Salmo 22 - Entre a Sexta feira da Crucificação e o Domingo da Ressurreição

Autoria P. Me. Alexander Busch

11/04/2020

Estamos hoje entre a Sexta Feira da Crucificação e o Domingo da Ressurreição. Neste Sábado, neste tempo intermediário, compartilho com vocês uma leitura parcial do Salmo 22 e meditação a partir desta Palavra bíblica. Eis a oração do Salmo 22:

“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? Por que ficas tão longe? Por que não escutas quando grito pedindo socorro? 2 Meu Deus, durante o dia eu te chamo, mas tu não respondes. Eu te chamo de noite, mas não consigo descansar . . . 5 Os nossos antepassados te pediram ajuda e escaparam do perigo; confiaram em ti e não ficaram desiludidos. 6 Eu não sou mais um ser humano; sou um verme. Todos zombam de mim e me desprezam . . . 19 Ó SENHOR Deus, não te afastes de mim! Vem depressa me socorrer . . . 21 Livra-me desses leões; não consigo me defender desses touros selvagens. 22 Então contarei à minha gente o que tens feito; na reunião do povo eu te louvarei, dizendo: 23 “Louvem a Deus, o SENHOR, todos os que o temem . . . 25 Na reunião de todo o povo, ó SENHOR, eu te louvarei pelo que tens feito. Na presença de todos os que te temem, oferecerei os sacrifícios que prometi. 26 Os pobres comerão da carne e ficarão satisfeitos . . . 27 Todas as nações lembrarão de Deus, o SENHOR, todos os povos da terra se voltarão para ele, e todas as raças o adorarão” (Até aqui a leitura)

Estimada comunidade,

Estamos hoje entre a Sexta Feira da Crucificação e o Domingo da Ressurreição. Neste Sábado, neste tempo intermediário, ouvimos uma leitura do Salmo 22. São 31 versículos que fazem parte desta oração, por isto ouvimos apenas uma leitura parcial do texto. O início do salmo 22 nos é bastante familiar, “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”. São palavras de Jesus. Palavras que Jesus disse na cruz, conforme nos relatam os evangelhos de Mateus e Marcos, “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” Palavras que expressam os sentimentos de abandono, de desamparo, de sofrimento que Jesus provou na cruz.

Agora, se por um lado, esta cena da crucificação de Jesus nos é conhecida, por outro lado, o Salmo 22 não nos é tão familiar. No livro de Salmos nós encontramos um grupo de orações chamado Salmos de Lamento. Isto mesmo, são orações em que a pessoa orante se coloca diante de Deus para se lamentar, expressar angústias e medos, clamar pela salvação divina. Não se tratam de meras reclamações, mas sim lamentos pela condição humana e um apelo para que Deus estenda seu socorro. Nas Sagradas Escrituras temos até mesmo um livro que se chama Lamentações de Jeremias, um conjunto de poemas expressando a tristeza do povo por causa da violenta destruição da cidade de Jerusalém.

O Salmo 22, portanto, faz parte desta expressão de espiritualidade do povo de Deus: é um salmo de Lamento. Nele a pessoa orante expõe seus sentimentos de abandono e profunda angústia, “Meu Deus, durante o dia eu te chamo, mas tu não respondes. Eu te chamo de noite, mas não consigo descansar”. O perigo que ameaça a vida é como leões ferozes ou touros selvagens. Deus precisa agir com urgência. Sentindo-se, entretanto, abandona pelo próprio Deus, a pessoa traz à memória a fidelidade de Deus no passado, “Os nossos antepassados te pediram ajuda e escaparam do perigo; confiaram em ti e não ficaram desiludidos”. É como se o salmista estivesse lembrando Deus da aliança e promessa que Deus havia feito de proteger e cuidar de seu povo. Será que Deus esqueceu de seu povo? Será que Deus não socorre a pessoa aflita? Onde está a face de Deus nesta hora de angústia? Onde está a face de Deus na nossa hora de angústia?

Voltando nossa atenção para a face de Jesus, da cruz ele exclama, “Meu Deus, meu Deus por que me abandonaste?” Se por um lado, as palavras do crucificado expressam lamento e desamparo, por outro lado, é o grito da fé, é o clamor confiante de que Deus responde as pessoas aflitas. E de fato, entre a sexta-feira da crucificação e o domingo da ressurreição algo extraordinário aconteceu, neste tempo intermediário, Deus, em silêncio profundo, estava agindo para levantar Jesus da morte e trazer nova vida para o mundo.

E o Salmo 22 forma um paralelo impressionante com o mistério da fé que professamos, o mistério da morte e ressurreição de Jesus. Na metade da oração do Salmo 22, entre os versículos 21 e 22, num tempo intermediário, algo extraordinário também aconteceu. Não sabemos o que e como, mas Deus agiu e socorreu a pessoa aflita, libertando a de sua angústia e lhe dando uma nova vida. Manifestações desta nova vida são o louvor e gratidão a Deus em comunidade, “na reunião do povo eu te louvarei, dizendo: Louvem a Deus, o SENHOR” (v 23). Também é manifestação da nova vida não estar mais como os olhos voltados para si mesmo e sua aflição pessoal, mas sim os olhos voltados para a necessidade do próximo, especialmente as pessoas mais vulneráveis numa situação de crise. A frase “os pobres comerão da carne e ficarão satisfeitos” (v 26) está relacionada com a oferta no templo - o sacrifício de um animal, cuja carne há de ser distribuída entre as pessoas pobres, como prescreve a lei. Ou seja, haverá abundância de alimentos para as pessoas em necessidade. E por fim, a manifestação da nova vida chega ao climax com o convite para o louvor universal, “todos os povos da terra se voltarão para ele, e todas as raças o adorarão” (v 27).

Estimada comunidade, não sabemos o que e como Deus agiu para levantar Jesus e trazer nova vida. O que sabemos e confessamos é que Deus agiu e está agindo, nos dando nova vida. Em Cristo Deus está reunindo nosso destino como povo, recolhendo nosso sofrimento e toda nossa vida e nos firmando numa nova esperança. O pastor luterano Bonhoeffer entendeu isto muito bem. Preso na cadeia à mando do regime Nazista na Alemanha, no domingo de Páscoa Bonhoeffer escreveu, “O aspecto libertador da Sexta-Feira Santa e da Páscoa consiste em que os pensamentos são arrebatados para muito além do destino pessoal e dirigidos para o sentido último de toda vida, de todo sofrimento e de todo e qualquer acontecimento e que se sente uma grande esperança” (Bonhoeffer Cartas da Prisão, Domingo da Páscoa 25.4.1943).

Em Cristo, portanto, temos uma nova esperança que se se torna visível neste chão, neste tempo, aqui e hoje. Em Cristo Deus nos acolhe em sua comunidade, a igreja. Em Cristo Deus nos chama para caminhar ao lado de outras pessoas, especialmente as pessoas mais vulneráveis, compartilhando com elas gestos concretos de ajuda e solidariedade. Em Cristo, Deus desperta nosso louvor e gratidão que ultrapassam tempo e espaço. Em Cristo a esperança é renovada por Deus. Amém.
 


Autor(a): P. Me. Alexander R. Busch
Âmbito: IECLB / Sinodo: Rio Paraná / Paróquia: Maripá (PR)
Área: Celebração / Nível: Celebração - Ano Eclesiástico / Subnível: Celebração - Ano Eclesiástico - Ciclo da Páscoa
Testamento: Antigo / Livro: Salmos / Capitulo: 22
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Meditação
ID: 56289
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