Tolerância e Religião

Palestra

29/10/2004

I. O desafio de um mundo plural

1. O tema soa como tentativa de conciliar a água e o fogo. Pois à primeira vista tolerância e religão são fenômenos mutuamente excludentes. Não há nada mais intolerante do que as religiões, cada qual com a pretensão de oferecer a única verdade e de conduzir os fiéis à salvação. Aos adeptos é prometido o céu, enquanto os dissidentes são remetidos ao inferno. Isto não somente no juízo final. A condenção costuma ser antecipada em forma de demonização, perseguição e até mesmo extermínio dos “incrédulos”. Preconizam-se as guerras santas e as barbáries cometidas em nome do combate ao mal como um serviço agradável a Deus. Religião pode ser altamente brutal. Desde sempre a convivência de credos divergentes tem sido difícil. São incontáveis as vítimas do fanatismo religioso, não por último na história do Brasil. Fervor religioso desconhece tolerância. Possui uma veia assassina.

2. No século XXI, o assunto adquiriu particular periculosidade. Enganou-se quem acreditava ser guerra religiosa algo do passado. Os horrores da guerra dos trinta anos, que colheu um terço da população da Europa no século XVII, aparentemente não foram suficientes para desiludir as pessoas com relação à legitimidade de uma guerra em nome da fé. No mundo globalizado renascem os fundamentalismos, ameaçando a paz e espalhando o medo. O terror que ceifa indiscriminadamente virtuais inimigos e pessoas totalmente inocentes possui fortes ingredientes religiosos. É praticado em boa medida por “mártires” que sacrificam sua vida em favor de uma causa dita “santa”, em lógica completamente irracional. Porventura tornar-se-á realidade o “choque das culturas” como alertava o norte-americano Samuel Huntington já há anos atrás? Seja como for, a atualidade enfrenta a ameaça de novos conflitos que, em razão do poderoso arsenal bélico da era tecnológica, adquire monstruosas dimensões. Não é por acaso que ultimamente o reclamo por paz tenha alcançado singular insistência em todo o mundo.

3. Tolerância não é exatamente sinônimo de paz. É apenas uma premissa da mesma, embora de primeira ordem. Merece atenção justamente nessa condição. De acordo com a declaração da UNESCO, de 1995, tolerância é o respeito mútuo, a aceitação e o reconhecimento das culturas deste mundo. Implica em co-existência harmoniosa também em meio a diferenças. O imperativo da tolerância, pois, parte da realidade de uma sociedade plural, multicultural, plurireligiosa. Como tal não é nenhuma invenção moderna. Também as sociedades antigas, como a do Império Romano, se defrontavam com o problema da convivência plural. Tinham que decidir o que toleravam e o que não. Mas a acelerada aproximação das culturas, das etnias, das religiões, decorrente do assim chamado processo de globalização, aguçou a problemática e lhe confere nova qualidade. Já não é possível manter o diferente à distância. Devemos achar uma forma de conviência, queiramos ou não. A pergunta vital é se terá natureza conflituosa ou pacífica.

4. „A intolerância está na raiz das grandes tragédias mundiais.” A constatação de Marcelo Guimarães, em recente publicação sobre o assunto, dispensa comprovantes. A humanidade se compara à tripulação de uma nave espacial, da qual não há como desembarcar. Mesmo assim, vive desunida, armada até os dentes, disputando o comando e procurando aniquilar o diferente. As estratégias usadas para reprimir as agressões não são nada animadoras. Limitam-se essencialmente à força policial ou militar, ao anti-terror, à dominação cultural ou econômica. Ainda prevalece aquele nefasto princípio romano que dizia: “Se queres a paz, prepara a guerra.” É claro que nesse jogo a culpa sempre seja empurrada aos outros. Diz-se ser preciso defender-se dos ataques dos inimigos. E a lógica parece dar razão ao raciocínio: Tolerância não pode estender-se ao crime nem compactuar com o mal. Não poderá ser ilimitada, portanto. É essa a questão chave do pluralismo do mundo global, presente nas relações internacionais bem como em cada nação em particular: Tolerância sim, mas até onde? E a religião, que pode e deve contribuir? É a matéria de nossa reflexão. Tentaremos responder como cristãos, isto é de acordo com o espírito de Jesus Cristo.


