Salmo 8 - A nobreza do homem

Prédica

15/02/1979

A NOBREZA DO HOMEM
Salmo 8 ( Leitura: Romanos 8.18-25) 

O salmo 8, há anos atrás, foi lido de um púlpito muito alto, de onde foi ouvido por centenas de milhões de pessoas. O astronauta americano Edwin Aldrin, depois de pousar, pela primeira vez na história da humanidade, no solo da lua com seu colega Armstrong, leu-o, depois de decolar da lua, de uma altura de uns 300 mil quilómetros sobre a terra. A leitura foi transmitida pelo rádio e pôde ser escutada em todos os recantos da terra. E este salmo merece ser proclamado de um púlpito mais alto ainda. A mensagem de que Deus é o Criador do céu e da terra e que o seu nome é magnífico encerra em si a semente de todos os outros artigos da fé. 

«Creio em Deus Pai, Criador do céu e da terra.» Parece uma das coisas básicas do ensino cristão. Parece ser assunto do primeiro ano primário da aprendizagem do discípulo de Cristo. A primeira frase da Bíblia já o expressa: «No começo criou Deus os céus e a terra,» E no mesmo capítulo do Gênesis vem escrito que Deus fez o homem à sua imagem. Para uma criança talvez pareça mesmo o artigo mais fácil do Credo: O mundo que nos rodeia terra, sol, lua, estrelas — tudo isso não surgiu por si mesmo. Tudo é criação de Deus, tudo é obra de suas mãos. — Para o adulto, então, este primeiro artigo do Credo se vai tornando mais difícil. Ele vê e experimenta na própria vida as coisas escuras da criação: Doença, sofrimento, morte. Ele vê crianças que nasceram aleijadas, ouve de terremotos que matam milhares de pessoas, lê de enchentes e de furacões que deixam centenas de milhares de criaturas desabrigadas. Ele sabe de guerras, de maldades e de crueldades que permeiam toda a história do mundo. E não é somente a história do homem. A natureza, sim, ela está cheia de milagres. Mas não há só as flores e as borboletas e o arco-íris: Há os peixes grandes que devoram os peixes pequenos. Há os parasitas, os vermes, as doenças que afligem ou matam homens e animais. Há a peste suína africana, contra a qual o único remédio parece ser matar os animais. Em toda a natureza reina uma lei dura: A da sobrevivência do mais forte. Até entre as plantas vale esta lei, E o homem que pensa, fica desconcertado. Fica desconcertado diante de si mesmo. A Bíblia diz que ele, o homem, foi feito à imagem de Deus. Mas ele sabe que é uma criatura mareada pelo egoísmo, pelo medo pela mania de grandeza e pelo desprezo de si mesmo. E, olhando bem para dentro de si mesmo, de repente, este primeiro artigo da fé, o artigo da criação, lhe parece ser o mais difícil de todos. Não é que o homem pensante de hoje tenha problemas com os «seis dias» da criação, como a Bíblia o relata. Ele pode entender que estes seis dias são dias de Deus, não dias dos homens. Que seja, cada um, um período de centenas de milhões de anos! Mas, ao fazer um balanço de tudo que nos rodeia — nosso cérebro não é capaz de extrair do mundo a imagem de um Deus Criador, de um Pai, que nos ama. 

Parece que o homem de nosso tempo, o homem da era espacial, ainda encontra dificuldades maiores de crer no Criador e na criação. Ele mediu, através de seus telescópios e de suas ondas de rádio, os espaços dos céus. Calculou duzentos bilhões de estrelas, só em nossa via láctea, da qual nosso sol é apenas uma estrela de tamanho médio. Descobriu, no mínimo, mais outros cem milhões de vias lácteas, ilhas de estrelas do universo, como a nossa. Trilhões e trilhões de estrelas, cada uma delas um sol, algumas, mil vezes maiores que o nosso, globos de fogo nuclear, milhões de vezes maiores que a terra! 

