“Se guardardes o mandamento que hoje te ordeno, que ames o Senhor, teu Deus, andes nos seus caminhos, e guardes os seus mandamentos, e os seus estatutos, e os seus juízos, então, viverás e te multiplicarás, e o Senhor, teu Deus te abençoará” (Dt 30.16)
Existe uma espiritualidade que transforma textos bíblicos em equações matemáticas ou em silogismos filosóficos. O lema bíblico da semana é um exemplo disto. Poderíamos pensar que se estivermos bem de saúde, de finanças e outros aspectos da vida é porque fomos abençoados, logo, somos abençoados porque cumprimos a lei, os preceitos, os estatutos do Deus em qual eu confio. O contrário deveria valer, ou seja, se as condições de vida forem bem desfavoráveise difíceis é porque não cumprimos os tais preceitos, logo, a equação entre cumprir e não cumprir explica o momento de nossas vidas. Esta forma de pensar e de crer não é nova, ela já está presente na formulação dos próprios textos ou pelo menos no ambiente de vida dos protagonistas da Bíblia. A discussão de Jó com seus amigos é um exemplo clássico. Jó contesta a teologia da recompensa enquanto seus amigos a defendem. Mesmo os profetas tinham uma maneira similar de pensar, pois diziam que Deus castigaria o fato de seus mandamentos não estarem sendo cumpridos. Os profetas explicavam os sofrimentos como resultado da necessidade de Deus castigar o pecado, caso não houvesse arrependimento e mudança de postura.
Ao observar e estudar os seres humanos em sua condição individual e social não é difícil identificar situações em que parece não haver uma lógica exata no que se diz em Deuteronômio 30.16. Os próprios profetas também, assim como Jó, manifestaram o seu questionamento a respeito: “Por que prospera o caminho dos perversos, e vivem em paz todos os que procedem perfidamente? ” (Jeremias 12.10). “Até quando, SENHOR, clamarei eu, e tu não me escutarás? Gritar-te-ei: Violência! E não salvarás? Por que me mostras a iniquidade e me fazes ver a opressão? Pois a destruição e a violência estão diante de mim; há contendas, e o litígio se suscita. Por esta causa, a lei se afrouxa, e a justiça nunca se manifesta, porque o perverso cerca o justo, a justiça é torcida” (Habacuque 1.2-4).
E o que nós podemos pensar ou crer? Cabe a pergunta de Paulo, o Apóstolo: “Que diremos, pois, à vista destas coisas? ” (Romanos 8.31). Uma possibilidade é dizer que a transgressão contra a vida, o pecado, possui todos os aspectos de grandes tragédias, pois, além de causar profundos sofrimentos, muitas vezes acaba ainda o pecador se livrando do castigo imediato. No pecado está a semente daquilo que virá depois, ou seja, o pecado carrega consequências intrínsecas. Ele é o prenúncio e o causador de um determinado futuro. O futuro não é resultado do castigo de Deus exatamente, mas consequências da natureza do pecado - “o salário do pecado é a morte” - ou da mudança de atitude. Mas isso não explica tudo nem resolve tudo. Muito é peculiar à própria natureza humana com sua fragilidade.
Promover a Intenção de vida que há na criação é o que nós podemos assumir fazer. Uma forma de fazê-lo é procurar não transgredir essa Intenção que denominamos normalmente Vontade de Deus. Se as pessoas cristãs de fato quisessem arriscar um pouco mais em relação a prática da Vontade de Deus no mundo, certamente teríamos condições de fazer algumas proposições no sentido de que surjam mudanças bem significativas e necessárias que apontem a proa na direção de um nível mais razoável de civilidade, dignidade e paz. Creio que todos precisamos reconhecer que carecemos da graça de Deus, já que todos pecamos neste barco.