33 anos! Essa é a idade que Jesus tinha quando foi morto na cruz. Um jovem. Por vezes, nem nos damos conta que Jesus foi morto quando ainda era um jovem. É de um jovem que vem a nossa Salvação! Poderíamos pensar: se ele fez tantas coisas em três anos, o que ele poderia fazer em uma vida longa? Sim, poderíamos pensar assim. Mas estes são pensamentos humanos! No tempo certo, Jesus cumpriu a sua missão como Filho de Deus.
Jesus falava sobre a iminência da hora da sua morte: “E, quando voltou pela terceira vez, Jesus lhes disse: — Vocês ainda estão dormindo e descansando! Basta! Chegou a hora; o Filho do Homem está sendo entregue nas mãos dos pecadores” (Marcos 14.41). E, quando chegou a hora, os acontecimentos apenas aconteceram como deviam acontecer! Nesta Sexta-feira da Paixão, queremos meditar um pouco sobre cada um desses acontecimentos – o processo, a condenação e a morte de Jesus.
Quando chegou o momento, Judas concretizou o que havia combinado. Trocou todo o tesouro do Senhor por míseras trinta moedas de prata; trocou o Rei dos reis por meros bens materiais deste mundo; trocou a fidelidade do Senhor pela traição. E é impressionante como Judas concretizou sua traição: com uma inacreditável baixeza: “Ora, o traidor tinha dado a eles um sinal: “Aquele que eu beijar, é esse; prendam-no.” E logo, aproximando-se de Jesus, Judas disse: — Salve, Mestre. E o beijou. Jesus, porém, lhe disse: — Amigo, o que você veio fazer?” (Mateus 26.48-50). Sim! Judas traiu a Jesus com um beijo! E é interessante notar que esse golpe terrível não veio de fora, mas justamente a partir de alguém de dentro! Ah, e como é fácil julgar Judas! E quantas vezes nós traímos Jesus? Quantas vezes nós trocamos Jesus por trinta moedas de prata? O que são as trinta moedas de prata? Tudo aquilo que ocupa em nossa vida o lugar de Jesus! Não há tempo para Jesus! Não há talentos para Jesus! Não há tesouro para Jesus! Trocamos Jesus por tantas coisas! Colocamos a Igreja de Jesus – corpo de Cristo – como última das prioridades em nossas vidas. Mas, facilmente apontamos o dedo para aquele que traiu Jesus com um beijo – justamente nós que também dizemos amar a Deus e a Jesus, mas que colocamos Jesus como última prioridade. Todos nós carregamos um pouco desse Judas em nós – infelizmente! E precisamos de Salvação!
E então, após a traição, as coisas continuam seu curso – como devem acontecer! Quando os soldados chegaram para capturar Jesus, Pedro, de maneira impulsiva e instintiva – como é da sua personalidade – pegou a espada e cortou a orelha do soldado. Pedro! Ainda ingênuo quanto a tudo o que Jesus havia anunciado sobre essa hora! Pedro não discerniu que “numa situação tão grave não cabem espadas. Se Jesus quisesse proteção, poderia dispor facilmente de outras forças muito mais poderosas do que as armas. Mas é preciso que se cumpram as escrituras, que dizem que assim deve acontecer”[1].
Jesus é levado. Os discípulos fogem. Inicia-se o julgamento! E no julgamento de Jesus, nos chama a atenção o seu silêncio. Jesus não responde às indagações. Não se defende. Não pronuncia sequer uma palavra. O filósofo alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche descreve esse momento com estas palavras:
A prática foi o que ele deixou para a humanidade: sua atitude diante dos juízes, diante dos soldados, diante dos acusadores e de todo tipo de calúnia e escárnio – sua atitude na cruz. Ele não resiste, não defende seu direito, não dá um passo que afaste dele o extremo, mais ainda, ele o provoca... E ele pede, ele sofre, ele ama com aqueles, naqueles que lhe fazem mal...[2]
Jesus não resiste. Não se defende. Apenas fica em silêncio. Por quê? Porque ele sabe que ninguém neste julgamento está interessado em estabelecer a verdade. Jesus sabe que a sua condenação já está decidida e que esse interrogatório não passa de uma grande farsa[3], um teatro que tem como objetivo tão somente encenar fatos.
Enquanto a farsa do Sinédrio acontece, do lado de fora, algumas pessoas reconhecem Pedro e afirmam que ele era um dos que caminhava com Jesus. O que Pedro fez? Negou a Jesus! Cumpriu exatamente o que Jesus havia dito que aconteceria! Pedro, o grosso, impulsivo e bronco agora se viu tomado pelo medo. Mais do que isso: “E Pedro, saindo dali, chorou amargamente” (Lucas 22.62).
O processo contra Jesus continuou. Se já não bastasse a farsa do julgamento, os guardas zombam de Jesus, esse jovem de 33 anos: “Os homens que detinham Jesus zombavam dele, davam-lhe pancadas e, colocando uma venda sobre os olhos dele, diziam: — Profetize! Quem foi que bateu em você? E muitas outras coisas diziam contra ele, blasfemando.” (Lucas 22.63-65). Aqueles homens não queriam a verdade e os fatos. Não eram alimentados pela sinceridade e pelo senso de justiça; ao contrário, eram alimentados pelo ódio e pela violência! Tinham sede de sangue! Tinham o desejo de morte!
Jesus mantém o silêncio. Na angústia do Getsêmani, Jesus já havia aceitado tudo o que iria acontecer! Ali não há o Direito; ali não há a justiça. Tudo o que há é malícia, violência e desejo de morte! Jesus apenas respondeu quando foi perguntado se é o Cristo, o Filho de Deus. Essas indagações são respondidas por Jesus porque nelas há uma verdadeira intimação jurídica. O resto não passa de mero falatório e enganação!
Contudo, por mais que desejassem essa vingança contra o sagrado, as autoridades judaicas não tinham poder para matar a Jesus. Essa decisão não cabia a eles. Essa decisão cabia ao Império Romano. E então, mesmo sendo inimigos mortais de Roma, as autoridades judaicas procuram o governador Romano para conseguirem a concretização dos seus planos. E então, Jesus está agora diante de Pôncio Pilatos.
Diante do governador, os acusadores mudam o seu discurso. Blasfêmia não seria um crime aceito por Roma. Essa era uma peculiaridade da religião judaica – não do Império Romano. Então, acusam Jesus de subversão: “Levantando-se toda a assembleia, levaram Jesus a Pilatos. E ali começaram a acusá-lo, dizendo: — Encontramos este homem pervertendo a nossa nação, impedindo que se pague imposto a César e afirmando ser ele o Cristo, o Rei” (Lucas 23.1-2).
Estes “poderosos” acham que tem o poder de matar! Brincam com a vida e a morte das pessoas. Acreditam que nada pode escapar à sua sentença. Pensam estarem fazendo grande coisa com aquele que está sendo julgado. Mal sabem que não passam de servos, instrumentos! São nada! Apenas estão sendo usados para que o que deve acontecer possa acontecer: a crucificação de Jesus pela nossa salvação! Se acham grande coisa, mas na verdade não passam de pó como todo o restante da humanidade! Creem dominarem o mundo, mas não passam de instrumentos nas mãos do Deus Pai Todo-Poderoso cujo Filho estava bem diante dos seus olhos!
Pilatos, então não viu nenhum crime em Jesus. Procura deixar a decisão para o povo. Mas Pilatos calculou mal. Quem se aglomera para proferir o julgamento não é o povo. O povo não tinha acesso ao Pretório – residência oficial do governador romano e seus guardas. Quem ali se reuniu não é o mesmo povo que saudou a Jesus como Messias em sua entrada triunfal em Jerusalém. Quem está ali reunido diante de Pilatos são os poderosos. E aqueles que ali se reúnem dão a sentença de morte a Jesus e libertam Barrabás. Ironicamente, Jesus também morreu no lugar de Barrabás!
Pilatos não quer condenar a Jesus. Mas então os acusadores de Jesus o pressionam fazendo politicagem: “A partir desse momento, Pilatos queria soltá-lo, mas os judeus gritavam: — Se você soltar este homem, não é amigo de César! Todo aquele que se faz rei é contra César!” (João 19.12). A carreira política de Pilatos foi colocada em jogo. Ele não arriscaria todo o seu futuro por causa de um jovem galileu de 33 anos de idade. Pilatos lava as mãos! E Jesus foi levado para ser crucificado.
Amados irmãos, amadas irmãs,
esses foram os acontecimentos fundamentais para a nossa salvação: um mundo dividido pelo ódio se une por breve tempo contra Jesus; o silêncio de Jesus abre o caminho para que aconteça o que deve acontecer; aqueles que acham estar fazendo grande coisa são, na verdade, meros servos e instrumentos para a concretização do plano da Salvação.
Hoje é a Sexta-feira da Paixão! Jesus sofreu tudo isso por nós! Sua morte tem um sentido! Não é um sentido histórico, filosófico ou psicológico. É um sentido bíblico e teológico. Qual é o sentido de tanto sofrimento? Qual é o sentido da sua Paixão? Qual é o sentido de Deus se humilhar tanto assim? A nossa Salvação! Deus não nos condena, mas nos salva – embora hoje demos pouca atenção a Jesus. Jesus nos redimiu por sua morte:
Somente Deus pode enfrentar o pecado. Só Deus pode penetrar sua essência, medi-lo, julgar sua dimensão mais profunda. Somente a partir de Deus é possível fazer justiça ao pecado; mas o homem que é quem comete o pecado, ficaria destruído. “Graça” significa, portanto, que Deus fez justiça. Mas “redenção” significa que Deus optou por amar.[4]
Tudo isso Jesus sofreu pela nossa Salvação! E para concluir, gostaria de contar essa história real:
Domenico Fetti foi um pintor da cidade de Düsseldorf na Alemanha. Certo dia, o vigário da cidade, o padre Hugo, visitou-o com um pedido especial: que ele pintasse um grande quadro que ficasse no altar da Igreja sobre a crucificação de Cristo. Um membro da Igreja iria pagar pelo quadro. Domenico fez os esboços e de vez em quando o padre o visitava para ver o andamento da obra. Domenico queria relatar muito bem o drama da paixão e morte de Jesus.
Em um dia de primavera, decidiu sair pela sua cidade. Ele encontrou na beira de uma floresta uma bela cigana que fazia cestos de palha. Ela era muito bonita, tinha cabelos longos, um bom vestido velho, mas muito bonito. Os olhos dela também lhe chamaram a atenção. Domenico resolveu fazer um retrato dela como uma dançarina espanhola. Ela aceitou e de vez em quando ia ao ateliê de Domenico. Quanto entrou pela primeira vez, notou o quadro que ele estava pintando. Ela perguntou quem era aquele homem? Domenico respondeu de maneira indiferente: - é o Cristo! - O que estão fazendo com ele? - Perguntou ela. Domenico respondeu novamente: - estão o crucificando. - Ela não tirava os olhos do quadro. Domenico era impaciente e não queria responder todas as perguntas da cigana. Ela, porém, todos os dias se emocionava com a pintura. - Mas o que ele fez, ele era uma pessoa muito má? Se ele era uma pessoa boa, por que não o deixaram ir embora? - Domenico resolveu contar a história de Jesus à mulher, como ele veio ao mundo, como viveu entre nós e como se entregou a nós na cruz assumindo a nossa culpa, o nosso pecado, pagando com sua própria vida a morte que nós mereceríamos. Quanto ele terminou, a cigana ficou emocionada. No último dia em que Domenico terminou o retrato da cigana, ele vendeu o seu retrato e ela foi buscar a sua comissão. Ao olhar novamente o quadro de Cristo, disse: - “você deve amá-lo muito, pois ele fez tudo isso por você! ”. Esta frase cortou o coração de Domenico, gerando inquietações. Domenico conhecia muito bem a história de Jesus, mas estava indiferente até ali.
Um dia, caminhando pela sua cidade, percebeu como várias pessoas entravam em uma casa. Perguntou o que estava acontecendo? Não teve resposta, mas entrou e ali encontrou um pastor dos chamados reformados. O pastor pregou a palavra expondo a centralidade de Cristo. Nesta pregação, Dominique compreendeu o amor de Deus e saiu do culto já com o propósito de pregar esta palavra, porém, ele não sabia pregar. Então, resolveu pregar pintando um novo quadro retratando a crucificação de Jesus, mas colocando no rosto de Jesus não uma expressão de sofrimento, mas de compaixão. Ao terminar, doou o quadro ao museu da cidade. No rodapé do quadro escreveu: “tudo isso fiz por ti; que fazes tu por mim?” Esta obra chamou a atenção de todos que passavam pelo museu e inclusive a cigana o viu e também compreendeu o amor de Jesus Cristo. Desta vez, Domenico tinha muito tempo para ela e contou toda a história e de seu amor que aceitava a todos incondicionalmente.
Anos mais tarde, chegou ao museu um jovem rico. Ele também viu o quadro e a frase no rodapé “tudo isso fiz por ti; que fazes tu por mim”? Este jovem era Nicolaus Ludwig von Zinzendorf. Ele também decidiu investir sua vida na centralidade do cordeiro.
Tudo isso Jesus sofreu e fez por nós. O que fazemos por ele?
Amém.
[1] GUARDINI, Romano. O Senhor: reflexões sobre a pessoa e a vida de Jesus Cristo. São Paulo: Cultor de Livros, 2021. p. 560.
[2] NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. O Anticristo – 1888. In: NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Obras escolhidas. Porto Alegre: L&PM, 2013. p. 401.
[3] Cf. GUARDINI, 2021. p. 561.
[4] GUARDINI, 2021. p. 578.