É de ficar tonto. É de ficar com vertigens mesmo. A nossa terra parece encolher, quando pensamos nas dimensões cósmicas. Quem viu, pela primeira vez, uma fotografia da terra, feita do espaço, quem vê, como este globo azul em que moramos flutua, bóia no vazio, ele jamais voltará a ser a mesma pessoa. Terá uma visão diferente da terra, do espaço, de si mesmo. Como o homem é pequeninho, em comparação com os corpos celestiais! Será que ele tem mesmo a importância que a fé lhe atribui? Ele não passa de uma partícula de pó, jogada no universo? Se a própria terra não passa de um grão de areia, em comparação com as estrelas gigantescas que, aos bilhões, se movimentam, ao acaso, pelo que parece, pelos espaços frios e hostis? — Esta tentação de descrer da criação, de ficar pasmado diante dos segredos e das contradições do mundo, até pode assaltar um cristão. O poeta Reinhold Schneider, um homem que viveu perto de Cristo e que, na última guerra, foi uma testemunha da fé, já ao ser velho, depois de ter vivido os horrores da Segunda Guerra Mundial, chegou a dizer: «Este mundo — criação de Deus? Não o posso mais conceber. O mundo me parece antes um inferno em rotação.» 

Creio que o salmo 8, nesta nossa angústia perante o universo em que existimos, nos pode prestar um inestimável serviço. Ele poderá sensibilizar a bússola de nossa fé, para que a agulha, que aponta para o norte, não se tranque, em vista das coisas escuras e difíceis de entender e de aturar, neste mundo em que Deus nos faz viver. Nós queremos observar apenas alguns pontos, de forma breve e simples. 

O salmo começa com as palavras: «Ó Senhor, Senhor nosso, quão magnífico, em toda a terra, é o teu nome!» — Este «nosso» é urna palavra importante. Entendemos que não é pronome possessivo, assim como falamos de uma casa «nossa» É antes um pronome de relação, como «Pai nosso». Senhor nosso -- isto é uma confissão de fé. Deus é nosso Deus, porque nós somos «suas» criaturas, porque ele nos ama. Muitos problemas de fé, no âmbito do primeiro artigo, provêm do fato de considerarmos este «nosso» como sendo pronome possessivo. Há pouco dissemos que o homem moderno não é capaz de extrair do mundo a imagem de um Deus-Pai, que nos ama. Aí que está o mal. Nós queremos extrair um Deus da natureza -- queremos criar um Deus à nossa imagem. Queremos criar um Deus «nosso» pronome possessivo. É aí que nossa vista se turva. É aí que ficamos cegos para Deus. Deus deixa de ser o Deus real para nós. Torna-se um deus anônimo, um deus sem nome. Tal deus anônimo, tal deus desconhecido, não passa de um ídolo. É como aquele deus dos atenienses, ao qual eles tinham erigido um altar em sua cidade. Deus não é um deus desconhecido que quisesse ficar no anonimato. O apóstolo Paulo disse aos atenienses (Atos 17), qual era o nome deste Deus. Explicou-lhes que era o Criador, o Pai de Jesus Cristo. Assim, o poder e a majestade de Deus só se revelam a nós, se aceitarmos o nome do nosso Deus — o nome pelo qual ele se revelou dentro deste mundo contraditório e hostil: Este nome é «Pai de Jesus — e por ele também o nosso Pai». Antes que céus e terra fossem formados, este Deus nos amou — em Cristo, Assim — a fé nos faz aceitar Deus como nosso Deus -- apesar das experiências escuras sim, bem em vista delas: «Meu Deus, meu Deus — por que me desamparaste?» — O brado de Cristo na cruz encerra tudo: O sofrimento por causa da criação revoltada contra Deus e o «meu Deus» da fé filial. 

E vejamos um outro ponto: «Da boca de pequeninos e de crianças de peito suscitaste força. . . para fazeres emudecer o inimigo.. » — Então, na criação de Deus, há «o inimigo». Há a criatura que não quer dizer: «meu Deus», Esta criatura revoltada abre a boca e brada contra Deus. Brada como um leão feroz. Revolta-se contra Deus e quer ocupar o seu trono. Deus não o fulmina com o seu raio, como bem poderia fazer. Ele o faz emudecer «pela boca de pequeninos e de crianças de peito». É que no mundo de Deus não vale o poder e a fanfarrice de um gigante Golias. Nem dos Golias com espada, nem dos munidos com calculadoras eletrônicas, telescópios e microscópios. A «criança de peito» o pequeno, o humilde, o que depende de Deus, o que se agarra nele: ele chega a ter poder. Ele chega a louvar a majestade de Deus revelada em sua criação. Os mansos possuirão a terra e os céus. 