II. O papel da religião

1. O quadro desenhado acima com respeito ao exclusivismo das religiões evidentemente não retrata a verdade toda. Refere-se de fato apenas às alas fundamentalistas, aliás presentes em todas as religiões com expressões mais ou menos intensas. Podem dar origem a juízos injustos. O islamismo, será ele por natureza violento? E o que dizer do cristianismo a partir de seus pecados históricos que deixaram um rasto de sangue nas Américas e em outras partes do mundo sob o controle da inquisição? Ora, importa resistir à tentação de caracterizar uma religião com base em algumas manifestações patológicas. Cabe recorrer ao “discurso fundante” para ver se consagram a intolerância ou não. Jesus Cristo, ele mesmo, legitima a violência cometida em seu nome? Se isto não for o caso, há que espalhá-lo aos quatro ventos para não haver dúvidas a respeito. Jesus Cristo condena a tortura, as guerras preventivas, a violação da dignidade do inimigo. O mesmo se exige do mundo islâmico. Caso o Alcorão repudiar a violência em nome de Alá, as lideranças muçulmanas deverão distanciar-se dos talibã, de Osama Bin Laden e da repressão exercida em cima de pessoas de outra fé. De qualquer maneira, a relação entre religião e intolerância exige o juízo diferenciado.

2. Tal diferenciação implica adicionais considerandos. Por via de regra se misturam outros interesses ao confronto dos credos. Religião costuma ser instrumentalizada para fins econômicos, políticos e até mesmo pessoais. Basta lembrar o conflito entre protestantes e católicos na Irlanda do Norte ou a disputa da terra santa entre Israel e os Palestinos. A intolerância se prende aos objetivos que estão em jogo. Haverá espaço para dois Estados naquela região com duas capitais na mesma cidade Jerusalém? Por demais vezes, a religião se tornou e se torna refém de interesses alheios, devendo “abençoar” uma guerra não por ela inventada, muito embora apoiada. Enfim, seja lembrado que também o ateísmo pode exibir feição intolerante. Isto quando se alicerça em fundamento ideológico a exemplo do ateísmo marxista ou então na “doutrina da segurança nacional” na época da ditadura em nosso País. As Igrejas sofreram perseguição sob os antigos regimes comunistas e militares. Secularidade não é nenhuma garantia contra a perseguição de minorias dissidentes.

3. Aliás, intolerância é algo típico de “credos”, sejam eles de matiz religioso, ideológico ou até mesmo secular. Por verdades científicas não é preciso batalhar. Elas vão impor-se por força inerente. Se alguém duvida que dois mais dois são quatro, mostra ser não um descrente, e, sim, um ignorante. Ciência não necessita de mártires, nem precisa fazer missão. Isto é diferente sempre que fé está em jogo. Pois fé não existe independetemente das pessoas que a professam. Fatos são objetivos, indiscutíveis, universais. Enquanto isso convicções se revestem de natureza subjetiva, particular, relativa, sendo que questionamentos sempre atingem não somente os assuntos em discussão, como também as pessoas que os defendem. Crítica em assuntos de fé costuma ser sentida como “agressão pessoal”. Explicam-se assim as reações violentas.

4. Se assim é, poder-se-ia concluir ser vantajoso, abandonar o mundo dos credos, da religião e da fé para substituí-lo por aquilo que de fato sabemos. O crer deveria ceder espaço para o saber, a religião à ciência. É esta a proposta de muitas pessoas hoje, cansadas das brigas e da fúria dos crentes. Em virtude de seus efeitos flagrantemente deumanizantes, o fenômeno religioso está perdendo crédito. “A tentação de se tornar descrente”, foi este o título do relatório de alguém que recentemente voltou de viagem ao Oriente Médio. O problema é que o saber é incapaz de substituir os credos. As coisas mais importantes da vida somente podem ser cridas, não demonstradas. Incluem-se aí o sentido, o objetivo e as metas de vida, a razão de ser, o porquê da existência, a dignidade humana e muito mais. James Watson, por exemplo, biólogo, descobridor da estrutura do DNA e portador do prêmio Nobel, é ateu declarado. Mesmo assim não dispensa os credos. Em entrevista no ano passado afirma, eu cito literalmente: “Eu creio na observação e no experimento, não em revelação”.. “Creio na natureza do ser humano...Não creio nos direitos humanos. Creio nos deveres humanos e na responsabilidade.” Pois é! É aí que deve começar a discussão. Já abandonamos a esfera da “pura ciência” e passamos para o terreno tradicional da religião. De qualquer maneira, também os niilistas têm os seus credos. Devem dizer qual a sua cosmovisão, quais os seus valores, os seus critérios de ética, seu projeto de vida. Aliás, também os niilistas exibem não raro nítidos sinais de intolerância.

