O CULTO QUE DEUS ACEITA
Romanos 12.1-8 (Leitura: Salmo 84)
Domingo de manhã, nove horas. Vamos ao culto. Ficamos sentados na igreja por uma hora, escutamos a pregação, cantamos, oramos. Depois, o culto termina, e vamos para casa. O culto, assim, parece uma coisa à parte, diferente de nosso dia-a-dia. Ouvimos e dizemos coisas na igreja que não ouvimos nem dizemos na vida comum. Ouvimos e falamos coisas em nossa vida comum que não escutamos nem pronunciamos no culto.
Pois bem, você dirá; O culto deve ser diferente. O culto deve nos elevar acima das coisas da terra, deve lembrar-nos de Deus, do céu, das coisas espirituais. A gente não pode viver toda a vida na igreja. Não pode viver rezando. Precisa trabalhar e lutar nos caminhos desta terra mesmo, com os pés no chão. Precisa ser realista. Na igreja, então, a gente desliga. Religião é uma coisa, negócio é outra. Fé cristã é uma coisa, e trabalho na lavoura ou na fábrica é outra. Vamos dar a Deus o que é de Deus, e ao mundo o que é do mundo!
É isso, ao menos, o que muitos pensam, se não o dizem abertamente. E parece ser lógico, parece ser sensato e racional. Sim — racional, esta é a palavra. Para que o homem tem a sua razão, senão para raciocinar, para pensar? Até o dicionário diz que o homem é um «animal racional»; ele precisa de seu bom senso para sobreviver! E o bom senso nos diz que esta separação entre as coisas espirituais e as coisas materiais, entre a alma e o corpo. entre culto dominical e vida diária funciona. Quem procura ligar os dois campos, ele compra problemas. Então, esta hora do culto dominical à parte, separada, uma hora por semana ou por mês, se apresenta como solução aceitável. A gente dá a honra devida a Deus, leva sua oferta à casa dele, ouve a pregação, cumpre seu dever religioso — mas a vida dita profana, a vida comum, continua seguindo seus trilhos de sempre, trilhos desta terra, seguros e comprovados. Não adianta fazer de conta de que estamos vivendo no céu!
Se você leu — ou ouviu com atenção as palavras da passagem bíblica sobre a qual queremos meditar hoje, vai entender uma coisa; Paulo, apóstolo de Jesus Cristo, não concorda com o que acabamos de dizer, Ele é contra esta divisão de nossa vida em duas partes distintas. Ele afirma que o culto racional, o culto verdadeiro e autêntico, não é nenhum sacrifício que fazemos de coisa, que é nossa — em uma hora apartada do tempo, que é nosso. Ele diz, ele nos exorta, não por simples capricho, mas pela compaixão de Deus --- para que ofereçamos nossos corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus — e que este deverá ser nosso culto racional. Oferecer nossos corpos? Como sacrifício? Isso seria oferecer tudo! Oferecer a nossa vida, nosso tempo, nossos planos, nossos bens, nossas alegrias sem reservar nada para nós! Culto, então, seria a nossa vida integral, vida dentro e fora da igreja, domingo e dia de semana, trabalho e descanso, macacão de serviço e roupa festiva, dia e noite — tudo mesmo!
Veja neste momento, o velho Adão em nós, o velho homem que quer viver sem Deus, começa a ficar inquieto e incomodado. Ele tenta fazer um acordo com Deus: Deus, eu te dou uma parte. Dou-te um sacrifício. Os antigos davam carneiros e bois. Hoje damos dinheiro e prestamos serviços. Reservamos um tempo para Deus. Pagamos contribuições à comunidade. Ajudamos na construção da igreja. Sacrificamos coisas, damos ofertas. Mas neste ponto, o velho homem diz: Basta! E aí procura tirar o corpo fora. Porque o seu corpo, isto é, a sua vida mesmo, ele quer reservar para si. Porque ele desconfia de que Deus lhe queira tirar a liberdade, que não queira deixar nada para ele nenhuma alegria, nenhuma felicidade, que lhe queira tirar tudo.
Este é o grande engano do velho homem. Engano estúpido e tolo. É aí que ele deixa de ser racional, que ele perde o verdadeiro bom senso. Porque Deus não pede o sacrifício de nossa vida para acabar conosco. Ele pede, por ter compaixão. Por saber que nossa vida, separada dele, esta vidinha «com reserva de domínio», vida que chamamos de independente, é uma vida sem futuro. É vida de galho cortado da árvore, vida de vide cortada da videira. Como pode a vide dar uvas por si mesma, se não for parte - da videira. Se não tiver ligação com o próprio pé vivo, com suas raízes, com tudo? Como pode o cristão dar frutos, se não viver em comunhão com Cristo?
Assim entendemos esta mensagem de Deus como recado ditado por seu amor, por sua compaixão. É por causa de nós mesmos, por nossa felicidade, por nossa paz, por nossa vida abundante e autêntica que Deus nos diz; Dai-vos a mim, sem reserva de domínio! Dai-vos a mim totalmente! Dai este sacrifício vivo e santo! É o único que me agrada. É só este sacrifício que corresponde a meu sacrifício em Jesus. Quem não me dá a sua vida inteira, como é que poderá viver em meu amor? E vivendo de meu amor — ele não terá tudo? Deus não pede aquele sacrifício azedo, sacrifício de Caim, cujo rosto se desfigurou de ciúme e de revolta. Deus quer um sacrifício alegre, feliz, esperançoso. E quando Deus pede, ele sempre dá mais do que pede, incomparavelmente mais. Se ele esvazia nossas mãos, é para criar espaço para poder enchê-las de verdade.