«Quando contemplo os teus céus, obra de tuas mãos, e a lua e as estrelas que estabeleceste, que é o homem que dele te lembres, e o filho do homem, que o visites?» — Entendamos: O autor do salmo 8 não se admira da ausência de Deus. Ele não clama: Onde está Deus? Ele se admira do fato de Deus ter visitado este homem pequenino, de se ter lembrado dele. Os céus, o universo, sol e lua — se transformam em prédica. Quando o salmista contempla a imensidão do céu estrelado, os espaços não ficam mudos e hostis. Eles proclamam a glória de Deus. Sua pregação faz com que o homem reencontre a proporção da realidade. Ele nota que, perante as dimensões da criação, ele não passa de um grãozinho de pó. Que perante o Criador do universo, ele é um nada. Mas, com isso, ele não é levado a se desprezar, em vista de sua insignificância. Ele sabe que, para Deus, as proporções são outras. Ele sabe que para Deus, ele, a criatura pequenina, é um ser amado, um ser que Deus criou para ter um parceiro de diálogo, um ser que foi agraciado além de qualquer outra criatura visível: «Fizeste-o, no entanto, um pouco menor do que Deus, e de glória e de honra o coroaste.» Aqui, um homem, perturbado pela insignificância do homem no universo, se coloca, admirado e jubiloso, na perspectiva de Deus, aceita o que Deus pensa do homem, aceita a imagem, aceita o amor. — Também esta passagem do salmo, canto de louvor surgido na Antiga Aliança, hoje, como filhos da Nova Aliança, não conseguiremos e não quereremos mais entender sem Cristo. É em Jesus Cristo que acontece o que vem proclamado pelo salmista! Em Cristo Deus visitou o homem pequenino, em Cristo fez o homem ser «um pouco menor do que Deus». Em Cristo o fez seu filho, em Cristo lhe deu a glória e a honra da criatura, feita à sua imagem. 

«Deste-lhe domínio sobre as obras de tua mão e sob os seus pés tudo puseste.» -- Se esta palavra não tivesse igualmente uma janela aberta para a nova criação em Cristo, então seriamos forçados a dizer: Deus falhou com este seu capataz, o homem. Deus falou com seu mordomo — já que este bancou o senhor — matou animais e aves, sem dó nem misericórdia. Ele destruiu, desmatou, depredou, queimou, envenenou os rios, o mar, a atmosfera. Ele fez desta terra um lugar que, ao que parece, não vai mais oferecer por muito tempo condições de vida e de paz a qualquer criatura de Deus. — Mas se é em Cristo que ao homem foi dado o domínio, por Deus -- se o verdadeiro senhorio do homem se revela no Filho de Deus, na fiel imagem do Pai — então o mundo tem esperança. Então os homens têm esperança, e até a natureza, os animais e as aves têm esperança. «Porque o justo atenta para a vida dos seus animais.» (Provérbios 12,14) E a história do mundo não terminará, quando o inimigo que brada com orgulho e grandiloqüência, talvez resolver empregar algumas destas armas do arsenal do inferno, armazenadas, aos milhares, nos depósitos das grandes potências. 

Nós, os filhos da Nova Aliança, que sejamos mordomos verdadeiros de Deus, neste mundo, que é dele (Não é verdade que seja do diabo. O diabo mente ( Lucas 4), ao dizer que lhe foi dado!). Vivamos assim que outras criaturas possam voltar a ver e a encontrar o Deus da verdade e do amor, por nosso testemunho e por nosso louvor. 

Oremos: Senhor, meu Deus, quando maravilhado, fico a pensar no teu grandioso ser; o céu de estrelas vejo admirado, a declarar ao mundo o teu poder: Então minha alma canta a ti, Senhor: Quão grande és tu, quão grande és tu... E quando penso, quanto Deus me ama — que em meu lugar Jesus na cruz sofreu: A gratidão meu coração inflama, pois foi por mim que ele padeceu. Canta minha alma a ti, o meu Senhor: Quão grande és tu, quão grande és tu! Amém.

Veja:

 Lindolfo Weingärtner

Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão

 Editora Sinodal

 São Leopoldo - RS
 


Autor(a): Lindolfo Weingärtner
Âmbito: IECLB
Testamento: Antigo / Livro: Salmos / Capitulo: 8
Título da publicação: Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão / Editora: Editora Sinodal / Ano: 1979
Natureza do Texto: Pregação/meditação
Perfil do Texto: Prédica
ID: 19710
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