5. Então, eliminar a religião para desse modo construir uma sociedade tolerante é ficção. O caminho deve ser outro. Consiste na mobilização das energias próprias das religiões na construção da paz. Há que se combater não as religiões, e, sim, suas manifestações doentias, patológicas, alienadas. Pois no fundo, todas as religiões ou pelo menos a maioria das mesmas se sabem a serviço da nobre causa da paz. Falo a seguir somente em nome do cristianismo. Mas lanço o desafio também às demais religiões para por a descoberto sua força pacificadora. Se é salvação que preconizam, seja lembrado ser paz um dos imprescindíveis componentes da mesma.

6. Inicio com a bem-aventurança dos pacificadores por parte de Jesus. Quem promove a paz tem a promessa de ser chamado filho e filha de Deus (Mt 5.9) Simultaneamente, paz é dom do Cristo ressuscitado (Jo 20.26), característica do Reino de Deus (Rm 14.17), realidade criada pelo evangelho (Ef 2.11s). A comunidade confessa Cristo como sendo a sua paz por ter derrubado muros de separação e reconciliado inimigos (Ef 2.14). É amplo o testemunho bíblico a esse respeito. Não podemos entrar em detalhes. Não dizemos nada demais ao qualificar o evangelho como “projeto de paz”, promovido por Deus em favor de um mundo mortalmente ameaçado por seus conflitos. Em vista da cidade de Jerusalém, Jesus chorou, por ela desconhecer o que serve para a paz (Lc 19,41s). Assim ele chora também hoje sempre que pessoas, grupos, povos preferem a tolice da guerra, da violência e do conflito à sabedoria do perdão, da reconciliação, do entendimento mútuo.

7. A causa desse impressionante testemunho em favor da paz no Novo Testamento está na centralidade do amor como dom e exigência de Deus. Deus, ele mesmo, é amor, diz a primeira carta de João. Pretende, pois, o bem de sua criatura ainda que esta esteja afundada em pecado, culpa, obstinação. Consequentemente resume-se nele, no amor, a vontade de Deus por excelência. O duplo mandamento do amor a Deus e ao próximo compila a “lei e os profetas” e se constitui no critério de toda conduta humana. Ora, o amor é paciente, é benigno,...tudo sofre tudo crê, tudo espera, tudo suporta...” diz o apóstolo Paulo em 1 Co 13. Em outros termos, o amor é necessariamente “tolerante”, carrega o outro, suporta o diferente. Tolerância é uma exigência profundamente evangélica. Faz parte da ética cristã, de uma conduta em consonância com o evangelho, é típica do “andar no espírito”. Sem amor, a fé está prejudicada, corrompeu-se, está morta. Por isto, tolerância está na raiz da fé cristã.

8. E no entanto, ela não é ilimitada. Nenhuma tolerância o é. Já dissemos que não pode acobertar o crime. Por isto mesmo a vontade de Deus se articula não somente em mandamentos, como também em proibições. Mostra-o o decálogo, assumido por Jesus e integrado no catecismo luterano. Proibição é uma forma de intolerância. E ela é legítima desde que preventora do mal. O mesmo vale com relação à verdade. Ela é uma só e exclui o seu contrário. A verdade não pode tolerar a mentira, o erro, a falsidade. Insiste no que é correto, honesto, procedente. Certamente não existe apenas uma verdade, visto que podem ser diversas as perspectivas, cada uma revelando outras dimensões do mesmo fenômeno. Mas quando o assunto é o mesmo, a verdade é exclusiva. Caso contrário vai eliminar-se a si mesma. Ela possui natureza intolerante por definição. Está proibida de dar razão à posição e à oposição ao mesmo tempo.

9. A fé cristã defende a verdade do evangelho. Afirma, por exemplo, que o ser humano é justificado por graça e fé. E não pode arredar pé desta verdade sem aniquilar-se a si própria. No entanto, está obrigada a defendê-la com amor. Se o amor quer tolerar tudo, a verdade o impede. Precisa traçar limites. Inversamente, se a verdade quer excluir ou condenar, vai sofrer a oposição do amor que não se conforma com a exclusão do próximo. Verdade e amor se desafiam e complementam mutuamente. O amor protege a verdade contra o perigo de tornar-se desumana e brutal. Reprova o assassinato do inimigo, a demonização do dissidente e a violação de sua dignidade. Inversamente a verdade protege o amor de favorecer a indiferença, incapaz do protesto e da resistência contra o mal. É claro que a renúncia à verdade seria o modo mais cômodo de assegurar a tolerância. Mas o preço será a perda da capacidade de distinguir entre o bem e o mal. Tolerância e indiferença são coisas distintas.

