TESTEMUNHA DA VITÓRIA
Salmo 118.14ss.
2 de Junho de 1967, 59º. Concílio do Sínodo Rio-grandense em Carazinho, Culto de Encerramento1
Esse Salmo é um hino de júbilo e de gratidão ao Senhor, porque dele é a vitória. A pedra que os construtores rejeitaram, essa veio a ser a principal pedra angular: Os construtores, e convém dizer com Martin Luther que foram os melhores, os mais santos e inteligentes, os mais sábios e nobres construtores, com toda a sua sabedoria e toda a sua capacidade falharam com o seu planejamento. Deus agiu soberanamente. E na primeira prédica cristã no dia de Pentecostes em Jerusalém, ouvimos esta única mensagem: Jesus, por vós crucificado, Deus o ressuscitou, e disso nós somos testemunhas. (At. 2,23 s. 32) Foi em virtude da pregação dessa mensagem que se formou a Igreja cristã, conforme a ordem do Senhor: Vós sereis minhas testemunhas. (At. 1,8) Para isto, portanto, existe a Igreja: para dar testemunho ao mundo, corajosa e obedientemente, aos grandes feitos de Deus, por através da vida, da morte e da ressurreição de Jesus Cristo. Com esse testemunho ela louva e enaltece o Senhor, por ser Ele também hoje o Deus que faz maravilhas. É o louvor e o testemunho que ouvimos pelas palavras do Salmo 118: O Senhor é minha força e o meu cântico, porque Ele me salvou. Na tenda dos justos há voz de júbilo e salvação: a destra do Senhor faz proezas. Foi esse o Salmo predileto de Martin Luther, o seu cântico de júbilo pela vitória de Deus — vitória de Deus não contra nós, mas a nosso favor, vitória da graça e misericórdia de Deus, sobre o poder do pecado, da morte e do diabo. É a vitória de Deus, na qual está incluída a certeza de nossa própria vitória: Eu não morrerei, mas viverei e contarei as obras do Senhor. O Senhor castigou-me muito, mas não me entregou à morte. A pedra que os construtores rejeitaram, essa veio a ser a principal pedra angular. Foi o Senhor que fez isso, e é coisa maravilhosa aos nossos olhos.
E a Igreja, incumbida de dar testemunho do evangelho: Cristo ressuscitou, Ele realmente ressuscitou, só pode seguir Martin Luther fazendo seu este cântico de louvor. E louvar a Deus por seus grandes feitos, também para nós hoje só pode significar: disso somos nós testemunhas, testemunhas da vitória de Deus.
De muitas vitórias nos fala a história: de vitórias importantes que transformaram o aspecto do mundo e deram novo rumo à história da humanidade. Mas esta uma vitória, a vitória de Deus na ressurreição de Cristo, é a vitória decisiva. Tinha triunfado a morte, tinham vencido os poderes do mal, fora rejeitada a -pedra pelos construtores: Jesus, o Cristo de Deus, fora morto- e sepultado — nenhuma esperança restava, extinguira-se a luz para toda a humanidade. Mas: a mão poderosa de Deus volveu para o lado a grande pedra — Cristo vive — essa é a vitória, decisiva e definitiva, de Deus. Dessa vitória vive a Igreja. É seu o louvor e o júbilo: Não morrerei, mas viverei, e contarei as obras do Senhor. Mas, onde e a quem as contarei?
