INTRODUÇÃO
Os presbíteros de nossa paróquia estiveram reunidos nos dias 31 de julho e 01 de agosto para conversar sobre o tema “Santa Ceia com crianças”.
Por que tratamos deste assunto? O tratamos porque nossa Igreja, no XVIII Concílio Geral, decidiu apoiar o estudo e a prática da Santa Ceia com crianças nas comunidades e paróquias, “o que foi aprovado por ampla maioria.” O Boletim Informativo número 130, do Conselho da Igreja, de 12.11.1992, diz: “as Comunidades e Paróquias não deixem de ocupar-se do assunto e de procurar dar passos no sentido de também crianças participarem da celebração da comunhão.” De tal forma que o tema Santa Ceia com crianças deve ser estudado e praticado em todas as comunidades de nossa Igreja. E nós, em nossa paróquia, iniciamos este estudo com o retiro de presbíteros, e este estudo deverá ter continuidade nos grupos de trabalho e junto a todos os membros de nossa paróquia.
UM POUCO DE HISTÓRIA
No início do cristianismo, a Santa Ceia era uma refeição completa. O pão, que assinalava o início da refeição, e o cálice, que era compartilhado ao final dela, eram vistos como grandes sinais de Jesus, de seu evangelho, de sua presença. Sendo a Santa Ceia uma refeição comunitária, é claro que as crianças também participavam dela.
Também nas catacumbas (cemitérios subterrâneos) na cidade de Roma há figuras onde aparecem as crianças participando da vida da comunidade (com suas mãos levantadas numa oração de ação de graças, junto com todos) e registros da participação na Santa Ceia.
Quando temos registro do Batismo de crianças pequenas, das pessoas que não podem responder por si mesmas, no século 3, também temos provas de sua participação na Santa Ceia. Para a Igreja no final do século 2 e início do século 3 estava claro que Batismo e Santa Ceia andavam de mãos dadas. Ser batizado era sempre ser levado à mesa da Santa Ceia.
Quando o cristianismo tornou-se a religião oficial do Império Romano (315 d.C.), generalizou-se o batismo de crianças, inclusive de recém-nascidos. Mesmo com o batismo de infantes, em momento algum foi negado às crianças batizadas a participação na Santa Ceia. Até o século 12, a Igreja cristã manteve essa prática de incluir as crianças batizadas como parte do corpo de Cristo na mesa da comunhão.
Esta prática mudou no ano de 1215, no quarto Concílio realizado na cidade de Latrão.
Neste concílio, foram estabelecidas algumas regras para que uma pessoa pudesse participar da Santa Ceia: confessar os pecados; fazer penitência; ter uma instrução mínima; ter a capacidade do entendimento.
Antes de 1215, as crianças podiam participar da Santa Ceia, mesmo sem ter um entendimento racional sobre a mesma. Somente após esta data, elas foram excluídas da Santa Ceia. E nós continuamos esta prática em nossa Igreja sem grandes questionamentos.
E A BÍBLIA, O QUE DIZ?
Na Bíblia, não encontramos nenhum argumento contrário à participação das crianças na Santa Ceia. Encontramos, sim, muitos textos que apóiam a participação das crianças na Santa Ceia:
- Marcos 10.13-16 . Jesus acolhe os pequeninos – “Deixem que as crianças venham a mim e não proíbam que elas façam isso [...].”
- Romanos 3.23,24 . Deus nos aceita na Santa Ceia “sem exigir nada”. Não é necessário “ter instrução” e “capacidade do entendimento”
-1João 4.10,19 . Deus nos ama primeiro.
- Mateus 18.3 . O reino dos céus é dos que são iguais às crianças.
- Marcos 9.37 . Receber a uma criança é receber a Jesus.
-1Coríntios 11.17-26 e Atos 2.42-47. A Santa Ceia era uma refeição. As crianças também participavam desta refeição.
- Marcos 2.15; 14.3 e Lucas 15.1,2 . Jesus partilha o pão, come com cobradores de impostos, pecadores - ele acolhe a todos e não exige arrependimento e conversão antes. Arrependimento é resposta à ação de Jesus. (Lucas 19.1-10) Jesus rejeitaria as crianças na Santa Ceia?
A OPINIÃO DE MARTIM LUTERO
“Ao falar do culto da Comunidade, Lutero disse que se dirigiam à mesa da comunhão ‘homem, mulher, jovem, velho, senhor, escravo, esposa, empregada, pais, crianças como Deus ali a todos reúne’”. (Romeu Martini, citando Lutero na Revista Tear, número 5).