Se realmente tivermos entregue a nossa vida a Deus, notaremos que não conseguimos mais viver naqueles dois mundos separados: Aqui o mundo de Deus ali o mundo apartado dele. Nossa fé vai entrar em choque com o mundo revoltado e contrário à vontade de Deus, Antes, este mundo era quem nos moldava e nos transformava. Agora é- Deus, é o evangelho de Jesus, que nos molda e nos transforma: «Não vos conformeis com o presente século (isto é, com o mundo apartado de Deus), mas deixai-vos transformar pela renovação de vossa mente, para que possais discernir, qual seja a vontade boa, agradável e perfeita de Deus.»
Não vos conformeis: Estamos notando que aquele «culto racional», aquele culto verdadeiro que Deus quer de nós, começa a mexer com nossa vida fora da igreja. Porque vai ficando evidente que o apóstolo não fala só daquela hora solene do culto dominical, ao dizer, que não nos devemos conformar com o presente século. O presente século está ia fora; lá nas fábricas, nas lavouras, nas casas, nas escolas, nos bancos, nos estádios de futebol, nos supermercados, nos quiosques de revistas, nos programas de televisão, na política, na moda. Então é neste terreno que Deus quer que não nos conformemos com as coisas do mundo, que não nos deixemos moldar pelo espírito do mundo. Aí é que ele quer que nos deixemos transformar pela renovação de nossa mente para que nas coisas da vida realmente possamos distinguir, qual seja a sua vontade.
Isto significa que o cristão não irá na onda. Ele vai nadar contra a corrente do rio, como faz qualquer peixe vivo que não quer ser levado para o mar. O cristão não faz assim, por ser «do contra», mas porque a sua fé o transforma, o faz ser diferente. Sua vida inteira passou a ser um culto. Ele ora também durante o trabalho. De certo modo, toda a sua vida se transformou em oração. Porque orar é falar com Deus, E ele passou a falar com Deus — nem sempre de mãos dobradas, mas naquele culto racional, de entrega total a Deus, naquela oração em Espírito e Verdade que permeia toda a sua vida. E esta comunhão com Deus o transforma, Não é ele mesmo que se vai modificando. Isso é o que o fariseu faz. Deus é que o transforma. Muda as suas alegrias, suas inclinações, sua fantasia, suas atitudes comerciais e políticas — tudo. Não que o cristão leve uma existência perfeita, que ele já tenha alcançado o alvo. Isso só acontecerá na ressurreição. Mas ele passou a ser que nem barro mole nas mãos do oleiro. Sente que está acontecendo alguma coisa com ele — algo de maravilhoso, que o enche de alegria e gratidão.
E o cristão, que passou a viver este culto racional, vai descobrindo que ele não se encontra sozinho. Sua vida não só é comunhão com Deus, mas também é comunhão com todos os filhos de Deus. Por isso, quem passou a viver para Cristo, não se torna um santo solitário. Ele encontrou muitos irmãos e muitas irmãs, passou a ser mais do que membro de uma comunidade: Passou a ser membro do corpo de Cristo. Servindo a Cristo, serve aos outros membros e aceita os serviços deles. Não consegue mais viver só para si. Ele precisa dos outros para viver o culto verdadeiro, o culto da entrega total a Deus. Não se exalta sobre os outros; não pensa que é mais do que os irmãos. Os membros são diferentes, sim, mas um membro não é menos digno do que o outro. Cada um tem a sua função, cada um tem o seu dom especial. E todos os dons, todas as habilidades que tivermos, vivendo na família de Deus, são dádivas de sua graça. Nada temos por nós mesmos. E tudo nos foi dado para servir — sem orgulho, sem alarde, sem barulho; Ensinar, dar, exortar, presidir, administrar, visitar doentes, ajudar pobres: São dons que Deus vai dando, que vai aumentando, enquanto os usarmos, enquanto formos andando nos caminhos da obediência. Quem servir com zelo, com seriedade, vai experimentar o fruto desta obediência filial: a alegria. Uma alegria, que de certa forma é um sinal, um adiantamento que Deus nos vai dando de seu tesouro celestial inesgotável.
E se esta vida de entrega a Deus, de comunhão com Cristo e com todos os que lhe pertencem se esta vida é o culto verdadeiro que Deus quer de nós para que serve o culto dominical? Ele não fica sobrando? Não, pelo contrário: Quem passou a viver o culto verdadeiro, ele sabe que o culto dominical não quer outra coisa. Será preciso levarmos para fora da igreja o que pela palavra de Deus vamos recebendo vivermos em casa, nas ruas, nos lugares de trabalho -- o que ouvimos, oramos e cantamos na igreja.
Oremos: Deus e Senhor, tu não queres o que é nosso — tu queres a nós. Temos entendido mal tua vontade. Achamos que nos querias tirar a liberdade. Mas depois de conhecer o mundo, no qual tantos só querem o que é nosso, sem nos quererem bem, passamos a entender a tua vontade. Senhor — que possamos servir-te com o sacrifício de nossa vida inteira. Que não reservemos nada para nós — que tudo seja dado a ti, nosso Criador e Salvador. Faze que cresçamos na fé e na obediência. Faze que amemos os irmãos e que os aceitemos com os dons que tu lhes deste. Desperta-nos, desperta toda a cristandade para o culto que é agradável a ti. Louvado seja teu nome. Amém.
Veja:
Lindolfo Weingärtner
Lançarei as redes - Sermonário para o lar cristão
Editora Sinodal
São Leopoldo - RS