Estivemos aqui reunidos, nestes dias, como representação das comunidades do nosso Sínodo, incumbidos e autorizados a planejar e resolver em seu nome e assim traçar as linhas do nosso futuro caminho, isso é, do caminho da nossa Igreja. Cantamos, também, nestes dias hinos da Igreja, hinos de júbilo e louvor, de adoração e de súplica. Mostrou-se, nos debates e nas decisões, que nem sempre éramos da mesma opinião e como poderia ser, pois também na Igreja somos homens, diferentes uns dos outros, diferentes também nas suas opiniões e convicções. Maior, porém, do que toda a nossa divergência é o que nos une: não as nossas opiniões, por mais sábias que sejam, mas o que Deus tem feito: a pedra rejeitada pelos construtores, que veio a ser a principal pedra angular. A Igreja não vive do que nós pensamos, nem do que resolvemos; ela vive, sim, dos grandes feitos de Deus, da vitória de Deus em Cristo. Une-nos e deve unir-nos o júbilo e o louvor a Deus, que ainda hoje a sua mão poderosa vence todos os obstáculos, que é ela e nenhum outro poder que dirige os destinos dos povos, que é ela e não a sabedoria dos construtores que conduz a Igreja e torna eficiente o seu testemunho.
As nossas discussões sobre as tarefas da Igreja, e as decisões que tomamos nem sempre expressam essa confiança, essa certeza jubilosa da vitória de Deus. Vendo a realidade diante de nós, as dificuldades com que deparamos, procuramos vencer os obstáculos, baseando-nos em nossos cálculos, contando com os nossos recursos para realizar o que consideramos necessário. Entretanto, na Igreja não temos a tarefa de contar as nossas obras, nem nos foi dada a promissão de conquistarmos vitórias. Contando as nossas realizações — que poderíamos contar, senão a nossa pequena fé, o nosso desânimo diante das dificuldades sempre maiores — mas, a isso não somos chamados: somos chamados, sim, a contar as obras do Senhor, e isso quer dizer: a contar com o seu poder, com as suas possibilidades, com a sua vitória. É sempre uma séria advertência para nós, os representantes da Igreja, que a pedra rejeitada pelos construtores, essa veio a ser a principal pedra angular. Não nós, o Senhor é que fez isso — e com isso incutiu à Igreja em seu fundamento uma estrutura que foge a toda lógica da sabedoria humana, e a qual o apóstolo Paulo descreve falando do tesouro que temos em vasos de barro para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós. Em tudo somos atribulados, porém não angustiados; perplexos, porém não desanimados; perseguidos, porém não desamparados; abatidos, porém não destruídos; levando sempre no corpo o morrer de Jesus, para que também a sua vida se manifeste em nosso corpo. (II Cor. 4,8 — 10) Não é nossa vitória que somos chamados a contar, mas a vitória de Deus, a vitória de sua graça, da graça que é poderosa em nossa fraqueza.
E a vitória de Deus não é apenas um dia do passado, mas é o raiar de um novo dia que jamais se acaba, é o início de uma nova realidade em meio deste nosso mundo, e é, portanto, nesta nossa vida aqui, é em todo o nosso ser que se há de mostrar, se de fato somos testemunhas dos grandes feitos de Deus, se é a Ele e sua grandeza que louvamos ou ao nosso próprio fazer. E é justamente quando deparamos com a nossa fraqueza, com a nossa incapacidade de resolver os problemas, quando sofremos sob as mil dificuldades e obstáculos ao trabalho da Igreja — é aí, então, que se manifesta se de fato somos testemunhas que contam as obras do Senhor.