Também no Catecismo Maior, Lutero diz: “Neste sentido que cada pai saiba que ele é responsável - pela ordem e mandamento de Deus - pelo educar de suas crianças do que foi dito acima, ou que as deixe ser ensinadas, sobre o que elas devem saber. Pois, porque elas foram batizadas e fazem parte da cristandade, elas devem também gozar desta comunhão do Sacramento [da Santa Ceia], para que, através desta [comunhão], ela nos sirvam e possam nos trazer proveito, pois elas precisam nos ajudar a crer, a amar, a orar e a lutar contra o diabo. (Catecismo Maior - Martinho Lutero, Obras selecionadas, volume 7, p. 442)
OS SACRAMENTOS DO BATISMO E DA SANTA CEIA
Os sacramentos são acontecimentos na vida da Igreja nos quais o amor de Deus se torna visível. Para ser sacramento, são necessários: 1. uma ordem de Jesus e 2. um sinal visível. Por isso, em nossa Igreja, temos somente dois sacramentos: Batismo e Santa Ceia. É Deus quem age nos sacramentos. Ele se dá a nós. Ele vem a nós com sua bênção, seu perdão, sua graça sem que nós o mereçamos, sem exigir nada (Rm 3.23,24).
Martim Lutero compreende os sacramentos como presente de Deus. Deus presenteia ao ser humano a sua salvação, que é o seu próprio filho, Jesus Cristo. O presente de Deus nos sacramentos são obra de sua graça. Não depende de nenhum mérito e de nenhuma condição humana. Isto quer dizer que o amor e a graça de Deus se destinam para todas as pessoas. Batismo e Santa Ceia são obra de Deus em favor de nós.
Batismo
1. Por que batizamos? Batizamos porque o Batismo foi ordenado por Jesus, em Mateus 28.18-20: “[...] ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo [...]”.
2. Qual o significado do Batismo? No batismo, Deus derrama sua bênção sobre a pessoa que é batizada. No Batismo, Deus vem até nós com o seu Santo Espírito, nos estende a mão e nos diz: Eu estou contigo, estou aqui para ti, quero estar contigo para sempre. No Batismo, somos incorporados no corpo de Cristo, a Igreja. Nossa Igreja considera que o Batismo é graça de Deus. Ele nos é dado porque Deus quer e porque Deus nos ama incondicionalmente, apesar de nossa condição humana pecadora. O Batismo nos é dado porque Deus nos ama. Isto fica claro quando Paulo nos diz em Romanos 3.23,24: “Pois todos pecaram e estão afastados da presença gloriosa de Deus. Mas Deus, pela sua graça e sem exigir nada, os aceita por meio de Cristo Jesus, que os salva”. Batizamos crianças porque Deus nos amou primeiro e porque o amor de Deus para conosco não requer condições prévias de nossa parte. O amor de Deus é sempre dado e recebido gratuitamente para todos e por todos. Isto fica claro em Mateus 5.45, onde Jesus diz: Porque ele (Deus) faz nascer o seu sol sobre os maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos. Também em 1 João 4.10,19 está escrito: “E o amor é isto: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou e mandou o seu Filho para que, por meio dele, os nossos pecados fossem perdoados. Nós amamos porque Deus nos amou primeiro”. O Batismo, como manifestação clara do amor de Deus por nós, vem antes da fé da pessoa que é
batizada e também não depende da fé da pessoa que é batizada. A fé é resposta à ação de Deus em nossas vidas. A graça, o amor de Deus para conosco, vem antes de nossa fé e não depende de condições preliminares de nossa parte. Por isso, batizamos crianças. Na Bíblia, não encontramos nada escrito sobre a idade na qual a pessoa deve ser batizada, mas, em Atos 16.15, o texto nos leva a concluir que as crianças também eram batizadas.
Santa Ceia
A Santa Ceia foi instituída por Jesus em sua última ceia com os discípulos (Mt 26.26-30; 1Co 11.23-26). Nas próprias palavras de Jesus, encontramos o significado da Santa Ceia:
1. Corpo e sangue de Jesus dados por nós para o perdão de nossos pecados. Perguntamo-nos: quando o corpo e sangue de Jesus foram dados por nós? Em sua morte na cruz. Assim, todas as vezes que celebramos a Santa Ceia, lembramos o perdão de Deus e a salvação que já nos foi concedida para nós através da morte de Jesus na cruz.
2. Devemos lembrar que a morte de Jesus para nossa salvação não é merecimento nosso. É doação e amor de Deus. Isto está claro em João 3.16 e 1João 4.10,19. O perdão de Deus é presente, nos é dado porque Deus quer.
