, as pessoas!

De maneira prática, o que podemos exercitar no nosso dia a dia a fim de que vivamos uma vida simples e digna? O pastor Richard Foster nos dá dez conselhos práticos:

Em primeiro lugar, compre as coisas pela utilidade que têm, não pelo status que conferem. Os carros devem ser comprados pela utilidade, não pelo prestígio. Considere a possibilidade de andar de bicicleta. Quando estiver pensando num apartamento, condomínio ou casa, certifique-se de que o local é habitável, em vez de pensar no quanto a propriedade irá impressionar.3

Pense em suas roupas. A maioria das pessoas não precisa de muitas vestimentas, mas vivem comprando roupas – não porque precisam delas, mas porque querem se manter na moda. Aposente os modismos! Compre apenas aquilo de que precisa. Use as roupas até ficarem gastas. Pare de tentar impressionar as pessoas com suas roupas: deixe-as impressionadas com a sua vida. Se a situação permitir, alegre-se confeccionando suas próprias roupas.4

Em segundo lugar, rejeite qualquer coisa que crie em você alguma dependência. Aprenda a distinguir entre uma necessidade psicológica real, como ambiente agradável, e um vício. Elimine ou reduza o uso de bebidas que viciam e são pouco nutritivas: álcool, café, chá, refrigerantes (...). Recuse-se a ser escravo de qualquer coisa, a não ser de Deus.5

Em terceiro lugar, desenvolva o hábito de dar coisas. Se descobrir que está apegado a algum bem, pense na possibilidade de doá-lo a alguém que precise dele (...). Pare de acumular! Guardamos uma enormidade de coisas desnecessárias, que complicam a vida. Elas precisam ser separadas, guardadas, empanadas, separadas novamente e mais uma vez guardadas.6

Em quarto lugar, recuse a propaganda feita pelos guardiões da moderna quinquilharia eletrônica (...). Os profissionais da propaganda tentam convencer-nos de que, pelo fato de haver na praça um modelo mais moderno ou com uma função (enfeite) adicional, precisamos vender o modelo antigo e comprar o novo.7

Em quinto lugar, aprenda a desfrutar as coisas sem possuí-las. Possuir coisas é uma obsessão em nossa cultura. Se possuímos algo, temos a sensação de que podemos controlar esse algo; se controlamos algo, temos a sensação de que esse algo nos dará mais prazer. Tal ideia é uma ilusão. Muitas coisas na vida podem ser desfrutadas sem as possuirmos ou controlarmos. Reparta as coisas. Desfrute a praia sem a sensação de que você precisa comprar um pedaço dela. Aproveite os parques públicos e as bibliotecas.8

Em sexto lugar, desenvolva um apreço profundo pela criação. Crie intimidade com a terra. Caminhe sempre que possível. Ouça os pássaros. Desfrute a textura da grama e das folhas. Sinta o cheiro das flores. Maravilhe-se com a riqueza de cores existentes em todos os lugares.9

Em sétimo lugar, examine com ceticismo saudável todas as propostas “compre agora, pague depois”. Elas são uma armadilha e só fazem piorar a escravidão (...). Por certo, a prudência, assim como a simplicidade, exige que tenhamos cautela extrema antes de contrair uma dívida.10

Em oitavo lugar, obedeça às instruções de Jesus sobre falar direta e honestamente: “Seja o seu ‘sim’, ‘sim’, e o seu ‘não’, ‘não’; o que passar disso vem do Maligno” (Mateus 5.37). Se concordar em realizar uma tarefa, complete-a. Evite bajulação e meias verdades. Faça da honestidade e da integridade as características que distinguem a sua fala.11

Em nono lugar, rejeite qualquer coisa que seja instrumento de opressão (...). A opressão que exercemos em geral está tingida de racismo, sexismo e nacionalismo. A cor da pele ainda influencia a posição de uma pessoa na empresa. O sexo de um candidato a emprego ainda afeta o salário. O país de origem de alguém ainda influencia o tratamento que lhe damos.12

Em décimo lugar, afaste-se de qualquer coisa que o distraia de sua busca pelo Reino de Deus. A busca intensa por outras coisas, ainda que legítimas e boas, podem facilmente nos levar a perder o rumo. Empregos, posição, status, família, amigos, segurança, – tudo isso pode ocupar com extrema rapidez, o foco de nossas atenções.13

E assim, que Deus conceda a todos nós a coragem, a sabedoria e a força para que o Reino de Deus continue sendo prioridade em nossas vidas. A partir disso, compreenderemos o significado do amor ao próximo como liberdade de ajudar a quem precisa, sem distinções. Assim, a aporofobia dará lugar ao amor aos pobres; o egoísmo dará lugar à solidariedade; a ansiedade dará lugar à paz; a depressão poderá dar lugar à cura, assim por diante.

Usemos os nossos recursos com tanta sabedoria ao ponto de que se partirmos hoje, partamos em paz e deixando os que ficam em paz. E assim, a paz de Deus, que está acima de todo entendimento, guardará os nossos corações e as nossas mentes em Cristo Jesus, amém.


8º DOMINGO APÓS PENTECOSTES | VERDE | TEMPO COMUM | ANO C

31 de Julho de 2022


P. William Felipe Zacarias


Cf. LUTERO, Martinho. Um sermão sobre a Preparação para a Morte – 1519. in: LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas: Os Primórdios – Escritos de 1517 a 1519. v. 1. 3. ed. São Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia; Canoas: Ulbra, 2016. p. 386-398.

GISH, Arthur. Beyond the Rat Race. New Canaan: Keats, 1973. p. 21. apud: FOSTER, Richard. Celebração da Disciplina. 2. ed. São Paulo: Vida, 2007. p. 123.

FOSTER, 2007. p. 134. Grifos do autor.

FOSTER, 2007. p. 134-135.

FOSTER, 2007. p. 135. Grifo do autor.

FOSTER, 2007. p. 136-137. Grifo do autor.

FOSTER, 2007. p. 137. Grifo do autor.

FOSTER, 2007. p. 138. Grifo do autor.

FOSTER, 2007. p. 138. Grifo do autor.

10 FOSTER, 2007. p. 138-139. Grifo do autor.

11 FOSTER, 2007. p. 139. Grifo do autor.

12 FOSTER, 2007. p. 139-140. Grifo do autor.

13 FOSTER, 2007. p. 140. Grifos do autor.


Autor(a): P. William Felipe Zacarias
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio dos Sinos / Paróquia: Sapiranga - Ferrabraz
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Testamento: Novo / Livro: Lucas / Capitulo: 12 / Versículo Inicial: 13 / Versículo Final: 21
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 67659
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