No texto desse hino de júbilo encontra-se também a confissão: O Senhor castigou-me muito, mas sempre o castigo do Senhor nos quer conduzir ao arrependimento, quer restabelecer a nossa verdadeira relação para com o Senhor, quer levar-nos a reconhecer que a existência da Igreja não é garantida por nós e nossa sabedoria, porque o Senhor, escolhendo aquela principal pedra angular, desfez a sabedoria dos sábios como o poder dos poderosos. Se atualmente nos empenhamos em dar uma nova estrutura ã nossa Igreja, para melhor coordenar os trabalhos e ao mesmo tempo expressar a nossa unidade, saibamos, contudo, que essa reestruturação só pode ser um meio para que a Igreja possa melhor servir à tarefa que lhe foi confiada, de ser testemunha dos grandes feitos de Deus, e que de nenhum modo o ser Igreja depende da estrutura que nós lhe damos. Ela é Igreja do Senhor, e Ele mesmo lhe deu a estrutura fundamental, e a ela deve obedecer em todo o caso a estrutura que nós lhe damos: que Cristo seja o fundamento, além do qual não há outro; nós somos pedras que devem adaptar-se e corresponder ao fundamento; que Cristo seja a cabeça, e nós os membros, diferentes uns dos outros, mas unidos no mesmo corpo, servindo uns aos outros; que Cristo seja a videira, e nós os ramos que dele recebem a vida; que Cristo seja o Senhor, e nós os seus servidores. Servidores chamados a servir ao Senhor consciente e responsavelmente. Entretanto, não temos a tarefa, como servidores, de estarmos preocupados quanto à existência ou ao futuro de nossa Igreja; somos, porém, chamados a cuidarmos bem, e sempre de novo, se é de fato ao Senhor que servimos; se ainda estamos no caminho da obediência para com Ele, para que não suceda ficarmos nós firmes no nosso próprio caminho, enquanto que Deus já nos chamou para outro, para o seu caminho.
Temos uma clara ordem do Senhor. Qual a relação para com ela, das decisões que aqui tomamos: são elas atos de nossa obediência para com a ordem recebida? Ou dependem elas de nossos cálculos e previsões, expressando o nosso otimismo ou pessimismo? Qual o lugar da fé em nossas deliberações? A mensagem, à qual a Igreja deve sua existência e para cujo testemunho ela unicamente existe, a mensagem do que Deus tem feito e do que Ele faz — tem ela real importância para a nossa atuação na Igreja — ou é assim que lamentavelmente aqui há outros fatores mais importantes a serem considerados? Mas — que, no mundo todo, poderia ser mais importante do que Deus e o que Ele tem feito para a nossa salvação? Que poderia ser mais poderoso do que a vitória de sua graça na ressurreição de Cristo?
Sim: Deus castigou-me muito. Mas: não me entregou à morte. Não morrerei, mas viverei e contarei as obras do Senhor. Para isto somos Igreja de Cristo: para contar ao mundo as obras do Senhor. Ide e pregai (Mc 16.15) — é a ordem soberana do Senhor, que tem poder sobre todos os poderes e que vence todos os obstáculos. Que importância tem diante dessa ordem sermos apenas uma pequena Igreja, uma minoria que luta com tantas dificuldades, com falta de meios e falta de pastores? Mas — a ordem não foi dada a uma maioria nem a um grupo poderoso, nem somente aos pastores; a ordem foi dada à Igreja, e ela aí está para todos, e nós somos perguntados apenas pela nossa obediência. O resultado do que fizermos, o êxito, o futuro — tudo isso está com o Senhor. Conosco está a ordem do Senhor, e ela é clara, E Ele espera, espera pela nossa obediência, espera que ponhamos de lado o nosso receio, a nossa dúvida, e comecemos a agir na fé, na fé em seu poder conforme sua promissão, baseados não nos nossos cálculos, mas na sua ordem e promissão. A pedra rejeitada pelos construtores: ela veio a ser a principal pedra angular: Cristo, o ressurreto Senhor, mantém e sustenta a Igreja. E Ele nos diz: Sereis minhas testemunhas: Tudo o que fizermos em obediência a essa ordem, não será feito em vão.
Abençoe-nos o Senhor para que também este Concílio que ora encerramos ajude à nossa Igreja a ser Igreja obediente; que toda a sua ação expresse a confiança do Senhor e a certeza de sua vitória: Eu não morrerei, mas viverei e contarei as obras do Senhor. Cristo ressuscitou — e disso nós somos testemunhas.
Nota:
1. Publicada em: 59º. Concílio do Sínodo Riograndense, 31 de maio a 2 de junho de 1967, São Leopoldo, Ed. Sinodal, 1967 89 — 92.
Pastor Ernesto Schlieper
Veja:
Testemunho Evangélico na América Latina
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS