Seguir a Cristo nem sempre é comprometimento

Evangelho de Mateus 15.21-28

16/08/2020

 

Estamos bem próximos das 110 mil mortes atribuídas à covid-19 no Brasil. Isso nos entristece tremendamente.

Aqui no Rio de Janeiro estamos respirando um pouco mais alividados após algunsdias de decréscimo no número de pessoas mortas, embora a infecção não esteja cainda na mesma proporção de -42%. Mas a pergunta que não cala: até quando será assim, após a flexibilização, tão necessária.

Ah, e nós pobres mortais? Quem poderia nos socorrer? Que chances temos nós de, pelo menos, não ficar tanto tempo sem saber o que vai acontecer em nossa vida? Quem tem olhos para a nossa realidade? Temos chance de valorização, de sair dessa?

Mateus 15.21Saindo dali, Jesus foi para a região de Tiro e Sidom. 22 E eis que uma mulher cananeia, que tinha vindo daqueles lados, clamava: — Senhor, Filho de Davi, tenha compaixão de mim! Minha filha está horrivelmente endemoniada. 23 Jesus, porém, não lhe respondeu palavra. Então os seus discípulos, aproximando-se, disseram: — Mande-a embora, pois vem gritando atrás de nós. 24 Mas Jesus respondeu: — Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel. 25 Ela, porém, veio e o adorou, dizendo: — Senhor, me ajude! 26 Jesus respondeu: — Não é correto pegar o pão dos filhos e jogá-lo aos cachorrinhos. 27 A mulher disse: — É verdade, Senhor, pois os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus donos. 28 Então Jesus exclamou: — Mulher, que grande fé você tem! Que seja feito como você quer. E, desde aquele momento, a filha dela ficou curada.”

Seguir a Cristo nem sempre é comprometimento

Jesus entrou em controvérsia muitas vezes com pessoas que o seguiam. Os populares fariseus foram confrontados em suas incoerências teológicas, especialmente seus legalismos. Se mostravam irredutíveis com os erros do outro. Os publicanos, nada populares, igualmente tiveram que ser enquadrados com a admoestação de Jesus Cristo. Esta classe era a dos cobradores de impostos que… nem precisa dizer o que. E agora esta mulher, sem nome, provinda de uma região pagã (cananeia), parece chatear Jesus com sua insistência para que curasse sua filha possuída pelos poderes demoníacos. Se, por um lado, de acordo com o Novo Testamento, “Cristo é o fim da lei” (Rm 10.4), por outro vemos que Jesus é a radicalização da lei. Ele se coloca radicalmente contra a lei do templo quando, por exemplo, brada: “— Ai de vocês, mestres da Lei e fariseus, hipócritas! Pois vocês dão a Deus a décima parte até mesmo da hortelã, da erva-doce e do cominho, mas não obedecem aos mandamentos mais importantes da Lei, que são: o de serem justos com os outros, o de serem bondosos e o de serem honestos. [Vocês] Coam um mosquito, mas engolem um camelo! […] vocês lavam o copo e o prato por fora, mas por dentro estes estão cheios de coisas que vocês conseguiram pela violência e pela ganância. […] vocês são como túmulos pintados de branco, que por fora parecem bonitos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e de podridão. Por fora vocês parecem boas pessoas, mas por dentro estão cheios de mentiras e pecados.” Mateus 23:23-28 NTLH

Como se fazer notar por aquele que pode ajudar?
Provavelmente de tanto se sentir apenas usado por seguidores sem compromisso Jesus ignora a mulher que quer ser percebida. Ela precisa ser percebida. Tem um pedido importante a fazer. Os discípulos, como quem tem a missão de filtrar o acesso de pessoas ao popular Jesus, também intercedem: Manda essa mulher chata e barulhenta embora. Já não aguentamos mais seus berros. Jesus argumenta que gente como essa mulher não é alvo de sua missão. O que fazer para ser percebido?
O evangelista Mateus escolheu para inserir este episódio na discussão sobre a aplicabilidade da lei de Moisés nos termos que escribas e fariseus o estavam fazendo; e é de se estranhar o que segue. Aparentemente o próprio mestre Jesus precisou mudar seu infalível ponto de vista diante da argumentação da mulher. Esta mulher sem nome e sem procedência definida questiona a postura rígida da lei. Faz valer a profecia de Isaías, de um Deus que se alegra com os estrangeiros que se aproximam para o servir, como vimos na leitura de texto de Isaías 56. A mulher crê no poder desse homem e o confronta com sua necessidade. “Pedi e dar-se-vos-á”, não é assim?

O Senhor nos reconhece com sendo seus

A recompensa que buscamos para nossa existência vem por mérito ou por graça? Qual deveria ser o nosso diferencial para nos destacarmos entre a multidão de pessoas necessitadas por sentido na vida? Conforme Stott, a resposta cristã a estas perguntas consiste em dirigir a atenção de quem questiona a Deus mesmo. É afirmar que Deus tomou a iniciativa de fazer pelo ser humano o que o ser humano não pode fazer por si mesmo. Mesmo no ministério de Jesus, é necessário que fique claro: a valorização de uma pessoa somente é possível porque Deus toma a iniciativa. Esta iniciativa de Deus em favor da humanidade recebe o nome de graça. “Graça é o amor de Deus para quem não o merece. Graça é o amor que se preocupa, se humilha e resgata”. Graça é sermos reconhecidos como sendo de DEUS.

Não me furtaria em dizer que Jesus foi, sim, humilhado pela argumentação de fé desta mulher insolente e intrusa. É assim que Jesus faz valer sua autoridade da graça, do resgate de vidas sem projeção para o lugar de destaque na história de cada pessoa que crê: o lugar da salvação.
Migalhas da graça de Deus
As sobras desprezíveis da graça de Deus já nos bastam. É delas que precisamos, assim como os cachorrinhos as esperam debaixo da mesa. Deus começou a história da graça na eternidade e a desenvolveu com a história de Seu povo. Esta história da graça de Deus culmina na cruz de Cristo. Quem sabe também esta mulher sem nome tivesse estado debaixo da cruz chorando a morte do que a ajudou. Migalhas da graça nos satisfazem ainda hoje, no presente. Deus atualiza o evento salvífico da cruz em nossa vida através da ação do Espírito Santo. Este mesmo Espírito acende a nossa fé para que tomemos posse daquilo que Deus fez por nós em Cristo. Migalhas da graça de Deus. É delas que precisamos para sobreviver, para ser alguém, para sermos ouvidos.

Confiança vivificadora

Misericórdia! Somos carentes da misericórdia de Deus. E confiamos nesta misericórdia. Em meio à pandemia não nos resta muita coisa: nos cuidar, cuidar das outras pessoas e confiar na misericórdia de Deus. Somente esta confiança na comiseração de Deus por nós nos dá alento de vida.

No entanto, o coração de muita gente continua duro. Sim, é provável que hoje a situação, na maioria das vezes, seja invertida. Explico: não somos mais nós quem clamamos por Jesus, e sim Ele clama por nós. Quer que aceitemos o novo caminho, a nova vida, sentido para a vida. A igreja está repleta de pessoas que rebaixaram o Evangelho a uma religiosidade moralista e panfletária. Reduziram o Evangelho da Salvação em Jesus Cristo um enunciado filosófico sem consequências para a sociedade. A sociedade está repleta de pessoas injustas — que estão enriquecendo terrivelmente nesta pandemia graças às montanhas de dinheiro que são desviadas de norte a sul, de leste a oeste. Pessoas insensíveis que financiam com suas fortunas a negação de Deus.

Aceitemos o resgate para a vida plena

Aceitemos a graça amorosa de Jesus Cristo antes que a nossa distância — de Deus e das necessidades prementes das pessoas ao nosso redor — nos cause danos irreparáveis para a vida? Sejamos pessoas convictas da fé. Tenhamos olhos abertos para a cura que Jesus Cristo faz acontecer entre nós. “Deus nos deixou a promessa de que podemos receber o descanso de que ele falou”. (Hb 4.1 – lema da semana)
Amém!


Autor(a): Pr. Rolf Rieck
Âmbito: IECLB / Sinodo: Sudeste / Paróquia: Rio de Janeiro - Martin Luther (Centro-RJ)
Área: Confessionalidade / Nível: Confessionalidade - Prédicas e Meditações
Testamento: Novo / Livro: Mateus / Capitulo: 15 / Versículo Inicial: 21 / Versículo Final: 28
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 58517
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Ninguém sabe o que significa confiar em Deus somente, a não ser aquele que põe as mãos à obra.
Martim Lutero
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