Tolerância
Ricardo Wangen
Dentro da opulência com a qual o Criador agraciou o Brasil, a história legou ao seu povo uma sociedade muito infeliz. É um sistema feudal que permanece, embora mascaradamente, até hoje. Desde o desembarque de Cabral e sua tripulação, os primeiros habitantes desta terra, os indígenas, foram marginalizados, o que continua até o presente. Escravos foram importados, colonos e pequenos agricultores foram e continuam sendo injustiçados. Vivemos numa cultura intolerante, numa sociedade de exclusão.
Todavia, historicamente falando, o fato de ser intolerante não é uma peculiaridade brasileira. Por várias razões, intolerância e exclusão marcam todas as épocas da história. Inclusive na época de Jesus, quando ele vivia a tensão política entre o povo judaico e o Império romano. Precisamente, a atuação dele dentro dessa situação foi o que o levou para a cruz. Isto serve, então, como exemplo para nós, que pretendemos ser seguidores de Cristo. Ao invés de ser intolerante, Jesus nos mostrou como ser tolerante. Conforme o novo dicionário Aurélio, tolerância significa a tendência de admitir modos de pensar, de agir e de sentir que diferem dos de um indivíduo ou de grupos determinados, políticos ou religiosos. Colocando essa definição no contexto do tempo de Jesus precisamos compreender que os judeus, para manter a sua identidade, criaram uma cerca ou uma cultura de isolamento, condenando tudo que não se conformava com suas leis de pureza ou de santidade. De um lado, isto era compreensível, pois os judeus fizeram tudo para não serem assimilados pela cultura pagã dos romanos. Por outro lado, a rigidez dessas leis privava grande parcela do próprio povo judaico, como os pobres, os agricultores, os doentes e outros, de acesso ao seu Deus. Ao mesmo tempo, a presença do exército romano, com sua política de impostos e dominação, era um jugo a mais sobre esse povo, já fortemente oprimido. Em contraste, Jesus demonstrou, pelo exemplo da sua vida e da sua palavra, o verdadeiro sentido da palavra tolerância.
Não só em um lugar apenas nas Escrituras Jesus criou um escândalo pela sua tolerância! Verificamos isto nos textos de: Marcos 2.15. Lucas 19.7, Lucas 15.2, Mateus 11.19 e Lucas 7.34. Estes textos contêm as frases: Junto com Jesus... Estavam muitos cobradores de impostos e outras pessoas de má fama. Olhem, este homem é comilão e beberrão! A sua associação com mulheres era inconcebível naquela época. Especialmente para uma pessoa que ensinava. Ele anunciou o ano jubileu, que significava o cancelamento de dívidas e a redistribuição da terra, e proclamou as boas notícias para os pobres. Ele se identificou com os rejeitados e desterrados. Ele vivia tolerância,. A sua política não era política de santidade, mas era política de compaixão.
Jesus procurava transformar seu mundo social criando uma comunidade alternativa estruturada ao redor da compaixão, com normas que tendiam para inclusividade, aceitação, amor e paz. Jesus incorporou na sua atuação aquilo que chamaríamos de fato tolerância. O movimento que Jesus iniciou, criou um estilo de vida diferente para o povo de Deus. Esse estilo é um modelo para nós hoje, como o foi para o povo daquela época, que o seguia. Um estudioso do Novo Testamento, John Dominic Crossan, diz corretamente: Infelizmente, é uma tentação permanente para pastores e estudiosos a de reduzir Jesus à Palavra pregada, e substituir uma vida vivida por um sermão pregado ou uma ideia interessante. Remover, no entanto, das ações de Jesus aquilo que é radicalmente subversivo, socialmente revolucionário e politicamente perigoso, seria tornar sua vida sem sentido e sua morte inexplicável.
Perante as injustiças e a opressão da sua época, a tolerância foi um elemento importante na sua política de compaixão. Na sua atuação, Jesus deixou esse modelo para nós. Diante da falta de virtudes e das injustiças que estão dentro de nós e que nos assediam diariamente, a tolerância de Jesus é um desafio forte e um consolo também.
O autor é pastor aposentado da LECLB e integra o Serviço Paz-Justiça, em São Leopoldo, RS
Ver ìndice do Anuário Evangélico - 1998