10. É corrente a constatação que a primeira vítima numa guerra é a verdade. A mentira faz parte da estratégia militar. Por analogia vale que a primeira vítima do fanatismo religioso é o amor. Fundamentalismo religioso, inclusive o de natureza cristã, despreza o supremo mandamento de Jesus, como bem o podemos observar na primeira carta do apóstolo Paulo aos coríntios. Não é por acaso que o hino de exaltação ao amor se encontra justamente nesta carta. A fé cristã não pode sacrificar nem a verdade nem o amor sem irremediavelmente descaracterizar-se. E ela sustenta essa afirmação como válida para todas as religiões. Importa conjugar a paixão pela verdade com a paixão pelo amor, sem prejuízo nem para esta nem para aquela. Isto significa:

a. Não se pode esperar da religião que renuncie à incondicionalidade de seu discurso. Sem ela perde sua credibilidade. Todas as religiões se sabem portadoras de uma “verdade”, a cuja negação se reage agressivamente. Enquanto não incorrerem em crime, devem ter espaço para a articulação e a prática de seus credos sem serem obrigadas a renegar sua identidade. O que se deve legitimamente esperar das religiões, é que desistam de antecipar o juízo divino mediante perseguição e extermínio dos dissidentes. Condenar a pessoa descrente é atribuição exclusiva de Deus. O próprio Jesus dá o exemplo. Acusou não os dissidentes, e, sim, os fanáticos, os justos. Nenhuma autoridade humana, religiosa ou política, tem a permissão de usurpar autoridade divina. Guerra religiosa, mesmo em termos tão somente verbais, é sempre pecado. Tolerância não significa concordância com o outro, mas concessão de espaço de vida. É este o verdadeiro sentido da palavra, a saber “suportar” o outro sem ver nele uma ameaça a ser liquidada. Tolerância não joga as diferenças na mesma panela. Mas possibilita a convivência dialógica, afastando o ódio, a agressão e a violência.

b. Exatamente por isto espera-se das religiões mais do que o empenho por co-existência estanque. O princípio da não interferência mútua é insuficiente para assegurar a paz. Importa lembrar às religiões seu mandato “pacificador” que inclui a tentativa de entendimento mútuo, a erradicação do preconceito, a abstenção do juízo injusto. Porventura, não existem afinidades entre as diferenças, pontos de convergência, causas comuns? Está aí o propósito legítimo do reclamo por uma ética planetária, vinculante para todas as religiões e todos os povos. A sociedade global, multicultural tem necessidade de reconciliar diferenças, promover a confiança mútua e capacitar para o intercâmbio cultural. Portanto, tolerância não é um fim em si. É instrumento para o objetivo maior da paz. E é esta que deverá ser a meta conjunta das religiões.



III. Por uma cultura global da paz

1. Convivência plural exige o Estado tolerante que garante a liberdade de pensamento, consciência e religião. De acordo com o artigo XVIII da Declaração Universal dos Direitos humanos, este direito “inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.” O Estado de direito vai impor restrições ao pleno exercício da cidadania apenas em casos de ação lesiva ao bem comum, à dignidade humana, à saúde do corpo social. Liberdade religiosa é reclamo não somente político. É uma exigência do próprio evangelho. As fé sofre prejuízo sob coação de qualquer espécie. Em consonância com isso, as Igrejas cristãs, embora em processo histórico lento, tornaram-se protagonistas da liberdade religiosa. Não se permite ao Estado tomar o partido de uma só facção. Deve seguir a meta da neutralidade em assuntos de cosmovisão e credo. Cabe-lhe a função de uma casa que abriga a multicolorida vida social, protegendo os legítimos direitos de seus cidadãos e cidadãs.

2. Se as Igrejas cristãs reivindicam liberdade religiosa para si próprias, estão comprometidas a concedê-la também a outros credos. Devem admitir a pluralidade que inevitavelmente brota de liberdade. Pluralismo é um princípio fundamental de toda sociedade sustentável. Uniformidade religiosa sempre terá por condição a tirania, a repressão, o controle. Abriga, exatamente por isto, alto potencial conflitivo suscetível de violentas irrupções. Pluralidade não é mal nenhum, desde que desarmada e habilitada para a convivência harmoniosa. É claro que para tanto a pluralidade, para não ser caótica, necessita de um denominador comum. Nenhum Estado pode abrir mão de uma Constituição que define os princípios básicos da Nação, os direitos e deveres de seus membros, os limites da tolerância. Mas estes limites devem ser tão amplos como possível.