3. Perguntamo-nos: e a exigência de arrependimento e pedido de perdão antes da participação na Santa Ceia? A partir da compreensão acima, esta exigência não faz sentido. No texto bíblico da instituição da Santa Ceia, não encontramos esta exigência. O perdão já nos foi dado por Jesus na cruz porque Deus quis, não porque as pessoas o mereceram. De tal forma que devemos aceitar este perdão como presente. E fazer uso deste presente. Fazendo uso deste presente, irei ver meus caminhos errados, meus pecados e irei arrepender-me, pedindo perdão a Deus, perdoando e amando ao próximo, assim como Deus me perdoa e ama. Isto é o que nos exemplifica o folheto evangelístico da IECLB “Santa Ceia: fonte de vida”. De tal forma que o arrependimento e o pedido de perdão são um passo posterior, são resposta à ação de Deus na Santa Ceia, assim como o crer é uma resposta da
pessoa à ação de Deus no Batismo.
“Um dos argumentos teológicos mais fortes a favor da participação das crianças na Eucaristia surge a partir do Batismo. Considerando que, com o Batismo, a pessoa é incorporada no corpo de Cristo, que é a igreja (1 Co 12.12-13) e que através dele participa de sua morte e ressurreição (Rm 6.4; Cl 2,12), qualquer pessoa batizada deveria ser admitida à Ceia do Senhor. Sendo ela a Ceia da Comunidade de fé, da família de Deus na qual ingressamos pelo batismo, torna-se difícil justificar a exclusão das crianças batizadas. Entendendo Comunidade Cristã como uma Comunidade de irmãos e irmãs na fé, torna-se problemático excluir as crianças da comunhão da mesa.. (P. Pedro Kalmbach, Revista Tear, número 5, agosto 2001).
“Como é Jesus quem reúne a sua Comunidade em um só corpo, ao doar-se a si mesmo, e como os que são convidados para a mesa do Senhor são irmãs e irmãos uns dos outros, convocados para viverem em fraternidade, inclusive as crianças batizadas estão convidadas a comungarem do corpo e do sangue do Senhor Jesus Cristo. É um erro querer-se afastar as crianças da Ceia sob o argumento de que não tenham atingido o grau de fé dos adultos [...].”
(Celebração da Santa Ceia com nossas crianças - documento da IECLB).
E A CONFIRMAÇÃO?
Esta é a pergunta de muitos. A confirmação não perderia seu sentido tendo as crianças já participado da Santa Ceia? Nossa Igreja, em seu documento sobre a Santa Ceia com crianças diz: “Nossa prática da Santa Ceia não deveria ser presa à confirmação. Não há base teológica para tal relacionamento. Na prática do ensino confirmatório, no entanto, já deveria ser celebrada a Santa Ceia.”
Há dois pontos importantes a considerar: 1. já se deveria admitir a participação das crianças na Santa Ceia durante o ensino confirmatório; 2. Não há ligação entre Santa Ceia e confirmação. Para entender isto, precisamos saber qual o significado da confirmação.
1. É a resposta do confirmando à ação de Deus no Batismo. Deus abençoa, faz uma aliança com a pessoa no batismo. O confirmando passou por um período deinstrução cristã mais intensiva (o ensino confirmatório) e já sabe um pouco mais sobre Deus e sobre seu grande amor. Por isso, na confirmação, o jovem já tem condições de dizer que pretende continuar mantendo esta aliança. “Para viver conscientemente a fé à qual fomos chamados pelo batismo e ser eficientes obreiros de Deus, devemos estar preparados, pois a aliança que Deus faz no batismo requer de nós uma resposta pessoal: “Sim, senhor, quero viver contigo em tua Comunidade e servir-te com meu tempo, meus dons, talentos e bens.” (Nossa fé - Nossa vida, p. 30).
2. Confirmação é confissão de fé. O confirmando diz diante da comunidade que crê em Deus e que pretende servir a Deus em sua vida. O jovem é chamado a se integrar na comunidade, fazendo de sua confissão de fé uma atitude prática, concreta, voltada para a vida e para o mundo. “A confirmação compromete com a participação responsável na vida comunitária: participar nas celebrações, nos grupos de estudo e serviço e nas assembléias; servir de madrinha ou padrinho no batismo e de testemunha na bênção matrimonial; contribuir com seu tempo, seus dons e seu dinheiro.” (Nossa fé - Nossa vida, p. 33).
Sendo este o significado da confirmação, vemos que a participação na Santa Ceia antes da confirmação não faz a confirmação perder seu sentido, pois a confissão de fé realizada na confirmação continua sendo necessária.
A QUESTÃO PEDAGÓGICA
Ao levarmos nossos filhos e filhas à mesa da Santa Ceia, além de os estarmos incluindo na comunhão comunitária, estaremos ensinando a eles também o significado da Santa Ceia. Conhecemos as crianças e sua curiosidade natural. Irão certamente perguntar sobre o significado da Santa Ceia ao pai e à mãe. Estes, então, terão a oportunidade de falar do grande amor de Deus por nós, manifestado pela morte e ressurreição de Jesus para o perdão e a salvação, celebrado na Santa Ceia. Isto também irá levar os pais a refletir sobre a Santa Ceia e seu significado, uma vez que terão que responder às perguntas dos seus filhos.