3. O Estado neutro em assuntos de religião é conquista moderna, fruto de secularização e iluminismo. Ela separa o poder espiritual, religioso, e o poder temporal, secular, ou seja o “sacerdócio” e o “império”, o Estado e a Igreja. É sabido que essa separação custou a se impor. Foram fortes as resistências a abandonar o “Estado religioso”, a serviço de uma religião oficial, beneficiária de protecão da parte dos órgãos públicos. Vale lembrar a contribuição de Lutero nesse tocante. Foi um dos protagonistas do Estado tolerante ao sustentar ser religião uma questão de consciência e, por isto, imune à penalização por lei estatal. Nem mesmo a heresia deveria ser passível de penas seculares. Não é por acaso que jamais houve em Igreja luterana algo comparável à instituição da inquisição. Fé não se julga por tribunais governamentais. Infelizmente prevalece ainda hoje, em muitos países, regime teocrático que confunde as competências e pratica autoritarismo religioso. Ele é por natureza intolerante, violento, incompatível com o projeto da paz.

4. Seria errôneo concluir que esse projeto demandaria a renúncia à missão cristã, respectivamente à propaganda religiosa em termos abrangentes. Missão como testemunho, como convite, como difusão da fé é atividade legítima também e justamente em sociedade plurireligiosa. Na definição que acabamos de apresentar nada terá de violento. Vai usar como um de seus privilegiados instrumentos o diálogo, sendo que o diálogo inter-religioso, em meio ao renascer dos fundamentalismos, adquiriu particular relevância. Há quem prefira falar em macro-ecumenismo, palavra que tem a vantagem de, desde já, afirmar uma plataforma comum de todos os credos. E com efeito, por mais atemorizantes que pareçam os muros de separação entre as religiões, há uma unidade original entre os seres humanos como criaturas de Deus e concidadãos deste planeta. A paz global presupõe o esforço por substituir o confronto pelo encontro o que vai transformar a simples tolerância em experiências de comunhão.

5. Conflitos têm causas. Também o terrorismo dos dias de hoje as tem. É claro que o combate ao mesmo não pode desistir por completo do usa das armas. Mas engana-se quem supõe serem as armas capazes de produzir a paz. A violência, tanto nacional quanto a internacional, necessita de outra terapia do que o contra-terror. É estúpido quem não o enxerga e continua apostando no princípio “olho por olho, dente por dente”. Sem reconciliação, sem o combate ao ódio, sem a construção de confiança de parte a parte não há perspectivas de um mundo pacífico. Como diz o provérbio: Verdadeiro herói não é quem derrotou o inimigo, mas sim, quem o transformou em amigo. O mundo globalizado, vangloriando-se de armas inteligentes e gabando-se de fantásticas proezas técnicas, se ressente de aguda falta dessa sabedoria. Progresso científico não está protegido contra o perigo de ser cooptado por projetos terrivelmente estúpidos. O mundo moderno necessita da sabedoria da cruz, da inteligência do amor, para sobreviver.

6. Terminamos lembrando que tolerância naturalmente não é a única condicão da paz.. Não menos importante é a justiça, a devida distribuição dos bens, a garantia da subsistência, o respeito à dignidade das pessoas. Não há sujeito mais perigoso do que aquele que teve a sua dignidade ferida, seja por desprezo, tortura, injustiça, miséria, falta de emprego e perspectivas futuras. Vai planejar a vingança. Por isto mesmo o engajamento em favor da paz é atividade complexa. Mas necessariamente vai incluir a aprendizagem da tolerância em termos acima expostos. A pluralidade contém potencial explosivo. É preciso desarmá-la a tempo e redirecionar suas energias para o enriquecimento mútuo. A religião, a qual eu confesso e que é o evangelho de Jesus Cristo, possui enormes recursos para promover a tolerância como um dos estágios no caminho à paz.

 

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Pastor Dr. Gottfried Brakemeier



 


Autor(a): Gottfried Brakemeier
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Santo Amaro (São Paulo-SP)
Natureza do Texto: Apresentação
Perfil do Texto: Palestra - Debate
ID: 13956
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